28.3.13

três palavras sobre o regresso de Sócrates.


Muito haveria a dizer sobre a entrevista de Sócrates ontem na RTP. Para não chover no molhado, destacarei da minha leitura apenas três pontos. Oxalá a paciência do leitor chegue para tanto.

1. Sócrates, na sua missão (oportuníssima) de desmontar a narrativa única, ajuda a clarificar o calendário da sua governação e, do mesmo passo, o calendário da crise. O conjunto dos seus governos teve três fases. Na primeira fase, entre 2005 e 2008, antes da crise internacional desencadeada pelos crimes cometidos no Lehman Brothers, o governo do PS foi dos mais bem sucedidos em democracia quanto à combinação de crescimento, reformismo e contenção orçamental: o mais baixo défice orçamental do regime democrático (a partir da situação catastrófica deixada pelo PSD) e os resultados, excelentes, hoje traduzidos claramente nos indicadores internacionais, por exemplo em sectores como a educação e a energia. Na segunda fase, a crise internacional atacou forte e toda a Europa decidiu gastar gastar gastar para aguentar o barco pela via da procura interna; Portugal fez o mesmo, enquanto a oposição dizia que era tudo culpa de Sócrates. Manuela Ferreira Leite, por exemplo, então líder do PSD, dizia que a crise internacional era apenas uma constipação. Passado um ano, e aí entra a terceira fase, a Europa muda de agulha e a crise muda de natureza: entramos progressivamente na crise das dívidas soberanas, agora mais centrada na Europa. Esta é a fase que culmina com o drama do PEC IV. É nesta fase que a explicação de Sócrates é menos clara. Por quê?

A razão pela qual o drama do PEC IV continua mal explicado é, a meu ver, a seguinte situação com vários vectores. Em primeiro lugar, como Sócrates ontem começou a desvendar, as instituições da República viviam uma situação anómala: o Presidente da República era um conspirador activo contra o governo. Além de nos ter caído o mundo em cima, o governo tinha de se defender de quem devia ser o seu principal aliado: o PR. Essa é a verdadeira explicação para Sócrates não ter dado conhecimento antecipado a Cavaco Silva do PEC IV: o governo sabia que Cavaco iria aproveitar qualquer informação privilegiada, não para ajudar, mas para tentar enterrar ainda mais depressa o governo. Em segundo lugar, a Europa estava (como ainda hoje, no essencial) sem saber muito bem como lidar com a crise. Às apalpadelas. O que Sócrates conseguiu no Conselho Europeu foi convencer os seus pares, que estavam inclinados a entregar-nos ao FMI, de que seria melhor, com o apoio do Banco Central Europeu, evitar esse passo. Com o projecto de PEC IV, Sócrates convenceu a própria Merkel a aderir a esta tese. Em terceiro lugar, essa estratégia foi derrotada pela pressa do PSD em provocar uma crise para ir para o governo (lembrem-se de que o PSD mentiu descaradamente, nessa altura, dizendo que só tinha sido informado do assunto pelo telefone, quando na véspera Passos Coelho tinha passado horas a discutir isso mesmo com Sócrates).

Posto isto, algo, neste ponto, continua mal explicado por Sócrates: Sócrates acredita demasiado na bondade do PEC IV e na bondade da “Europa”. O PEC IV era uma fase ainda benigna de uma estratégia europeia errada e insuficiente. Portugal não tinha outra opção que não fosse tentar o maior apoio possível da Europa, quanto mais não fosse tentando ganhar tempo – daí a inteligência do PEC IV, daí a gravidade de o ter chumbado. Mas, e tem faltado coragem para dizer isso aos portugueses, Portugal não pode tentar afrontar sozinho o mundo: Portugal tem, de facto, necessidade de mostrar que está a fazer o seu melhor para ultrapassar as dificuldades. Isso não chega, mas isso é indispensável. As oposições não podem ignorar isso: não o deviam ter ignorado no tempo de Sócrates, não podem ignorá-lo hoje. Infelizmente, enquanto Sócrates se bateu para responder a gregos e a troianos (satisfazer a Europa com o menor sangue possível para os portugueses), este governo quer fazer o máximo possível de sangue (“ir além da troika”) por ideologia e por desprezo pela realidade que vivemos quotidianamente fora dos palácios governamentais. O PEC IV podia não ter resolvido os nossos problemas, mas era a única via (estreita) para tentar uma saída. Estaríamos como Espanha ou como a Itália, não estaríamos em soberania limitada: mas não se pode ignorar que os sacrifícios seriam, mesmo assim, muitos, porque a estratégia da Europa, tendo melhorado, continua deficiente. Uma das minhas críticas à entrevista de Sócrates ontem foi não ter conseguido explicar isto com a devida clareza, deixando no ar uma crítica à austeridade que não se percebe bem a colocar nesta perspectiva.

2. Num ponto, Sócrates reconheceu um erro fulcral da sua estratégia política, mas não foi até ao fim no que há a dizer sobre isso. Reconheceu ter sido um erro ter formado um governo minoritário no seu segundo mandato. Nunca é tarde para reconhecer um erro crasso. Mas deu uma desculpa esfarrapada para isso: parece que ainda não tinha percebido bem a gravidade da crise. Ora, aí é pior a emenda do que o soneto: ele era quem mais tinha obrigação de perceber o que estava a acontecer no mundo. E os seus apoiantes andavam há meses a desmontar a tese da direita segundo a qual a crise seria apenas uma constipação. Até eu, longe de qualquer centro de poder, escrevi nessa altura que esse erro se pagaria caro. Ele não poderia ter falhado aí: bastava ter-se lembrado de Guterres. Se calhar confiou demais em si próprio, o que também é criticável. De qualquer modo, para escrever a história desta questão, espero que algum dia seja contado como outros partidos foram convidados a coligar-se com o PS no governo e se escusaram. Justiça estará por fazer enquanto essas facturas não forem apresentadas preto no branco ao povo português, que tem o direito de saber quem, criticando, fugiu com o rabo à seringa no momento da verdade.

3. Finalmente, há um ponto decisivo no qual a entrevista de Sócrates ontem me pareceu claramente insuficiente. A governação de Sócrates falhou redondamente num plano essencial para qualquer resposta política aos desafios de uma sociedade, especialmente se essa resposta pretende ser de esquerda: a mobilização de um bloco social de apoio às grandes linhas da governação. E Sócrates parece não se aperceber de que isso seja um problema.

Claro, dirão muitos, imediatamente: o governo teve de enfrentar muitos interesses instalados; a conflitualidade social resultou da tentativa de bloquear as reformas; houve uma aliança objectiva entre a esquerda e a direita para mobilizar o país contra mudanças essenciais. Tudo isso pode ser verdade. Aliás, em certa medida tudo isso é verdade. Contudo, mesmo sendo isso verdade, toda essa verdade só torna mais evidente um facto: os governos de Sócrates não souberam lidar com isso. As culpas estão mais do seu lado ou mais do lado de outros parceiros? É discutível. Mas é indiscutível que esses governos do PS não souberam encontrar a boa equação para esse problema – e é preciso tentar perceber isso, coisa que não parece interessar muito a Sócrates.

Ora, nem tudo foi igual. Por exemplo, a reforma mais duradoura, mais profunda e, provavelmente, a de consequências mais graves para a generalidade dos portugueses, foi a reforma da segurança social, levada a cabo por Vieira da Silva num clima tenso mas, dadas as circunstâncias, de notável controlo da conflitualidade potencial associada. Já Maria de Lurdes Rodrigues, uma ministra da educação com uma visão claríssima do que o país precisa, com uma visão claramente de esquerda na defesa da escola pública e com um enfoque muito objectivo na qualidade e na exigência, que obteve resultados que os números das instâncias internacionais espelham continuamente, foi, no entanto, incapaz de montar uma estratégia eficaz para lidar com os professores e os sindicatos. Como escrevi na altura (eu que defendi a ministra publicamente até ao ponto de ter tido na altura os meus momentos mais complicados como blogger), a forma atabalhoada como foi gerida a questão dos professores titulares, deixando em muitos dos melhores o amargo de boca de um processo injusto, alienou aqueles que deveriam ter sido os seus principais aliados no resto do processo e quebrou a força moral dos que combatiam justamente pelo futuro das gerações a formar. Toda a gente se lembra das gigantescas manifestações de professores, enquanto a reforma da segurança social se fez sem estragos de maior.

