31.1.13

por falar em acusações de deslealdade.


Eu de vez em quando gosto de praticar um bocadinho de etnografia de certos grupos culturais...

António Gameiro, líder da Federação do PS de Santarém, deu uma entrevista ao Correio da Manhã. Vejamos.

Correio da Manhã – Denunciou em Almeirim que há militantes do PS que conspiram nos corredores do Parlamento. A quem se estava a referir?
António Gameiro – Estou-me a referir a um grupo de deputados e dirigentes que, desde que António José Seguro tomou posse como secretário-geral, tudo tem feito para que o mandato não se cumpra com a unidade que o partido necessita.

– É uma tentativa de derrubar António José Seguro?
– Não. Eu penso que muitos pertencem a ciclos de poder do passado e que estão, de certa forma, desprotegidos. E sentem a necessidade de fazer algum barulho para se valorizarem.

– Refere-se a dirigentes que eram decisivos na estratégia do anterior líder, José Sócrates.
– Exatamente. E outros. Eu vejo deputados que nem um ano têm de militância e já se pronunciam sobre todos os aspetos e mais alguns da vida interna do PS.

– Está a falar de quem?
– Do senhor deputado João Galamba, por exemplo.

– É uma estratégia para a candidatura a líder de António Costa?
– Acho que é uma estratégia ao serviço das conveniências de alguns. Quero acreditar que António Costa será candidato à Câmara de Lisboa. Há um certo frenesim, na tentativa de criar instabilidade no partido.

Eu acho que António Gameiro pode ter razão: há gente no PS que faz barulho só para "se valorizar". Só tenho uma dúvida: será o caso de João Galamba, que ele critica por (sendo militante) se pronunciar sobre a vida do PS? É que, dado o brilho com que João Galamba tem defendido uma alternativa às tropelias deste governo, não me parece que precise de se pronunciar sobre a vida interna do PS para "se valorizar". Não sei se posso pensar o mesmo de certas entrevistinhas ao CM.

(Isto não interessa nada, nem sequer faço ideia quem seja António Gameiro, mas é uma peça que ilustra bem a mentalidade de algumas pessoas que engoliram o comprimido da cor do burro quando foge, com a funesta consequência de lhes ter provocado a convicção de serem os únicos e os maiores defensores da pátria. Se há "inimigos do PS"? Há ! São estes comportamentos! Estas são as deslealdades que a direcção do PS devia atacar, sob pena de Gaspar ainda acabar canonizado e Relvas ir a beato, quanto mais não seja por equivalências.)


quando um dedo aponta para a lua.


Dizem que é um provérbio chinês: "Quando um dedo aponta para a lua, o tolo olha para o dedo." Há uma outra versão, a qual introduz uma reverência desnecessária: "Quando um sábio aponta para a lua, o tolo olha para o dedo."
Este dito, seja ou não chinês, tem-me passado muito pela cabeça esta semana.
Mais precisamente, desde terça-feira.
Mais precisamente, a propósito do PS.
Como, na versão que me passa pela cabeça, eu não sou a lua, nem o sábio - e gostaria de não ser o tonto -, não digo mais nada, para não ofender ninguém.
Quando o mundo é simples, os tolos complicam. Quando o mundo é complicado, os tolos simplificam.

somos um país muito burocrático.


Se fosse em Cuba, o governo daria ordens directas à televisão pública para incluir na grelha um determinado programa que lhe parecia conveniente por razões políticas.

Em Portugal é tudo muito burocrático: a ideia de "encomendar" à televisão pública um programa politicamente conveniente segue via parlamento: PSD e CDS levam ao Parlamento uma espécie de TV Rural.

30.1.13

o que interessa se podemos ou não matar o sinal de trânsito?


No passado dia 24 de Janeiro, foi apresentado no Porto o meu último livro, "Podemos matar um sinal de trânsito?". Foi na Livraria Leitura, Shopping Cidade do Porto. Já aqui deixei a apresentação do livro pela Professora Conceição Soares (Universidade Católica Portuguesa, Porto). Hoje, deixo o vídeo e o texto de base da minha intervenção nessa ocasião.




