31.5.13

ok, a unidade de esquerda - e depois?


Está na ordem do dia. A unidade da esquerda. Há até quem queira a unidade de todos e mais alguns que estejam contra o governo, talvez do CDS ao MRPP - mas deixo isso de lado, porque não me parece que o país deva ser governado por uma caldeirada. A unidade da esquerda (PS, PCP, BE) está, segundo algumas iniciativas, em cima da mesa. Quem sou eu para criticar a unidade da esquerda, logo eu que há décadas critico o PS por não ter feito a parte que lhe competia para tornar possível à esquerda aquilo que é possível à direita: convergência apesar das diferenças. (Tal como os outros também não fizeram, entenda-se.) Contudo, há motivos para parar e pensar. A Aula Magna, mais uma vez, por convocatória de Mário Soares, dá um cenário do que poderia ser uma unidade da esquerda. Mas o próprio Mário Soares é o retrato da dificuldade: ele foi durante décadas o principal estratego contra a unidade das esquerdas - e só mudou depois de ter deixado para trás todas as responsabilidades institucionais. E, depois, qual é a voz que salta desse encontro para o público? O Reitor, com um discurso muito aplaudido nas redes, mas que, na verdade, não diz nada de novo: diz bem, e literariamente, do nosso rasganço interior, mas não acrescenta nenhuma ideia nova - e, fundamentalmente, não teve o mesmo eco em nenhum dos representantes dos partidos que, supostamente, deviam fazer a tal unidade das esquerdas. Muita gente a gritar junta, com a mesma raiva justa, não faz uma alternativa.
Deixemo-nos de rodriguinhos, que os tempos não estão para punhos de renda: o país precisa de uma alternativa de esquerda, mas para isso ser possível é preciso que o PS, o PCP e o BE abandonem muitos dos seus bloqueios teóricos, ideológicos, retóricos - e comecem a pensar a sério no que é essencial. Não é fazer a revolução, é fazer um programa de governo realista num mundo difícil e que não vai estar a olhar para nós com candura. A Europa é, maioritariamente, ao nível dos governos, da mesma massa que Gaspar (não digo da mesma massa que Passos, porque Passos é uma não-existência) e não vai mandar barras de ouro para pagar a nossa segurança social. E uma unidade de esquerda mal parida pode ser o fim da esquerda neste jardim à beira-mar plantado por muitos anos. Basta, por exemplo, que o anti-europeísmo da esquerda da esquerda se torne obsessão de um governo para entrarmos numa fúria isolacionista que fará pior ao país que o pior sonho de Álvaro. Ou que o PS continue enredado numa malha de "relações" que volta e meia assomam como sinais de que o raciocínio privado pode sempre assaltar o raciocínio público.
Se alguém quer "a unidade das esquerdas", só tem uma coisa a fazer: deixem as manobras de propaganda e comecem a discutir as políticas. Porque isto não vai lá com um programa de desfazer o que Passos e Gaspar desfizeram. Não chega. É preciso ir por outros caminhos. Que não estão, de todo, inventados.


o homem que não foi eleito coisíssima nenhuma lida tão mal com a verdade histórica como com as finanças.


Gaspar, o ministro de Passos, precisa que lhe lembrem certas coisas:

(...) se havia uma garantia formal (escrita) de apoio do BCE e da Comissão Europeia ao PEC IV, a aprovação desse PEC podia ter evitado o pedido de ajuda externa, garantindo junto dos mercados financeiros uma protecção do BCE análoga à que é dada a outros países poupados a um resgate. Podemos todos especular sobre o que teria acontecido se essa solução tivesse sido adoptada, o que não podemos é adulterar a história: a alternativa ao resgate existia, tinha apoio europeu e foi rejeitada. Como confirmou Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, ao Público (1-4-2012): "Testemunhei que a Comissão Europeia e o BCE não queriam que Portugal fizesse um pedido de assistência financeira, igual ao grego e ao irlandês, e estavam empenhados na aprovação do PEC IV".

(...) o "chumbo" do PEC IV foi anunciado por Passos Coelho na noite de 11 de Março de 2011. A partir daí, tudo se passou rapidamente: a votação no Parlamento teve lugar a 23 de Março (provocando a imediata demissão do Governo) e o pedido de ajuda foi apresentado menos de 15 dias depois, a 6 de Abril. Tudo em menos de um mês.
Quem queira sustentar que o pedido de ajuda externa devia ter sido formulado antes da crise política, isto é, antes de Março, tem de recordar o que o próprio PSD dizia no mês de Fevereiro. E o que dizia Eduardo Catroga era isto: "Não defendo, nas actuais condições de acesso, o recurso ao FEEF em parceria com o FMI, porque as experiências da Grécia e da Irlanda correram muito mal" (v. Diário Económico, 21-2-2012). O próprio Passos Coelho também era contra: "Portugal só deve encarar uma solução externa quando as condições forem racionalmente vantajosas. Portugal não tem uma dívida sustentável mas o tipo de financiamento do FMI ou do FEEF também não o é". E acrescentou um argumento bombástico: "Se Portugal recorresse ao tipo de ajuda da Irlanda ou da Grécia, dentro de dois ou três anos não estaríamos em condições de cumprir" (Lusa, 10-2-2011).