Houve, portanto, erros na percepção do que havia a fazer para manter coeso um bloco social de apoio às políticas do governo. Que Sócrates continue a não perceber que isso foi um problema, é pena e é grave. A menos que se queira cair na conversa cavaquista das forças de bloqueio e se alinhe na retórica anti-sindical, é preciso ir mais fundo na compreensão do problema.

Dito tudo isto, tomara Portugal poder contar com muitos políticos com a preparação, a força e o patriotismo de José Sócrates. Fazem-nos tanta falta políticos desses como não nos fazem falta nenhuma quaisquer excessos de sebastianismo positivo ou negativo.



27.3.13

imaginação política é isto.


JSD vai à sede da RTP entregar factura a José Sócrates.

Imaginação é isto: quem está no poder é que faz "grandoladas" aos outros (mas sem Grândola, neste caso). É, aliás, coerente: as "esperas" a dirigentes políticos começaram tendo como alvo membros do anterior governo do PS, quando até reuniões partidárias eram assaltadas por "populares assanhados". Há quem consiga estar sempre na oposição, mesmo quando está no governo (e não é só Paulo Portas, pelos vistos). Espero que a JSD leve também a factura da crise política que assanhou definitivamente "os mercados" e acabou de vez com qualquer possibilidade de escapar à troika. Ou estes não passam factura?

saltar o muro da vergonha.


No dia em que um judeu ou uma judia, que escreve e fala publicamente como tal, colocar um ex-primeiro-ministro do Portugal democrático no mesmo plano de um Hitler para desenhar um "argumento político", esse judeu ou judia passou a estar ao nível de qualquer fascistóide de pacotilha. Já aconteceu a alguns. É este o caso.

26.3.13

foi por isto que Juncker deixou de ser presidente do eurogrupo?


Nuno Teles:
O resgate a Chipre está a ser vendido como o castigo europeu a um paraíso fiscal no seio da zona euro. Luxemburgo (banca com balanços 23 vezes o seu PIB) e Malta (banca com balanços 8 vezes o seu PIB) são os próximos?

No Ladrões de Bicicletas.

estórias de heróis que viram o monstro e sobreviveram para contar.


À falta de melhor, temos a nova indústria dos contadores das estórias fantásticas com este argumento-tipo: "eu vi o monstro, estive a dois passos dele, ele ainda tentou deitar-me a gadunha, mas eu, lesto, safei-me".


Ilustração de Maurice Sendak, Where the Wild Things Are

os efeitos da saída do euro sobre a esquerda económica.


Um dos factos interessantes dos últimos anos da política e da cultura portuguesas consiste no surgimento de um grupo, sólido embora plural, interveniente e ouvido, de economistas de uma esquerda alternativa que colocam muitos pauzinhos na engrenagem do discurso oficialista e cordeirinho acerca do que está certo e errado na economia-realidade e na economia-ciência. Outro facto, lateral mas também interessante, é que esse arquipélago de economistas de esquerda, que tem algumas das suas ilhas mais relevantes no blogue Ladrões de Bicicletas, "invade" quer o espaço do Partido Socialista, quer o espaço do Bloco de Esquerda, alargando-se ainda para espaços mais excêntricos ao sistema político-partidário, como seja um grupo importante de intelectuais católicos que são bem simbolizados por Manuela Silva. Nessas condições, este arquipélago poderia (poderá ainda?) ter consequências políticas relevantes, sem requerer nenhuma espécie de jogo partidário, apenas pela força das ideias partilhadas.

Dizer isto não implica concordar sempre com o que dizem esses (ou alguns desses) economistas de esquerda alternativa. Um dos aspectos em que mais discordo deles é na questão do euro. Passam de um ponto relativamente consensual (o euro foi desenhado de modo que favorece os fortes e entala os fracos) para uma conclusão arriscada: o melhor é sair do euro. Assim cometem o erro capital de outros economistas a que se opõem: desligam o argumento económico do argumento político. Que a desagregação do euro possa arrastar a desagregação da própria União Europeia, com consequências incalculáveis, não parece ser coisa que lhes passe pela cabeça - ou, então, que os preocupe. Estão, alguns deles, assim, no caldo de cultura anti-europeu que alimenta desde sempre uma certa esquerda da esquerda.

Isto quer dizer que não se reconhecem erros enormes na orientação política da Europa? Não quer dizer nada disso. Só que a Europa tem a orientação política que os seus cidadãos lhe dão. Votando, pois. O euro foi criado desta maneira e não doutra - por obra e graça do Espírito Santo? Não; o euro foi criado assim porque Delors fez um pacote de propostas e os governos europeus aceitaram parte do pacote e deitaram outras partes para o lixo. Agora, saímos de uma comunidade política quando discordamos das decisões da maioria? Um país sai da UE por estar contra a maioria que a governa? Os Açores devem abandonar Portugal por terem um governo que discorda das políticas da República? O Algarve deve pedir a independência quando se sinta injustiçado pelo governo central? Não me parece que isso seja forma de resolver os problemas. E está por demonstrar que a "jangada de pedra" separada do resto do continente seja mais viável do que integrada na Europa.

Um ponto interessante deste debate é, já há largos meses, a posição de Francisco Louçã contra a saída do euro, pelo menos na forma em que ela seria possível nas actuais circunstâncias. Já o livro A Dívidadura, editado a quatro mãos com Mariana Mortágua, era muito esclarecedor nesse ponto. Agora, Louçã volta ao tema (vejam o ponto 4 neste texto: Os defensores da saída do euro têm uma boa razão para refletir). O ponto, que Louçã explica muito melhor no livro do que no post, é que ficaríamos ainda mais pobres com a saída do euro do que estamos agora. Entretanto, alguns dos membros mais relevantes da tal novíssima esquerda económica, ficaram escaldados com a posição de Louçã e reagem. Isso é bom para o debate - mas também mostra as dificuldades essenciais que existem para um entendimento entre o PS e a esquerda da esquerda para qualquer governação viável do nosso país.

Nesse aspecto, Louçã é, como se sabe, muito mais político e, como bom trotskista, pensa no futuro: pensa no que o futuro pensará da sua acção política. E sabe que, se um dia Portugal tiver de sair do euro, a desgraça social vai ser tanta que a factura a pagar pelos que tenham defendido essa solução será uma factura abrasadora. Nessa altura, o resto da esquerda económica que anda por aí a defender a saída do euro terá de emigrar para as Berlengas, sob pena de lhes cantarem a Grândola à porta do quarto de dormir. E de essa grandolada ser mais violenta do que as dirigidas a Relvas. Louçã, que não deixa a sua ciência económica perder o tino da vida política real, estará a salvo dessa enorme vassourada à esquerda económica. Infelizmente, se sairmos do euro ficaremos com pouco fôlego para apreciarmos devidamente as consequências da imprudência política dessa esquerda novíssima que não será eterna se a realidade seguir os seus conselhos.

um resumo sobre Chipre.


Sabemos que há certos assuntos que são difíceis de seguir se não passarmos o dia a ler a imprensa internacional. Quando o assunto é mesmo importante, temos de nos agarrar a quem sabe e sabe dizer as coisas sem rodriguinhos. Para estes assuntos de finança global, entre os meus amigos não encontro melhor do que Jorge Nascimento Rodrigues, que, tendo opinião, nunca a mistura com informação. Por isso deixo aqui o que ele deixou ontem à noite na sua página do FB:

Confusão total sobre os "30%" em Chipre -- as TVs repetem até à exaustão, e os comentadores comentam em cima de asneira sobre asneira.