Há várias leituras possíveis deste livro, leituras a vários níveis (como, aliás, acontece com muitos livros). O próprio autor não lê o livro todas as vezes da mesma maneira. No dia de hoje tenho uma leitura deste livro, uma leitura influenciada pelos tempos que correm; é essa leitura que partilharei agora convosco.
*
Wittgenstein termina o seu Tractatus Logico-Philosophicus com a famosa proposição 7, que foi assim traduzida para português pelo Professor Manuel Lourenço: “Acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio”. Sem entrar aqui numa interpretação dessa proposição, importante no pensamento do chamado “primeiro Wittgenstein”, sempre quero lembrar-vos que termino este meu livro com o parágrafo 134, talvez o mais curto de todos, mas que contém a minha razão para o ter escrito. Reza assim: “Acerca daquilo de que se não pode ficar em silêncio, tem que se falar.”

Quer pelo título, que alguns já pensaram ser o título de um policial, quer pelo subtítulo, que anuncia um “divertimento”, embora um divertimento “político-filosófico”, pode parecer que este livro não pretende ser sobre coisas sérias. Pelo que já aqui foi dito hoje, penso que se percebe que o livro, afinal, pretende ser sobre coisas sérias. Sobre coisas acerca das quais tem, mesmo, que se falar.

O livro aborda aspectos da vida em sociedade de que muitas vezes não nos apercebemos, fala de como podemos pesar muito sobre os outros, sobre a vida de todos, sem sequer nos darmos conta. Mas neste livro não quis fazer um sermão aos leitores, não quis arvorar-me em moralista, não pretendi dar lições e renunciei à forma pesada, sisuda, teórica, ou abstracta, com que por vezes se confunde a seriedade. Optei por uma abordagem leve, com muitas situações práticas, tentei até alguma boa disposição. É que me parece que podemos pensar em coisas sérias sem fazermos necessariamente um ar sorumbático. Podemos fazer desse acto de pensar as coisas da cidade uma festa do pensamento, uma festa da cidadania, em vez de um aborrecimento desértico e frio. E estamos tanto a precisar disso, porque estamos tanto a precisar de pensar outra vez, abertos a outros pressupostos e a outras premissas.

Escolhi, sempre que consegui, pontos de ataque ao meu problema que partissem de situações mais ou menos inesperadas, às vezes até um pouco estranhas. E fiz isso por quê? A ideia foi abordar certos problemas sem recorrer a exemplos polémicos. Não é que eu tenha medo da polémica, que não tenho. Mas se apresentarmos às pessoas uma questão e essa questão já estiver claramente ligada a uma polémica, a certos confrontos presentes na praça pública, a divergências instaladas e recorrentes, o interlocutor provavelmente já escolheu a sua trincheira e, em vez de pensar livremente na questão que lhe pões, coloca-se imediatamente à defesa (ou ao ataque), resguardado na sua posição habitual, conhecida, talvez confortável. Pelo contrário, se colocarmos às pessoas casos que elas não encaixem imediatamente nas suas ideias firmes, isso liberta-as para pensarem com menos preconceitos, mais livremente. E estamos muito a precisar de pensar mais livremente, mais ancorados nas solidariedades e menos enterrados em trincheiras.

Este livro, pode não parecer, mas é um livro político. Se a política é uma actividade onde se tenta encontrar respostas para a pergunta “como fazemos para termos uma vida boa nesta terra onde vivemos todos?”, se a política é essa busca partilhada, então devo reconhecer que este livro é um livro político. Não é, claro, não é de todo, um livro partidário. Até porque, feliz ou infelizmente, o que mais genuinamente importa na política no seu sentido mais nobre, não é coisa que se possa sempre acantonar nas fronteiras partidárias. E, entenda-se, isto não é dizer mal dos partidos; quem me conhece sabe que prezo muito o papel dos partidos; mas a riqueza da nossa cidadania, o espectro largo da nossa liberdade, não pode limitar-se a nenhuma forma particular. E isso é algo que também quero dizer com este livro: há muita coisa para pensar fora dos formatos habituais. Nesse sentido, este livro é um gesto de um cidadão que quer partilhar com outros cidadãos um certo diálogo.