Pedro Silva Pereira, no Económico.

uma condecoração da ordem dos banqueiros.



Independentemente da valia de cada um deles, que não discuto, Amado e Teixeira dos Santos foram dos que - junto com os banqueiros - mais se opuseram às tentativas de Sócrates para evitar o "resgate" da troika. Agora, dizem as más línguas (do "i", neste caso) que podem ir para banqueiros do Estado. Parece um prémio a terem visto mal as consequências do tal resgate - que, como hoje toda a gente sabe, só torna as coisas mais difíceis. Infelizmente, naquele tempo ganharam os que não quiseram tentar uma saída sem o aparato dos "memorandos", que se revelaram uma canga que não ajuda a cumprir os objectivos proclamados. Às vezes, a história não demora muito tempo a começar a ser feita.

(Para acalmar os apressados: não disse que não haveria sacrifícios sem memorando. O que digo é que o esquema do "resgate" é uma forma de escrever na pedra umas teorias que nos amarram a politicas erradas, mesmo depois de toda a gente ver que estão erradas. É que, em tempos de incerteza, ter certezas e escrevê-las na pedra é apenas sinal de irracionalidade. É por isso que a ortodoxia facilmente cai na burrice.)

29.5.13

a coreografia original d' A Sagração da Primavera.


A Sagração da Primavera, de Stravinsky, estreou neste dia há 100 anos. Foi um escândalo. Deixo o vídeo com a reconstituição da coreografia original,de Nijinsky.



este texto merece ser estudado na academia.


A. Marinho e Pinto diz que se lembra do momento em que nasceu. Não sei se um tal testemunho passaria em tribunal (ou se serviria para abrir outro processo por falso testemunho).
Tirando isso, este texto merecia ser estudado na Academia. Na Academia de Platão, claro. Porque o grau de inteligência científica que contém só mereceria estudo no tempo de Platão.

(Cheguei a esta pérola por via da Shyznogud.)

28.5.13

Prémio Científico IBM 2012. (gente da casa).


O prémio IBM de Ciência 2012 foi atribuído à estudante de doutoramento Pinar Oguz Ekim, investigadora do Instituto de Sistemas e Robótiva.

Nos últimos 12 anos é a quarta vez que estudantes de doutoramento orientados por investigadores que integram o ISR foram distinguidos com o Prémio IBM de Ciência:

Prémio IBM 2001: atribuído a João Maciel, orientado pelo Prof. João Paulo Costeira;

Prémio IBM 2002: atribuído a João Xavier, orientado pelo Prof. Victor Barroso;

Prémio IBM 2008: atribuído a Marko Beko, orientado pelo Prof. João Xavier;

Prémio IBM 2012: atribuído a Pinar Oguz Ekim, orientada pelo Prof. João Pedro Gomes e co-orientada pelo Prof. Paulo Oliveira.

(notícia aqui)

27.5.13

Sócrates e a "intertextualidade" no comentário político.


Só hoje vi "a opinião de José Sócrates" (à hora a que passa em Portugal são 5 da manhã em Tóquio). E notei a pequena raiz de uma nova linha. JS usa a "rábula do comentador", que, originalmente, é uma peça dos Gato Fedorento a gozar com os malabarismos de Marcelo acerca do aborto, para tratar de um determinado assunto. Não interessa o assunto; interessa, como digo, a intertextualidade no comentário político: Marcelo foi, assim, subtilmente picado. Fica-se, engole - ou vai imaginar uma resposta tão subtil como a ferroada indirecta?

(Já agora: dos programas de comentário que tenho visto, este programa é aquele em que o/a jornalista salva melhor o seu papel de jornalista, não se deixando ser uma mera jarra. Parabéns a Cristina Esteves.)

23.5.13

a filosofia (Georges Moustaki).

"Nous avons toute la vie pour nous amuser, nous avons toute la mort pour nous reposer."

Repousa, então.



22.5.13

génese.




Nuno Júdice, Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana, 2013.

Passos, o presidente da câmara.