1- O imposto extraordinário sobre os depósitos acima de 100 mil euros é APENAS aplicado no caso dos depositantes do Banco de Chipre; não de todos os bancos que operam em Chipre;

2- O número dos "30%" nesse caso surgiu porque o porta voz do governo referiu que essa era a base que foi falada tendo em conta o acordo do governo com a troika, mas o valor desse imposto vai depender do estudo técnico que vão fazer; na realidade, de momento esses depósitos acima de 100 mil estão pura e simplesmente congelados, à espera da decisão final;

3- No caso do banco Laiki que vai ser liquidado, os depositantes com depósitos acima de 100 mil euros nem vão sofrer imposto nenhum, pois esses montantes acima de 100 mil vão ser considerados tóxicos e vão transitar integralmente para um bad bank onde logo se verá que rendem;

4- A reestruturação e recapitalização é apenas destinada a estes dois bancos, aliás os principais na ilha, não a todos.

E é isto. E depois venham dizer-me que as redes sociais não servem para nada. Para pouco servem muitos jornais que por aí andam.

25.3.13

afinal, a sra. Merkel é comunista?


A senhora Merkel descobriu agora que "os bancos é que devem pagar a crise". Magnífico. Pena só ter descoberto isso depois de ter posto os bancos alemães a salvo, quando os outros fogos (designadamente o grego) começaram a arder.
Entretanto, a senhora Merkel, mais os "líderes" europeus que inventaram esta "solução" cipriota, concretizam aquela ideia de "os bancos que paguem a crise" desta maneira: metendo accionistas dos bancos, grandes "investidores" especulativos E DEPOSITANTES no mesmo saco. Sim, começaram por querer taxar toda a gente, depois deixaram os depósitos até cem mil euros de fora, mas, mesmo assim, há uma diferença entre, por um lado, um depositante com 200 ou 300 ou 400 mil euros e, por outro lado, um profissional da especulação em larga escala. Meter tudo no mesmo saco é uma espécie de "os ricos que paguem a crise" destinado a mascarar os seus verdadeiros interesses em toda esta história. Será que "afundar" a ilha faz parte do plano para "comprar" mais facilmente umas reservas de gás e petróleo que podem valer uma grossa fatia das necessidades de toda a União Europeia? Ou "afundar" a ilha é apenas uma tolice que vai fazer com que a Europa fique a ver navios quando chegar a hora de partilhar as vantagens desses recursos naturais, como se defende aqui? De qualquer dos modos, Merkel numa coisa é muito parecida com Barroso: ambos estão sempre em campanha eleitoral, pelo que cometem sistematicamente todos os erros que servem para piscar o olho ao eleitorado no momento.

o CDS sabe pedir.



O grande título de hoje do Público é, outra vez, sobre a biografia de um partido que gostaria de ser o que não é e de parecer o que ninguém o deixa ser.

Há uma alínea do acordo de coligação entre PSD e CDS que reza assim: "O PSD tem de arranjar maneira de dar satisfação a alguns divertimentos do CDS que resultem da necessidade de este partido fazer de conta que tem uma valia própria no seio do governo." Esta clásula, se não existe preto no branco, deve existir em algum acordo de cavalheiros. E o CDS exercita essa faculdade com absoluta falta de pudor: tem os seus ministros no governo, onde se aprovam as políticas, mas vai para o Largo do Caldas dizer que o governo devia ir por acolá e não por acoli. E diz isso no Largo do Caldas na presença dos seus ministros e secretários de Estado - que, claro, podiam tratar de dizer isso mesmo no próprio governo.

Desta vez, parece que pedem a remoção de dois ministros: Relvas e Álvaro. Parece que Relvas coordena pouco. É mentira: ele coordena mais do que ninguém. Há mesmo quem diga que, querendo que alguma coisa "de todos os dias" se decida no governo, é preciso ligar a Relvas para desempatar. Relvas tornou-se foi inconveniente, porque está demasiado à vontade a fazer aquilo que todos os outros membros do governo querem que ele faça. Tornou-se inconveniente porque derrama o chá, mostrando que está pouco habituado a chá. Por outro lado, parece que Álvaro não trata da economia. Não trata ele nem tratará nenhum que Gaspar, assessorado por Passos, trate de minimizar à partida. Gaspar e Passos cedo trataram de explicar ao mundo que Álvaro não mandava nada e ainda era gozado por cima (lembram-se do episódio "qual foi a parte que não percebeu" soprado cá para fora?). Enquanto isso for assim, Álvaro 1 ou Álvaro 2, tanto faz. Em resumo: o que o CDS "pediu" é nada. E, decerto, como é nada, vai tê-lo. Trata-se, mão que pede e mão que dá, de "uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma".

E, quem sabe, agora que o PS anunciou uma moção de censura para depois da Páscoa, talvez o pedido do CDS até venha a calhar para fazer uma remodelação que atrapalhe um pouco a moção do PS. Como se a moção de censura pudesse ser respondida por nada ou coisa nenhuma.

(O assunto do salário mínimo é diferente: o CDS, por incrível que pareça, é menos ideológico do que o PSD; por isso, sabendo que isso só custa dinheiro aos privados, e não acreditando que menos uns euros em cada ordenado muito baixo faça qualquer diferença à competitividade, não vê razão para esta batalha e quer virar a página. O CDS, aliás, já tinha mostrado essa inteligência quando estava na oposição.)

24.3.13

a imaginação dos esclavagistas.



Certo, a notícia não é nova, mas desculpem-me se já a conheciam.
O caso é este. Há jogos em linha, na internet, envolvendo muita gente à volta do mundo. Por exemplo, variantes múltiplas de algum tipo de jogo de guerra. Esses jogos muitas vezes envolvem a necessidade de conseguir certos "bens virtuais" para se atingirem certos objectivos, como subir de nível. Em alguns casos, um jogador pode comprar esses "bens" a outros jogadores. Então, se isso pode ser um jogo, também pode ser... um trabalho. E, mais, pode ser... uma forma de escravatura moderna. Relatado pelo The Guardian: na China, alguns prisioneiros são obrigados a jogar intensamente para acumular "ouro virtual", que depois é vendido a outros jogadores, em troca de dinheiro real - que, claro, não vai para os prisioneiros-jogadores, mas para os seus exploradores corruptos.

(notícia original no The Guardian)

23.3.13

o Papa Francisco e a ditadura argentina.


Como é sabido de quem vai acompanhando o que escrevo, não sou crente, nem enquadrado em qualquer religião, nem sou religioso por conta própria, mas interesso-me pelas questões da presença da religião na sociedade. Interesso-me, em particular, pelo catolicismo, dada a sua dominância na nossa região cultural. O novo Papa interessou-me, pois.
Logo após o primeiro aparecimento público do Papa Francisco manifestei o meu agrado pela sua simplicidade e pelo possível significado de ele falar sempre como "mero" bispo de Roma, descartando qualquer atitude mais imperial. Logo a começar, também, outros vieram logo com a tese de que o cardeal Bergoglio tinha as mãos sujas do tempo da ditadura argentina. Numa rápida investigação imediata conclui que essa questão tinha sido suscitada sem que, alguma vez, algo de concreto tivesse sido evidenciado contra ele. Os que nunca passaram pelas dores de uma ditadura, nunca tendo tido oportunidade de mostrar a sua clarividência e coragem, são muitas vezes demasiado expeditos a julgar os que passaram por tal situação, sendo que estes, por vezes, não encontram a melhor solução para cada momento. Aquela dúvida sobre o passado de Francisco era, portanto, apesar de parecer claro que não havia ali mãos sujas, uma dúvida que queria ver melhor esclarecida.
Pensando que talvez outros que por aqui passam tenham o mesmo interesse, deixo um excerto das declarações de Leonardo Boff, um teólogo brasileiro que personifica exemplarmente as correntes mais progressistas do catolicismo, tendo pago caro por essa condição face à intolerância dos mais conservadores na hierarquia. É, pois, a meu ver, insuspeito nesta questão.