Sendo um divertimento, nos termos em que expliquei acima, este meu trabalho quer ser um manifesto contra a infantilização das pessoas que partilham connosco a pertença a esta comunidade. Contra a infantilização, quer dizer, contra que nos digam que tem de ser mesmo assim e só assim, contra a teoria de que a teoria do momento é a única teoria possível de levar à prática, contra a tentativa de simplificar o que é complexo, ou de mistificar o que é simples. Ser contra a infantilização da cidadania é mostrar que o mundo é mais subtil, mais intrincado, do que as versões correntes e propagandísticas desta ou daquela verdade. Ser contra a infantilização que por vezem se quer impor às pessoas é reafirmar, e tento fazer isso neste livro com casos concretos, é reafirmar que nós somos responsáveis pelo mundo, somos pessoalmente responsáveis pelo mundo, mesmo que cada um de nós não possa ser responsável sozinho.

Deixem-me dar um exemplo simples e prático do que quero dizer com isto. Imaginem que tenho agora aqui na mão uma nota de banco, digamos, uma nota de 10 euros. O sistema monetário, no seu sentido mais simples, em que a moeda é um sistema de equivalência universal para mercadorias, depende de que nós participemos. Depende de que nós reconheçamos num determinado tipo de pedaços de papel, com um certo formato, com uma determinada tintagem, com determinados sinais, que todos funcionem com esses pedaços de papel como sendo notas. Portanto, o sistema da moeda só funciona porque nós nos mantemos aderentes. Depende de nós.

No entanto, contrariamente ao que algumas pessoas parecem pensar, nem tudo o que depende de nós é subjectivo. Ou seja, não está dado ao nosso livre-arbítrio sair ou entrar em esquemas que dependem da nossa participação colectiva. Se eu pegar numa nota de 10 euros, e a deitar fora, dizendo “eu não reconheço nisto o valor de 10 euros”, eu perco mesmo os 10 euros. Aqueles 10 euros não deixaram de ser 10 euros por eu negar esse valor àquele pedaço de papel. Porque aquele pedaço de papel faz parte de algo muito mais vasto, que não se esgota naquela instância particular que tenho na mão. É certo que, se toda uma comunidade política deixar de reconhecer aquela moeda, abandonar o respectivo sistema monetário, aquela nota deixa de ser uma nota para passar a ser apenas um papel. Portanto, o significado daquela nota como nota depende de nós, depende de nós colectivamente, mas não depende de nós individualmente, e nós individualmente não podemos tratar esses factos como se fossem subjectivos, como se estivessem à disposição da nossa vontade.

Este aspecto da realidade, assim explicado de forma tão corriqueira, de que estamos juntos em aspectos fundamentais da nossa vida nesta terra, e temos a nossa parte, embora a nossa parte não substitua a parte dos outros, este aspecto está no cerne da encruzilhada entre as melhores e as piores possibilidades da nossa vida em comum. Nós fazemos, juntos, o nosso mundo comum. E não podemos renunciar a isso. Mau grado a arrogância dos ideólogos dos individualismos radicais, quer se pretendam muito liberais ou muito anarquistas, se há espécie onde a vida individual só faz sentido em relação, tensa ou harmónica, com a vida em comunidade, é a espécie humana.

Mas há quem insista em fechar os olhos.

Lévi-Strauss conta o caso de uma tribo que conseguia ver Vénus à luz do dia, à vista desarmada, o que astrónomos profissionais lhe confirmaram ser possível e estar relatado como uma prática corrente por tratados de navegação ocidentais antigos. Que isso hoje nos pareça estranho não vem de nenhuma mudança nos planetas, mas de uma mudança das nossas práticas e condições, das nossas formas de vida. É, pois, bem certo que não basta ter os olhos abertos para ver.