(Uma ilustração de Dali para a Divina Comédia de Dante)


Um dos aspectos criticados no actual modelo de órgãos municipais é que a câmara não é carne nem peixe: é um misto de executivo e de assembleia. É o executivo, claro, mas, sendo formado por representantes da maioria e da oposição, pelos que executam e pelos que se opõem, é ao mesmo tempo uma espécie de assembleia, quando há uma verdadeira assembleia eleita para ser assembleia. Sem querer aqui entrar na questão de saber se isso é bom ou mau, ao nível do município, importa realçar que a actual coligação governante transpôs esse modelo para o plano nacional: o governo deixou de ser o executivo, a quem cabe aplicar o programa que o parlamento deixou que fosse a carta de rumo do país, para passar a ser uma reunião de executivo e oposição. Só falta que o "presidente da câmara de Portugal" retire pelouros aos "vereadores" do CDS. O actual PM tornou-se um presidente de câmara e o seu governo um teatro de tácticas. Com esta inversão institucional, quem será o presidente da junta?

19.5.13

efeitos das mudanças alimentares dos comunistas.


Antigamente eram os comunistas que comiam criancinhas. Agora são os homossexuais. Pelo menos parece ser a tese desta senhora. (Desculpem a publicidade a uma posta idiota ao cúmulo.)

(O Miguel Abrantes diz que a autora é grande repórter do Diário Económico. Não acredito. Deve ser pequena repórter d'O Amigo do Povo.)

17.5.13

olha a grande novidade.


Lobo Xavier diz que PSD e CDS é que forçaram intervenção da "troika".

Passo a citar, para memória futura:

«Na quinta-feira, no programa "Quadratura do Círculo", na SIC Notícias , o histórico do CDS disse que foram os partidos que agora integram a coligação governamental que forçaram a entrada das três instituições em Portugal com o objectivo de pressionar o Governo da altura, ou seja, o de José Sócrates.
Pacheco Pereira realça que este "formato foi desejado como instrumento de pressão externa para a política interna", considerando que "houve alguém que desejou e que o utilizou de forma teórica e política".
Nesta debate, tanto Pacheco Pereira como Lobo Xavier chamaram ao primeiro-ministro "aprendiz de feiticeiro".»

Estamos fartinhos de saber. Mas convém registar as devidas confissões para a acta.

16.5.13

arrancar olhos.


“Os alunos não devem ter nenhum contacto com esta Constituição”, diz Fernando Negrão.

Para certas pessoas, a cidadania é um jardim onde só cabem os que concordam com as suas ideias.
Num certo sentido, isso pode estar certo: eu não me considero concidadão de quem defenda e queira aplicar métodos totalitários, de quem proclame e pratique o desrespeito pelos direitos humanos, de quem negue a cidadania aos demais. Portanto, eu admito que seja saudável acantonar certas ideias num quarto escuro - se as ideias forem suficientemente más para serem claramente perigosas para a vida em comum.
O problema não está, portanto, em que um democrata defenda que nem todas as ideias são recomendáveis. O problema está no grau de grandeza ou de mesquinhez com que se pratica essa possibilidade. Defender, numa democracia onde a Constituição é aprovada por pelo menos dois terços dos deputados eleitos livremente pelo povo, numa assembleia com poderes constituintes, que o conhecimento da Constituição em vigor pode fazer mal às cabeças dos estudantes, apenas porque essa "tese" parece convir politicamente, de momento, à luta política corrente, demonstra coisas muito graves. Demonstra que há demasiada falta de sentido de Estado, demasiada falta de sentido do longo prazo, demasiada concentração na pequena refrega momentânea, demasiada táctica a matar qualquer viagem em mar aberto.

Fernando Negrão, que não é nenhum tolo, talvez consciente da enormidade de querer esconder a Constituição dos alunos, tenta dar uma aparência civilizada ao seu papel no assunto. Assim, embora dizendo que “os alunos não devem ter nenhum contacto com esta Constituição”, encontra uma alternativa: os alunos poderiam ter contacto com “conteúdos de direito constitucional” que não estejam vinculados a ideais “de direita, nem de esquerda”. Quer dizer: falem lá de ideias constitucionais aos alunos, mas poupem-nos à Constituição da República Portuguesa. Mesmo que a Constituição fosse assim tão de esquerda, não há nunca razão para esconder aos alunos o que temos. Dentro do princípio, claro, de podermos discordar do que temos. Fazer de conta que não existe o que existe é, sempre, uma tolice. Além disso, Negrão deveria explicar o que é isso de esta Constituição ser de esquerda, designadamente do ponto de vista do seu partido, que sempre votou a favor da Constituição desta república em todas as suas versões. Contrariamente aos que "desculpam" Negrão por ele querer esconder a Constituição mas deixar que os alunos sejam expostos "conteúdos de direito constitucional", eu acho esta posição ainda mais grave. Uma hipocrisia. Tratar assuntos sérios de cidadania guiado por tacticismos partidários.