Inter Press Servia: Na Argentina, a eleição de Bergoglio foi criticada por sua suposta cumplicidade no sequestro de dois sacerdotes jesuítas durante a ditadura.

Leonardo Boff: Sei que, em geral, a Igreja argentina não foi profética em denunciar o terrorismo de Estado. Apesar disto, houve bispos como (Enrique) Angelleli, que morreu de maneira terrível, (Jorge) Novak, (Jaime) De Nevares e Jerónimo Podestá, entre outros, que claramente foram críticos. Com referência a Bergoglio, prefiro acreditar em Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, e na ex-integrante da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Graciela Fernández Meijide), que qualificam essa acusação de calúnia. Não encontraram nem uma vez o nome de Bergoglio em documentos ou denúncias. Pelo contrário, salvou muitas pessoas escondendo-as no Colégio Máximo de San Miguel. Além disso, vai contra seu caráter já conhecido, de homem forte e também terno, pobre e que continuamente denuncia as injustiças sociais existentes na Argentina e a necessidade de justiça e não de filantropia. Por fim, o que interessa não é Bergoglio e seu passado, mas Francisco e seu futuro.

IPS: Por que o senhor passou por alto neste tema em suas declarações iniciais?

LB: É um assunto polêmico e se deve conhecê-lo bem. As versões são contraditórias. Não falo de coisas sobre as quais não tenho clareza. E me pergunto: qual é o interesse de alguns grupos em levantar esta questão e não discutir a grave crise da Igreja e seu sentido diante da crise da humanidade. Talvez, isto eu concebo, poderia ter sido mais profético, como foram no Brasil o bispo Hélder Câmara e o cardeal Paulo Evaristo Arns. Mas aqui o Estado é laico e separado da Igreja. Na Argentina, o catolicismo é a religião do Estado, o que dificultou, mas não impediu, que houvesse resistência e denúncias de uma parte da Igreja.

IPS: Omissão não é pecado?

LB: A questão não é responder se é, ou não, pecado. Isto é assunto de religião. A questão é política, e para mim é de que lado está a pessoa: do lado dos pobres, dos que sofrem desigualdades perversas? Ou do statu quo que quer o crescimento ilimitado e uma cultura de consumo? Em 1990, havia 4% de pobres na Argentina. Agora são 33% (segundo dados não oficiais). Bergoglio ficou do lado dessas vítimas e vive cobrando justiça social. Se não entendemos isto, estamos nos desviando do ponto central.

Esta entrevista na íntegra aqui.

22.3.13

o bloco central apresenta o seu programa de governo.


Este é o meu comentário político para os próximos meses. Não me perguntem pelo chumbo do orçamento no Constitucional, nem pela moção de censura do PS, nem pela fórmula governativa que se segue, nem pelo canal estreito entre a Grécia e Chipre. Não me perguntem mais nada, apenas vos deixo com esta antecipação do bloco central a apresentar o seu programa de governo. Ouçam com atenção.




cozido à portuguesa.


O grande problema da política à portuguesa? Toda a gente pensa que os problemas são fáceis de resolver. Por isso, toda a gente acha que faria melhor, "se lá estivesse", do que quem lá está. E é sempre tudo "de caras". Quando digo "toda a gente", não digo só políticos, economistas, filósofos de serviço, comentadores encartados ou improvisados, ou banqueiros; digo, mesmo, toda a gente, incluindo qualquer comentador anónimo de qualquer jornal online. Por que é que isto é um problema? Por, na realidade, não haver problemas simples no mundo de hoje; os problemas políticos são todos complicados e complexos. Logo, estamos a enfrentar isto com a atitude colectiva errada. E, em cada turno (em cada ciclo político) alguém promove a atitude errada, por conveniência de momento, só para apanhar com os estilhaços no turno seguinte.
Se fossemos capazes de perceber que todos os problemas em cima da mesa são difíceis, podiamos agir em conformidade: dar prioridade à necessidade de encontrar os mecanismos para pensar em conjunto. A todos os níveis. Conversar para perceber o problema. Concertar para fazer o levantamento das hipóteses de saída. Negociar para construir uma via de solução, de preferência pouco a pouco e com monitorização constante de que cada um está a fazer a sua parte e de que estamos a obter os resultados pretendidos. E, obviamente, dividindo o esforço e divindo os benefícios. E preservando sempre o rosto e a palavra do outro, por mais que discordemos dele. Porque o adversário é o melhor aliado se temos de viver juntos.
Em suma: uma democracia para os nossos tempos. Coisa tão simples de dizer e, aparentemente, tão impossível de fazer. Será que as democracias só se regeneram pela ditadura ou pela guerra?

21.3.13

De repente somos todos cipriotas?


Chipre recusou o ultimato da “Europa” e nenhum deputado votou a favor de talhar os depósitos. E o povo aplaudiu. O povo cipriota e o povo que está farto desta democracia musculada à europeia onde alguns são senhores e outros são servos. As autoridades da ilha começaram a mexer-se para tentar encontrar uma alternativa, sendo que uma das tentativas passou por seguir os passos do anterior presidente comunista rumo a Moscovo. De momento, não parece ter dado grande resultado, mas as diferentes forças políticas ainda tentam alguma coisa que trave a guilhotina, guilhotina que só está suspensa pelos feriados bancários que mantêm fechado à chave o que há-de voar proximamente para bem longe. Terá saído dessa concertação interpartidária este “Fundo de Investimento de Solidariedade” que, embora não se saiba ainda muito bem como, se destina a reunir internamente os montantes necessários a coadjuvar o resgate internacional. Quer dizer: o que faz de Chipre o herói de quem sonha com a resistência improvável é o bater o pé e juntar ideias de forças diferentes para tentar uma escapatória ao destino.
Foi isso precisamente que foi negado a Portugal, quando, estando a Europa disposta a tentar a quadratura do círculo para evitar a troika ao nosso país, Passos Coelho, por interesses estritamente partidários, decidido a apressar a hora de “ir ao pote” (expressão sua) e reuniu uma coligação da direita da direita com a esquerda da esquerda para abrir uma crise política e tornar inevitável o “resgate”. Deve ser a isso que se referem os que falam das responsabilidades de quem nos trouxe até aqui.
Não, de repente não somos todos cipriotas. Já tivemos um momento para o sermos, mas passámos ao lado.

até já há uma petição.


José Sócrates será comentador na RTP.


Por acaso, eu até acho uma estupidez que um ex-PM, cujo "julgamento pela história" está longe de estar feito, se apresente ao país como comentador político. Mostra que a ideia de "sirvo na minha vez e depois vou à minha vida" está longe de ser compreendida. Ou, até, aproveitada para felicidade pessoal dos envolvidos.

De qualquer modo, deliro com a quantidade de "brados aos céus" que vão por aí a propósito da notícia. Até já há uma petição contra essa eventualidade, dirigida, em primeiro lugar, aos deputados da Assembleia da República - mostrando o quanto vale para esses peticionários a ideia de que os políticos não têm de interferir na programação. Certo é que muitos pensavam que o homem tinha sido banido e parecem saudosos das fogueiras da inquisição.

Também há quem diga que é capaz de dar um bom comentador: pelo menos não será tão mal informado e tão cabeça no ar como muitos comentadeiros que por aí andam. Mas sempre vale outro lado da questão: pelas reacções que podemos ver "por aí", parece haver pouca gente capaz de ouvir Sócrates; alguns começam logo a praguejar, outros começam logo a babar, nem uns nem outros chegam a ouvir o que ele diz. Neste caso, "o boneco" chega antes das palavras. Esse é, aliás, um sinal da histeria colectiva em que andamos caídos.

Acho que está na hora de olhar para o passado com olhos de ver, ou ainda é cedo?

um robô pode cuidar de nós?


O robô RIBA foi construído para ser capaz de retirar e voltar a colocar uma pessoa numa cama ou numa cadeira de rodas. É suposto servir, assim, para apoiar no cuidado de pessoas doentes ou idosas. Deixo para pensar: que questões éticas levanta o uso deste robô? Podemos ser "cuidados" por máquinas?