O mais difícil de ver é o que está perto. As coisas próximas. “Podemos matar um sinal de trânsito?”, a pergunta que dá título a este livro, procura levar o vosso olhar para esse lado. Como se adivinha, este “matar” não está em sentido literal, está em sentido figurado, é uma tentativa de falar gentilmente de coisas importantes na vida de todos nós. Podemos matar uma instituição de muitas maneiras. Podemos matar o esforço de um grupo com a nossa má-fé ou com a nossa deslealdade, por exemplo. Matar aqui é desvitalizar, desagregar.

Precisamos ter muito cuidado para não matar o que importa à nossa vida em comum. Precisamos ser suficientemente delicados para não matarmos as ferramentas da nossa vida em sociedade com instituições. A este propósito, e para terminar, quero recordar-vos um episódio relacionado com Barack Obama, que tomou posse esta semana do seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos. Obama protagonizou uma história curiosa aquando da sua tomada de posse do primeiro mandato, que ocorreu a 20/JAN/2009. Publicamente. Com cerca de 2 milhões de pessoas nas ruas de Washington para presenciar o primeiro negro a jurar como presidente dos EUA. Inúmeras cerimónias e festas. Contudo, no dia seguinte, Obama voltou a prestar juramento, numa cerimónia quase secreta, não publicitada previamente, na Casa Branca, uns breves trinta segundos perante apenas nove pessoas.

Porquê? Porque no dia da tomada de posse pública, o presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, a quem compete administrar o juramento, enganou-se e enganou Obama, que não terá pronunciado correctamente a fórmula de 35 palavras exactamente como previsto na Constituição. Temeu-se que viesse a ser questionado que tivesse havido juramento segundo a Constituição e, portanto, que se pusesse em dúvida que tivesse havido tomada da posse em boa e devida forma. E a repetição serviu para garantir que se tinham respeitado todos os preceitos. Isto é levar a sério a Constituição. Por muito ridículo que possa parecer dar valor a “um pormenor”, o que lá está, enquanto lá está, enquanto não decidirmos em conjunto que se muda, é para ser respeitado. Isto, claro, se não quisermos avariar as ferramentas da nossa vida em comum.

Porque, numa sociedade com instituições, como, aliás, muitas vezes na vida pessoal, o que é importante leva muito tempo e muito esforço a construir, mas pode ser destruído, de forma irrecuperável, em pouco tempo e com uns poucos empurrões. E, digo-vos, precisamos mesmo de evitar isso. Foi, também, para vos falar sobre isto que escrevi este livro.

Esta foi a minha leitura de hoje deste livro. É a minha parte, para a troca, com as vossas leituras.

Obrigado pela vossa atenção, pela vossa leitura, pela vossa participação. Obrigado também por passarem a palavra.



PS, contador a zeros?




1. Quando toda a gente noticiava que António Costa iria, ontem, anunciar-se candidato à Câmara de Lisboa e candidato a SG do PS, a história correu de modo um tanto diferente. AC anunciou-se candidato à CML e, na Comissão Política do PS, depois de António José Seguro ter anunciado que se recandidatava à liderança, deixou ao SG o repto de unir o partido, sendo que a candidatura de AC só ocorrerá se Seguro falhar nesse desiderato. Parece que esta sequência de acontecimentos baralhou algumas pessoas. Por exemplo, o director da TSF dizia hoje de manhã que Seguro deu a Costa “o abraço do urso”. Paulo Baldaia dizia que imaginava um cartoon com Costa, de braços caídos, a ser abraçado por um Seguro enorme e de sorriso aberto, a esmagar o abraçado. Se o ridículo interpretativo matasse, Paulo Baldaia teria expirado em directo na TSF. Vejo as coisas de modo completamente diferente. Vamos por partes.

2. Tacticamente: AC ficaria muito mal na fotografia, perante o país, até mais do que perante o partido, se anunciasse as duas candidaturas (à câmara e ao partido) no mesmo dia. Pareceria uma jogada daquelas que as pessoas comuns (como eu) abominam nos políticos. Ser presidente de câmara e líder do PS, além de não ser inédito, poderia justificar-se; mas, num contexto de confronto, a respectiva justificação tenderia sempre a ser lida como uma desculpa de mau pagador. AC resolveu esse problema: não faltou à batalha, de alcance nacional, que Seguro e os militantes lhe pediam para batalhar; sendo agora o mais relevante candidato do PS nas próximas autárquicas, não pode continuar a ser atacado pelas formiguinhas brancas do segurismo com o primarismo com que dirigentes nacionais do partido o fizeram ainda ontem (nomeadamente, acusando-o de deslealdade por algo que nem sequer tinha acontecido).