15.5.13

o milagre de Cavaco.


Cavaco afirma que a sétima avaliação da troika é “inspiração de Nossa Senhora de Fátima”.

Cavaco está a apostar no nicho de eleitores que confundem a Nossa Senhora de Fátima com Christine Lagarde, a directora-geral do FMI.

14.5.13

Hatsune Miku, a cantora virtual japonesa.


Logo no primeiro fim-de-semana em Tóquio, em visita ao Museu Mori, vimos um "espectáculo" de Hatsune Miku, que estava lá montado pela empresa que a comercializa, a Crypton Future Media. Hoje, na universidade, o Prof. K.I., em vista da conversa que estávamos a ter sobre os interesses comuns, sugeriu-me que desse uma espreitadela no projecto. Assim para começar, podem ver também um cheirinho, nesta rubrica de um canal de televisão brasileiro.




11.5.13

uma espécie de fábula sem graça nenhuma.


O autocarro, apesar de ter já alguma idade, estava em razoável estado de conservação, mas seguia carregadinho de passageiros, a subida era longa e bastante inclinada, estava vento e aquele troço do caminho de montanha não estava em bom estado. A dado momento, o motorista parou a máquina, levantou-se e virou-se para os passageiros, passando a anunciar: “Isto assim não sobe. Alguns terão que sair e empurrar.” O dia estava bonito, havia muitos jovens com o sangue na guelra entre os viajantes, vários se ofereceram logo para a tarefa. Com o motor de novo em funcionamento, os primeiros voluntários esforçaram-se com vigor, mas sem resultado: o autocarro subia demasiado lentamente. O motorista apelou à colaboração de mais passageiros, o que permitiria, de um só golpe, ter menos peso dentro do veículo e mais força braçal a acrescentar energia para a subida. O lote dos jovens já estava todo em uso, avançaram os de meia-idade. Só homens; as senhoras ficavam sentadas e faziam-se levezinhas interiormente, numa tentativa metafísica de colaborar com o músculo dos cavalheiros. O autocarro subiu mais um pouco, ainda lentamente, mas o reforço não parecia suficiente: prometia não chegar ao destino naquele estado. Após mais um apelo do motorista, com muitos protestos exaltados pelo meio (todos os passageiros tinham pago o seu bilhete a tempo e horas, não para empurrarem o carro, mas para seguirem sentados no mesmo), acabaram por sair todos, até os mais velhos, homens e mulheres, empurrando os que tinham alguma reserva de forças e os demais simplesmente seguindo a pé. O certo é que, resmungando ou não, estava tudo apeado, apesar de ter pago o preço exigido pelo bilhete (foi a companhia de transporte que formou o preço, não foram os passageiros) e aquele passeio estava muito diferente do previsto e do prometido. A maioria, mesmo assim, fazia cara alegre e pensava que, quando chegassem ao topo, poderiam voltar a montar no autocarro e gozar a paisagem da descida. Não foi isso que aconteceu. Chegados ao cimo, o motorista anunciou: “Estão com sorte, não vão ter de empurrar mais. O autocarro segue vazio, porque está visto que não tem força para levar os senhores passageiros. Espero que não demorem muito a descer a montanha. Lá em baixo há uma estação de comboio, aproveitem para se dirigirem para vossas casas. Às vossas custas, claro.”

(Leia-se este texto como antevisão do que a nossa “classe dirigente” espera fazer aos que foram apeados do autocarro com o argumento da crise – quando a crise passar e “eles” começarem de novo a fazer dinheiro. Vamos ver a quem aproveitam os sacrifícios.)


9.5.13

cimeira de geminóides.


O Prof. Hiroshi Ishiguro está muito interessado nos robôs humanóides e uma das suas linhas de trabalho com mais impacto são os "geminóides". Os geminóides são andróides que se assemelham visualmente a algum humano concreto. Em particular, há um geminóide do próprio Ishiguro. Os geminóides são tele-operados e são movidos por actuadores pneumáticos, e não por motores eléctricos, o que causa alguns problemas (por exemplo, parte dessa maquinaria não cabe dentro do robô, especialmente o compressor). O vídeo que vos deixo mostra um encontro de três geminóides com os seus três modelos humanos.

Gostaria de ver um gémeo robô de si própri@, leit@r, andar por aí?