20.3.13

é bela, a política, não é?


Tribunal impede Fernando Seara de ser candidato às eleições autárquicas.


O debate autárquico vai ser transferido para os tribunais. A disputa sobre o acesso aos debates televisivos vai ser transferida para a disputa sobre o acesso à barra do tribunal. O debate "constitucional" é vendido como uma diferença entre "de" e "da" (presidente "de" câmara ou presidente "da" câmara), como se a política nacional se decidisse nos revisores linguísticos da Imprensa Nacional. Os dinossáurios argumentam que têm o direito inalienável de fugir da sua sorte cósmica migrando para outra câmara, já que, como gostariam de ter podido fazer os genuínos dinossáurios, não podem candidatar-se noutro planeta. E, entretanto, esquecem que talvez as pessos pensem mais na "moral" de haver autarcas eternos do que no direito que eles têm de se eternizar. Nesta peça, aplaudo a figura do PS, que decidiu não incorrer nesta tentação - e, se me desgosta a atitude do PSD, que abusou dos dinossáurios emigrantes, ela não chega a ser tão má como a do CDS (que "modulou" a sua posição para facilitar a coligação em Lisboa) ou a do PCP (que decidiu apanhar a boleia da direita no que toca a legalismo e falta de apreço pela matéria política substantiva de sermos ou não a favor da renovação dos eleitos).

Enfim, vai bonito o enterro. Nem as flores disfarçam o odor.

19.3.13

Chipre.


Chipre provocou alguns fenómenos curiosos.
Um deles é, sem dúvida, que aqueles que tanto bramam contra os bancos, como se não houvesse mal algum em que eles tombem, parecendo por vezes preferir que as autoridades públicas não se incomodem com a sua saúde, de repente se preocupem com a confiança: criticam as decisões em Chipre por elas minarem a confiança nos bancos. Excelente: perceberam de repente que os bancos têm uma função no mundo em que vivemos, porque seria muito pouco prático, com as casas pequenas, andar a reservar colchões para esconder o pecúlio. E, tal como as coisas estão, uma pequena retaguarda, sendo possível, é conveniente para não estarmos sempre à mercê da intempérie.
Outro fenómeno inédito é a extremosa preocupação com as "poupanças" dos oligarcas russos e outros "pequenos e honestos aforradores" que se abrigaram à pequena ilha, talvez pelo clima. Os grandes bandidos têm, hoje, a habilidade de se esconderem nas costas de gente comum para protegerem os seus interesses - e nós, sempre que confundimos as situações, ajudamos essa habilidade. Afinal, andamos a gritar contra os abusos da globalização financeira, do capital sem pátria e do dinheiro sujo, mas alinhamos na discordância contra qualquer acto que contrarie esses abusos.
É claro que o que se está a passar em Chipre é lamentável a todos os títulos: a soberania parece não valer nada (começam a aplicar-se decisões antes de as mesmas serem legitimadas pelo parlamento); o Eurogrupo toma decisões precipitadas e sem qualquer respeito pelas pessoas que vão sofrer as consequências (cortar em qualquer depósito) e recua em pouco tempo depois da contestação (afinal querem poupar os depósitos até cem mil euros); cria-se a ideia de que na Europa tudo pode ser feito em nome da crise e ninguém está a salvo de coisa nenhuma. Mas, ao mesmo tempo, não podemos tratar situações complexas como se elas fossem simples: o capital, quanto mais sujo mais esperto; certamente não se podia mandar uma carta aos "investidores" tubarões em Chipre a avisar que, se não se acautelassem, poderiam sofrer algumas perdas. Porque, com esse simplismo, escorados na nossa ingenuidade, são sempre os tubarões a levar a melhor. Pena é que, por vezes, o façam com o aplauso do "povo".
O mundo é complexo; fazer de conta que ele é simples não ajuda nem a compreender nem a agir.


ACRESCENTO: Aparentemente, as agências internacionais pertinentes consideram que em Chipre não há branqueamento de capitais. Sendo correcta esta informação, uma parte do que escrevi acima contém sugestões abusivas. De qualquer modo, o capital especulativo que opera a nível internacional pode fazê-lo de forma perfeitamente legal - sem deixar de ser especulativo e sem deixar de causar danos à economia real.

18.3.13

para quem acha que os alemães são sempre os maus da fita.


Para quem acha que os alemães são sempre os maus da fita: no caso de Chipre, a Alemanha queria que tivesse sido respeitada a garantia dos depósitos até 100.000 euros e que o "saque especial" só atingisse os depósitos mais gordos. O governo de Chipre, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu é que decidiram espetar o ferro em toda a gente. O povo de Chipre (mais um, portanto) fica a saber os grandes amigos que tem no seu governo (outro que quer "ir além da troika") e nos dirigentes da Europa.

Conferir aqui: Germany would have protected insured deposits.

16.3.13

Lisbon BIG Apps.


A Câmara Municipal de Lisboa e a Vodafone Portugal (com o apoio da iMatch) lançaram uma iniciativa inovadora dirigida aos developers e start-ups que queiram contribuir para melhorar a vida de quantos se cruzam em Lisboa – o Lisbon BIG Apps.



Clicar na imagem para saber mais.

15.3.13

a eleição de Francisco.


Eleição de Francisco I.

- Isso quer dizer que eu sou o Francisco Zero ?



um pilatos colectivo acampado na maioria.


2013 :
PSD atribui desvio das metas ao facto de o programa inicial estar “mal desenhado”.

2011 :
Catroga reafirma influência positiva do PSD no acordo com a "troika".

Ainda acrescento:
3 de Maio de 2011: «O economista Eduardo Catroga afirmou hoje que a negociação do programa de ajuda externa a Portugal «foi essencialmente influenciada» pelo PSD e resultou em medidas melhores e que vão mais fundo do que o chamado PEC IV.
Numa declaração aos jornalistas, em nome do PSD, Eduardo Catroga considerou que a revisão da trajetória do défice foi uma «grande vitória» dos sociais-democratas.» (daqui)

Vá, agora não sacudam a água do capote.


as mãos sujas.


Passo a citar:
Lembra-se da conferência sobre a reforma do Estado encomendada e paga pelo Governo e apresentada como "da sociedade civil"? E das conclusões, ouviu falar? Não admira; encontrá-las não é fácil. Ignoradas pelos media, não se encontram no site do Governo, apesar das fotos do PM a recebê-las, a 24 de janeiro, das mãos da organizadora, a militante social-democrata Sofia Galvão.

"O PM fez o convite à sociedade civil na pessoa da dra. Sofia Galvão, o Governo pagou mas não quer dizer que as conclusões que saíram da conferência sejam do Governo" - é assim que o gabinete do secretário de Estado adjunto do PM justifica a ausência no site. Portanto, haver um link no Portal do Governo para as conclusões de uma conferência paga por todos nós significaria que as conclusões eram do Governo. Será então que o facto de estas estarem disponíveis no site do PSD significa que são do partido?

Na íntegra aqui.

14.3.13

mensagem a propósito de Francisco.


Mensagem para os meus amigos católicos: olhem que os Papas não fazem milagres !

Mensagem para os meus amigos não católicos: olhem que um homem determinado pode fazer milagres !

fazer uma campanha eleitoral às cavalitas num cadáver.


Vai ser difícil embalsamar o corpo de Chávez, diz Maduro.

“Chegaram os cientistas russos e alemães para embalsamar Chávez e disseram que é muito difícil porque se devia ter começado antes (…) e agora não se pode avançar. Estamos a meio do processo, o processo é complicado, é meu dever avisar-vos”, afirmou Maduro, citado pelo jornal venezuelano El Universal.