3. Estrategicamente, AC recolocou a questão da “unidade do partido” nos seus termos próprios, desfazendo uma charada que estava a ser muito mal contada. Seguro, que passeou os seus silêncios e as suas alfinetadas de colorido oposicionista durante todo o tempo dos governos Sócrates, tem sido, desde que é SG, o principal obreiro da divisão do PS. Seguro acolheu – a maior parte das vezes com silêncios, mas muitas vezes de forma explícita – a tese da direita segundo a qual a culpa da crise foi do PS (de Sócrates), que o PS (de Sócrates) levou Portugal à bancarrota. Acolhendo essa tese, e prescindindo sistematicamente de defender a obra do anterior governo do PS, como se dela nada soubesse, Seguro e a sua direcção alienaram uma parte do partido e do seu eleitorado. Aquela parte do partido que deu a cara quando Seguro deu o silêncio e o afastamento, a pensar na sua vez. A intervenção política de Seguro tem sido gerida milimetricamente para manter no exílio político todo o legado da anterior governação do PS, com evidente vantagem para o discurso político da maioria governamental. Passos encontrou no discurso de Seguro conforto para ter “ido ao pote” (expressão de PPC) no momento em que a Europa se preparava para ajudar Portugal a evitar o resgate e a troika e o cortejo de malfeitorias que daí resultaram. Este discurso, do PS-Seguro contra o PS- Sócrates, está profundamente enraizado nos dirigentes mais próximos do SG, como se viu pelas múltiplas declarações dos últimos dias, que muitas vezes não foram sequer capazes de usar termos muito diferentes dos escolhidos por Marques Mendes para “comentar” a situação. Depois de tudo isto, primeiro responsável pela desunião, Seguro vem acusar de divisionistas os descontentes com a situação. O gesto de Costa, ontem, devolve a responsabilidade pela (des)união do PS a quem realmente tem a principal responsabilidade por unir ou por desunir: o líder. AC limitou-se a indicar ao partido qual é o seu principal problema político (encontrar uma unidade saudável e que funcione) e quem é o primeiro responsável por que esse problema se resolva ou não se resolva: o líder em funções. Contrariamente ao que parecem pensar os comentadores distraídos, AC devolveu a bola a Seguro e colocou do lado do SG toda a pressão: “vamos ver o que sabes fazer para unir o partido”.

4. Poderá AJS unir o partido e dar a AC a resposta que poupe uma luta interna? No caso de Seguro ter a intenção de responder positivamente ao desafio de Costa, terá de mudar substancialmente a sua narrativa sobre os últimos anos da vida política do país. Seguro, que foi levado a SG por uma federação de grupos dentro do PS que se reclamavam como sendo a esquerda do PS, e que criticavam o “desvio de direita” e/ou o autoritarismo de Sócrates, nunca promoveu um balanço sereno e sério da governação socialista no ciclo anterior. Sem esse balanço, quando se refere ao passado, passa o tempo a atirar fora o bebé com a água do banho. O caldo de cultura que leva Seguro a SG é uma mistura estranha das críticas do PSD+CDS e das críticas do PCP+BE ao “socratismo”, estando agora a resultar num estilo de oposição que engrossa muito a voz mas não dá sinais nenhuns de ter uma ideia global alternativa para o país. O episódio da não constituição da comissão parlamentar para a reforma do Estado, por falta de comparência das oposições, mostra – por muito que tenha agradado aos que adoram gestos largos – a incapacidade do PS para assinalar um rumo para o país que seja diferente quer da irresponsabilidade da direita quer do simplismo da “esquerda da esquerda”. Para Seguro ser capaz de unir o PS e poupar o partido a uma luta interna, teria de operar uma transformação radical dos pressupostos políticos da sua liderança, da equipa dirigente, dos protagonismos, teria de criar uma narrativa dos últimos anos que desminta a sua actual narrativa – e ainda teria de dar alguns sinais de que tem para uma governação futura as ideias que a generalidade das pessoas não tem conseguido captar. Será Seguro capaz de fazer tudo isso?