É assim que o Público relata a coisa.
Está-se mesmo a ver: enquanto todas as tropelias à Constituição são garantidas pela colocação de homens e mulheres de mão em postos-chave (ou serão "postos-Chávez"?) da estrutura do Estado, guarda-se o corpo do morto para continuar a alimentar o culto e manter a tensão necessária para que não haja debate nenhum até às eleições. Isso faz-se com a promessa (ridícula, já de si) de embalsamar o presidente-comandante. Entretanto, é preciso prever já a possibilidade de, em algum momento, ser preciso mais música para animar a festa. Como fazer? Ressuscitar o homem pode ser difícil. Alternativa: qualquer dia, quando der jeito, "confirma-se" que não vai ser possível embalsamar e, então, tem de ser enterrado. Ora, aí está: funerais de Estado quando der jeito para calar ainda mais a oposição.
Não é inédito: uma campanha eleitoral à custa de um cadáver. Não é inédito mas não deixa de cheirar mal.

8.3.13

mulheres que não pedem licença (12).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

TRÊS TRISTES TIGRES - O mundo a meus pés



mulheres que não pedem licença (11).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Joan Baez - "Do Right Woman, Do Right Man"



mulheres que não pedem licença (10).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Destiny's Child - Independent Women



mulheres que não pedem licença (9).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Team Dresch, "She's Amazing"



mulheres que não pedem licença (8).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Salt-n-Pepa, "None of Your Business"




mulheres que não pedem licença (7).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Carole King, "(You Make Me Feel Like A) Natural Woman"



mulheres que não pedem licença (6).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Aretha Franklin, "Respect"



mulheres que não pedem licença (5).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Bratmobile, "Cool Schmool"



mulheres que não pedem licença (4).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

The Raincoats - Lola


mulheres que não pedem licença (3).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Bikini Kill, "Rebel Girl"



mulheres que não pedem licença (2).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Patti Smith - "Piss Factory"




Sixteen and time to pay off
I got this job in a piss factory inspecting pipe
Forty hours thirty-six dollars a week
But it's a paycheck, Jack.
It's so hot in here, hot like Sahara
You could faint in the heat
But these b_tches are just too lame to understand
Too goddamned grateful to get this job
To know they're getting screwed up the ass
All these women they got no teeth or gum or cranium
And the way they s_ck hot sausage
But me well I wasn't sayin' too much neither
I was moral school girl hard-working asshole
I figured I was speedo motorcycle
I had to earn my dough, had to earn my dough

But no you gotta, you gotta relate, right?
You gotta find the rhythm within
Floor boss slides up to me and he says
"Hey sister, you just movin' too fast,
You screwin' up the quota,
You doin' your piece work too fast,
Now you get off your mustang Sally
You ain't goin' nowhere, you ain't goin' nowhere."
I lay back. I get my nerve up. I take a swig of Romilar
And walk up to hot sh_t Dot Hook and I say
"Hey, hey sister it don't matter
Whether I do labor fast or slow,
There's always more labor after."

She's real Catholic, see.
She fingers her cross and she says
"There's one reason. There's one reason.
You do it my way or I push your face in.
We knee you in the john
If you don't get off your get off your mustang Sally,
If you don't shake it up baby.
" Shake it up, baby. Twist & shout"

Oh that I could will a radio here.
James Brown singing
"I Lost Someone" or the Jesters and the Paragons
And Georgie Woods
The guy with the goods and Guided Missiles ...

But no, I got nothin', no diversion, no window,
Nothing here but a porthole in the plaster, in the plaster,
Where I look down,
Look at Sweet Theresa's convent
All those nurses, all those nuns scattin' 'round
With their bloom hoods like cats in mourning.
Oh to me they, you know,
To me they look pretty damn free down there

Down there not having to press those smooth
Not having to smooth those hands against hot steel
Not having to worry about the inspeed
The dogma of inspeed of labor
They look pretty damn free down there,
And the way they smell, the way they smell
And here I gotta be up here smellin'
Dot Hook's midwife sweat

I would rather smell the way boys smell--
Oh those schoolboys the way their legs
Flap under the desks in study hall
That odor rising, roses and ammonia
And way their d_cks droop like lilacs
Or the way they smell that forbidden acrid smell
But no I got, I got pink clammy lady in my nostril
Her against the wheel me against the wheel
Oh the inspeed-o slow motion inspection is drivin' me insane
In steel next to Dot Hook -- oh we may look the same--

Shoulder to shoulder sweatin' 110 degrees
But I will never faint, I will never faint
They laugh and they expect me to faint
But I will never faint
I refuse to lose, I refuse to fall down
Because you see it's the monotony that's got to me

Every afternoon like the last one
Every afternoon like a rerun next to Dot Hook
And yeah we look the same
Both pumpin' steel, both sweatin'
But you know she got nothin' to hide
And I got something to hide here called desire
I got something to hide here called desire
And I will get out of here--

You know the fiery potion is just about to come
In my nose is the taste of sugar
And I got nothin' to hide here save desire
And I'm gonna go, I'm gonna get out of here
I'm gonna get out of here, I'm gonna get on that train,
I'm gonna go on that train and go to New York City
I'm gonna be somebody,
I'm gonna get on that train, go to New York City,
I'm gonna be so big I'm gonna be a big star
And I will never return,
Never return, no, never return,
To burn out in this piss factory
And I will travel light.
Oh, watch me now.

mulheres que não pedem licença (1).


Hoje, o dia todo, de hora a hora, mulheres. Hinos. Mulheres que são hinos.

Nina Simone, "Four Women".



dia da mulher.


Logo a começar o Dia da Mulher ouvi na TV umas senhoras muito chiques a declararem que o Dia da Mulher não lhes diz nada. E perguntavam "mas não há o Dia do Homem, pois não?".
Pois, eu também anseio pelo dia em que não faça sentido o Dia da Mulher. Mas ainda não chegámos a esse dia - porque, neste mundo em que vivemos, passa pelo ser mulher muita discriminação real. Gente de carne e osso discriminada, não é nenhuma brincadeira, embora possa dar umas piadas na televisão.

É só para lembrar que hoje é o Dia da Mulher. Isto não é poesia, nem sentimentalismo. É política: isso de sabermos como podemos ter uma vida boa juntos.

o modelo alemão.



Autoeuropa aumenta salários e compensa trabalhadores pela conjuntura nacional.


Sim, uma parte do "modelo alemão" é participação dos trabalhadores na gestão das empresas. O que se passa hoje na Autoeuropa não é fruto do acaso, nem algo que tenha começado ontem. Na Alemanha, é o que resta do sistema de co-gestão (uma cultura, para lá das regras, mas que não vive sem garantias legais) que tem amortizado o choque da liberalização das relações de trabalho. Por cá, o sistema de relações laborais na Autoeuropa demorou muitos anos a construir, sendo que os trabalhadores deram muito em empenho e flexibilidade, mas sempre em troca de mais poder dentro da empresa. Acima de tudo, o que tem de essencial "a participação" é que, sendo a empresa um sistema que tem de ser gerido com atenção às condicionantes ambientais, a governação partilhada permite que os trabalhadores e a administração percepcionem a gestão como um assunto de todos, em que todos podem ganhar juntos (se se articularem) ou perder juntos (se atentarem apenas no interesse presente de uma das partes). O contrário deste "modelo alemão" é a miopia dos "patrões" que confundem gestão com rapinagem, com "soluções" imediatistas que, destruindo a vida das pessoas, enfraquecem a economia. O contrário deste "modelo alemão" também é a irresponsabilidade sindical, que também existe. Esta é a face do modelo alemão que os troikismos domésticos não vêem. E esse nem sequer é um defeito exclusivo da direita: nem o PS, alguma vez na sua história governativa, deu alguma vez relevo suficiente a esta questão.

(No meio disto, o que é que o Público escolhe como legenda da foto que ilustra a notícia? Isto: "Empresa compromete-se com a dinamização de actividades desportivas e culturais." Sem dúvida, o que mais merece ser destacado, não é?!)

6.3.13

Chávez.


Hugo Chávez morreu. Não vou refugiar-me na conversa da treta de que lamentamos a perda de qualquer vida humana. Claro que sim, mas não escrevemos postas sobre cada uma das vidas humanas que se perdem. Falemos, portanto, de Chávez político.

Um ponto até Paulo Portas reconhece: os portugueses na Venezuela agradecem que o chavismo nunca se tenha virado especialmente contra eles. Os que pensam que essas coisas não contam, é porque nunca saíram de casa. Adiante.

Chávez tinha um estilo que, em muitos dos seus aspectos, não aprecio. Não gosto muito do espectáculo como arma política, nem gosto que se estique a legalidade, nem gosto de pressão pesada sobre os adversários políticos, não aprecio messianismos. Só que a política não se faz em laboratórios: naquele lado do mundo, Chávez provavelmente não teria sobrevivido muito tempo se não tivesse jogado assim, porque ali há sempre demasiados poderes, políticos e económicos, a tentar usar todo o arsenal de armas sujas para proteger interesses específicos - contra os dirigentes eleitos. Chávez foi eleito e releito democraticamente, tendo sobrevivido a um golpe de Estado quase vitorioso. As coisas por aquelas bandas passam-se assim; tentar julgar o estilo de Chávez sem julgar os seus adversários, é pura hipocrisia. Em muitos momentos tememos que o chavismo descambasse, mas a verdade é que isso nunca aconteceu escandalosamente.
Talvez Cháves não fosse um rapaz muito delicado e talvez tomasse atalhos que tendemos a não apreciar. Contudo, não tenho dúvidas de que, à sua maneira, pensava no seu povo e pensava em coisas concretas de que as pessoas precisam e de que as pessoas gostam. Deixou muitos problemas, sociais e económicos, além de políticos. Mas, no essencial, sendo de um tipo de revolucionários cuja falta de subtileza por vezes nos assusta, faltavam-lhe claramente alguns dos defeitos de políticos que se julgam mais refinados: a insensibilidade, o contorcionismo e o esquecimento das pessoas que neles votam.
A qualquer juiz apressado a julgar Chávez, como se a vida se jogasse toda à mesa de cafés, pergunto apenas: um país que tolera o jardinismo pode atirar pedras a Chávez?

Somos todos italianos?


1. O movimento de Beppe Grillo teve muitos votos e tem um significado anti-sistema. Contudo, contrariamente ao que parecem pensar algumas pessoas, isso não nos obriga a concordar com ele: podemos criticar o que ele faz e diz, podemos discordar das suas propostas e dos seus actos. Parece que este ponto ainde merece ser sublinhado, já que há por aí (nomeadamente nas redes sociais) quem agora idolatre o homem e trate de morder as canelas a quem quer que duvide das suas potencialidades milagreiras. Alguns dos instantâneos admiradores de Grillo até querem exigir-nos reverência: antes podíamos chamar palhaço a Berlusconi, mas agora não podemos chamar palhaço a Grillo, porque sua santidade o comediante parece estar em processo de canonização. Os mesmos que acham que podem dirigir todo o tipo de mimos a qualquer político do seu desagrado (de fdp para cima), agora adoptam a mascote “anti-política” e querem poupar-lhe os ouvidos. Uma bizarria, embora concorde que o presidente italiano tenha recusado receber o candidato do SPD a chanceler por este ter chamado publicamente palhaços a Berlusconi e Grillo – mas isso por razões de decência institucional. É que alguns, muito democratas, acham que alguns votos merecem mais respeito do que outros: a coligação liderada pelo Partido Democrático teve mais votos em ambas as câmaras do parlamento, mas qualquer um pode criticar esses políticos; o movimento de Grillo, esse, teria de ser acarinhado necessariamente – só “porque sim”, porque assim foi decretado não se sabe bem por que carga de água. O que os votos valem depende das nossas opções, não dependem de nenhum automatismo eleitoral: Hitler também se alcandorou ao poder pelos seus êxitos eleitorais, Pedros Passos Coelho ganhou eleições e isso não nos inibe a crítica – embora alguns apressados pensem que sim. Portanto, como não tenho tendência para correr atrás de ídolos, prefiro analisar o que as pessoas e os movimentos dizem e fazem e tentar ajuizar. É isso que vou tentar fazer parcialmente no que segue, quanto ao movimento de Beppe Grillo.

2. Em primeiro lugar, é claro que há uma série de fenómenos, mais do que diagnosticados, que não têm sido combatidos, pela política e pela cidadania, com suficiente foco, com o resultado de um arrastamento insuportável que puxa qualquer regime para o fundo. Se tem de vir alguém de fora dos “habituais” para romper com isso, que venha. Grillo não é um recém-chegado à vida pública italiana: há muitos anos que tem feito denúncias bem sucedidas contra políticos e dirigentes corruptos. Foi banido da televisão quando chamou ladrão a Craxi, coisa que parece que Craxi era mesmo; denunciou um juiz por corrupção, juiz esse que depois foi condenado por esse comportamento. Quando o sistema político se fecha sobre si mesmo e tolera o mal no seu seio, a gangrena tarde ou cedo fará mossa.

3. Há partes do discurso de Grillo que são apelativas, principalmente a sua vertente ambientalista, incluindo propostas para poupança energética, bem como certos aspectos relativamente ao funcionamento da política (p. ex., a proposta de que os deputados não possam fazer mais do que dois mandatos e não possam exercer outra profissão). Os aspectos instrumentais (como a arte de usar a internet como base das campanhas) não me aquecem nem me arrefecem: ser eficiente na propaganda não é sinal de boa nem de má política (duas coisas distintas que já foram confundidas antes, por exemplo a propósito de Obama). Mas pode ser interessante a proposta de que nenhuma cadeia de televisão nacional e nenhum jornal nacional possa ser detido maioritariamente por uma única entidade privada.

4. Outras facetas do discurso de Grillo só podem merecer a minha rejeição.
Podemos deixar-nos cativar pela proposta de um subsídio de desemprego mínimo de 1000 euros durante três anos? Talvez.
Podemos concordar com a redução da semana de trabalho a 20 horas por semana? Duvido que Grillo tenha feito as contas ao que isso significa. Mas, enfim, sonhar não custa. Outras coisas parecem-me mais graves.
Pode perfeitamente ser o caso que o homem não esteja apenas contra esta ou aquela política, estando mesmo contra a própria política democrática. Claro, navegar no mar anti-partidos, não sendo muito original, continua a pagar: a exigência da abolição do financiamento público dos partidos pode captar muitas simpatias em quem não quer parar dois minutos para pensar no seu significado, mas é claramente uma proposta antidemocrática, porque a alternativa seria só poderem fazer política aqueles que tivessem meios – quer dizer, riqueza – para o efeito (como expliquei anteriormente). Claro que isso joga bem com a tese de que os ordenados dos políticos fazem parte das causas da crise: mas aí temos apenas uma mentira que ajuda a suportar um ataque a um pilar da democracia. Além do mais, percebe-se: Grillo não tem um partido, tem uma massa que combina o “regionalmente cada um faz o que quer”, por um lado, e, por outro lado, o “quem manda aqui sou eu” (sem instâncias de decisão para além do líder, que tipo de democracia pode haver? as reuniões secretas de eleitos, que para já serviram para se encontrarem uma primeira vez?).
Ao mesmo tempo, enquanto vai dizendo que não é de direita nem de esquerda (começo a rosnar logo que ouço esta tese em particular), declara que seria desejável eliminar os sindicatos, porque são tão velhos como os partidos (serão os partidos tão velhos como a democracia?) e porque os sindicatos são os responsáveis pelas dificuldades dos trabalhadores. Revelador.
Mas a táctica, evidentemente, é muitas vezes um excelente revelador: não sendo nem de esquerda nem de direita sentiu-se à vontade para declarar a militantes de extrema direita, que queria captar para as suas listas: “o anti-fascismo não é da minha competência”.
Não seria pelo lado das suas ideias sobre imigração que a extrema-direita deixaria de o apoiar: tem-se pronunciado contra os imigrantes e é favorável a que os filhos dos imigrantes não possam adquirir a nacionalidade italiana.
A sua exigência de que cesse a participação italiana em missões de paz internacionais é também um indicador da sua visão.
E as suas “mãos limpas” também ganham algum esclarecimento com as suas declarações em Palermo: "a Máfia, pelo menos, não estrangula as suas vítimas, como faz o governo".
Julgo, pois, ter bastantes razões para desconfiar.

5. De qualquer modo, mais do que os discursos, a prática esclarecer-nos-á no futuro sobre o que é este movimento “cinco estrelas”. Agora, sob uma luz mais intensa dos holofotes, talvez se torne mais sofisticado – ou talvez seja mais fácil perceber como realmente encarna o seu papel de tomba-sistemas. O passado recente, contudo, deixa alguns alertas. Foi noticiado que o presidente de Mira, eleito pelo movimento, despediu uma assessora pela gravíssima falta de estar grávida – sem que Grillo tenha dito uma palavra de reprovação sobre esse acto. Durante a campanha eleitoral, Grillo nunca aceitou dar uma entrevista (uma vez aceitou, mas não compareceu), o que dá uma versão radical de algo que conhecemos por cá: um ex-PM e actual PR de Portugal que, numa certa campanha eleitoral, se escusou ao confronto por, segundo ele, não estar para que os outros candidatos se promovessem à sua custa (nos debates).

6. Posto isto, não posso dizer-me um entusiasta de Grillo. As recentes eleições em Itália são o espelho do momento que vivemos, a vários níveis: alguns políticos (especialmente os que vivem longe dos países e das pessoas em dificuldades, como o presidente da Comissão Europeia) continuam a falar como se não houvesse tanta gente a virar as costas ao corrente modo de fazer política neste Ocidente que nos toca; muita gente sente que a única escolha que lhe deixam já só tem duas vias: calar (e tentar comer as sobras) ou tentar deitar todo o edifício para o lixo; a “Europa” é cada vez mais percepcionada como culpada dos nossos males. Compreende-se bem que, aqui chegados, movimentos de ruptura com “o estado a que isto chegou” comecem a recolher apoio popular importante, não apenas nas ruas, mas também nas urnas.
Há, portanto, muito que pensar – até porque as situações de crise são também momentos para revelar as dificuldades que o pensamento tem em acompanhar a realidade. Também por cá há muito para reflectir – e agir. O descontentamento popular, quando provocado pela insistência em esmagar a vida das pessoas, ou encontra resposta na política que há – ou outra política terá que ser inventada. Mas, desesperados, não podemos embarcar no primeiro comboio que apareça. (Fui muito fustigado quando, no início da "primavera árabe", manifestei as minhas dúvidas quanto à possibilidade de dali saírem propriamente democracias; infelizmente, os que ardiam no desprezo pelas minhas cautelas, podem não ter chegado a aprender o valor das dúvidas.)
De qualquer modo, a Itália, nestes momentos, é a demonstração de que a palavra de ordem "o povo é quem mais ordena" não é, necessariamente, uma resposta aos problemas reais e complexos que vivemos. A democracia precisa de algo mais do que a mecânica dos votos; precisa de alguma forma de concertação activa, dinâmica, agregadora, mediadora. Como sempre defendi, uma democracia não se faz só com eleições de tanto em tanto tempo. Se temos ou não democracia, isso depende também de que os representantes se compreendam como representantes de uma parte, não do todo. E que, como representantes de uma parte, saibam como trabalhar com os representantes das outras partes. Nesse sentido, o problema da Itália é também o nosso. Ah, pois, agora “somos todos italianos”.


(Algumas das fontes: uma,duas, três, quatro, cinco, seis, sete.)

voragem.


Político conservador grego condenado a prisão perpétua por desvio de 17 milhões de euros.

A propósito da notícia de que um político grego, considerado culpado de um desvio de 17 milhões de euros, foi condenado a prisão perpétua, leio "por aí" (redes sociais) muito regozijo.

Parece que a conversa dos direitos humanos é só para os dias de sol, coisa que se esquece facilmente em dia de chuva. Ainda há quem responda "pior seria a pena de morte". Não vale a pena repetir os argumentos expandidos há dezenas de anos acerca da precariedade da justiça humana: neste clima já não se ouve nada.


4.3.13

o carrinho de mão vermelho.


William Carlos Williams morreu faz hoje (4 de Março de 2013) cinquenta anos.
O poeta (e antropólogo) Luís Quintais presta homenagem com uma tradução do seu poema The red wheelbarrow.  Aproveitemos.



Clicar na imagem para ler a tradução portuguesa do poema.

precisamos de uma coligação.


As manifestações populares de 2 de Março: ainda há quem as queira reduzir a uma discussão sobre números (seja empolando as estimativas, seja desconfiando militantemente, sempre ou apenas quando se gosta do governo, dessas mesmas estimativas); ainda há quem as reduza a manobras tácticas de grupelhos ou de partidos; ainda há quem as compare com eleições, para desvalorizar o seu sentido democrático, como se a democracia fosse só o voto; ainda há quem as absolutize (para alguns entusiastas tornou-se quase pecado não ir à manifestação). Eu, que não fui à manifestação (talvez os dedos de uma mão quase cheguem para contar as manifestações a que fui desde o 25 de Abril), se não vejo grande utilidade em fazer do currículo manifestatório o teste do empenho numa alternativa política ao "estado a que isto chegou", também não posso rever-me em alguns arroubos comentativos que tentam pintar a coisa como um evento sem grande significado.

O que me importa é que não há jardins bonitos só com um tipo de flor.

Os grandes desafios só podem ser vencidos por grandes convergências de vontades e de esforços. A crise mudou o mundo, pelo que será preguiça demasiada pensar que podemos voltar a pensar tudo como dantes. Fazer o que há a fazer - e, ao mesmo tempo, pensar o que há a fazer de novo - requer uma base social de apoio e uma mobilização de inteligências muito mais ampla do que oferece qualquer partido ou qualquer manifestação. O país não vai ser mudado só com os que foram ou apoiaram as manifestações, mas as manifestações deram a ver (parcialmente) a extensão da dor. O combate político que falta fazer é encontrar o denominador comum das forças e vontades que recusam a visão do mundo que desenhou esta austeridade, bem como os erros globais que a tornaram possível - e, depois, criar a base de uma ideia para sair daqui.

Isso não será possível numa base nacionalista: Portugal não sobrevive de costas voltadas para o mundo, um novo isolacionismo é uma ilusão perigosa, a base política mínima para a soberania fazer algum sentido num mundo global é a Europa organizada. (Não gostamos da orientação da UE? Também não gosto da orientação actual de Portugal e não é por isso que me refugio na freguesia.) Sair deste atoleiro só é possível numa base política com um fundamento claro: o respeito pela dignidade das pessoas, de cada pessoa, só é possível se não estivermos sempre em situação precária. O fundamento da selvajaria do extremismo liberal é manter-nos todos precários: só valemos o que produzimos em cada momento, somos sempre descartáveis, não temos direito a projectos de vida (o nosso único projecto será sobreviver), o dia de amanhã terá de ser incerto para sermos mais líquidos como mercadorias, quanto mais incerta a vida mais dóceis à máquina da exploração. Esse é o fundamento da opressão; é aí - em mudar isso - que terá de ser focado o princípio de uma nova vida. Parece pouco? Tentemos.

Uma coisa é certa: precisamos de um "coligação" para sair daqui. (Não, não estou a falar de nenhuma forma política precisa, estou a falar de uma atitude, de uma vontade, de uma mobilização). Não bastam os manifestantes, não bastam os não-manifestantes, não bastam os partidos, nem os que estão contra os partidos. E, claramente, dispensa-se uma mercadoria muito em voga nestes dias: o sectarismo. Designadamente, o sectarismo das vanguardas, dos maximalistas, dos iluminados, dos que estão sempre cheios de certezas acerca do caminho (especialmente quando o caminho não está feito). Certamente, não vamos sair daqui de braço dado com os que insistem que estamos a fazer o que deve ser feito. Mas, dada essa fronteira, precisamos de uma coligação de um tipo novo. Que, evidentemente, está toda por fazer.