5. Se Seguro for capaz de fazer tudo isto, Costa terá vencido a batalha sem sofrer qualquer baixa e sem ter sequer que pagar o almoço – e poderá, do seu “miradouro” na CML, continuar a aspirar a tudo. Se Seguro não conseguir sacudir o peso de todos os aliados que tem recolhido ao longo de tantos anos a trabalhar para “isto”; se Seguro, afinal, pensar que deu o abraço do urso a Costa e o abafou, optando por nada fazer de muito diferente do que tem feito até agora – AC “terá” que avançar. Só que, nessa altura, AC avançará “porque o SG não cumpriu com a sua responsabilidade de unir o partido, que é a primeira responsabilidade de um líder”. Nessa altura, AC “fará o sacrifício” de avançar. O jogo será, então, outro: o puzzle da unidade partidária estará em condições completamente diferentes daquelas que julgavam adquiridas aqueles dirigentes do PS que ainda ontem faziam fila à frente dos microfones para insultar António Costa. Aparentemente, inebriados com a conversa da “tralha socrática” (um estilo que une Marques Mendes, Henrique Monteiro e certos dirigentes do PS), esqueceram-se que António Costa não nasceu no tempo de Sócrates, nem pela mão de Sócrates – e que quando Sócrates chegou ao PS já Costa tratava o partido tu-cá-tu-lá há muitos anos. E que o prestígio de Costa assenta, antes de mais, no que tem feito à vista de todos em cargos executivos, não em meras proclamações de intenções. O pior de tudo isto, para Seguro, é que o “professor” que vai avaliar as suas “provas” de que é capaz de unir o partido é, precisamente, quem elaborou o “enunciado” do exame: o hoje aclamado candidato do PS à mais relevante autarquia do país.

29.1.13

nós já conhecemos o parceiro tecnológico da RTP escolhido por Relvas.


Relvas anuncia que RTP vai associar-se a um parceiro tecnológico.

Relvas vai imprimir uma guinada magistral no conceito de Parceria Público-Privada, com a escolha do parceiro tecnológico para a RTP. Vejam quem ele é e logo compreenderão.



E no Porto, podemos matar um sinal de trânsito?


No passado dia 24 de Janeiro, foi apresentado no Porto o meu último livro, "Podemos matar um sinal de trânsito?". Foi na Livraria Leitura, Shopping Cidade do Porto. A apresentação do livro esteve a cargo da Professora Conceição Soares (Universidade Católica Portuguesa, Porto).
Deixo o registo da sua intervenção.


para que servem as lutas internas aos partidos.


As lutas internas nos partidos servem para as pessoas cá foram perceberem quem são, realmente, esses partidos. Para lá do que anunciam como programas, medidas, opções de governação, importa saber com que ética vivem, como se posicionam perante os fundamentos da convivência democrática, da cidadania, do espaço público. Mais do que pelos grandes discursos programáticos, percebe-se isso pelos mais pequenos acontecimentos das lutas internas. É aí que se confirma a autenticidade (ou não) das juras democráticas.

Desse ponto de vista, os primeiros sinais públicos da inevitável próxima disputa interna no Partido Socialista são preocupantes. O primeiro a renascer das cinzas foi o fantasma de que o debate interno pode prejudicar o combate externo. Se o tom continuar por aí, estamos conversados.

28.1.13

Julião Ludwig Sarmento Wittgenstein, Remarks on Colour.


Julião Sarmento está com uma grande retrospectiva em Serralves. Foi aí que pudemos ver o seu vídeo R.O.C. (40 plus one), no qual uma rapariga lê (muito roboticamente) um longo excerto da obra, de Ludwig Wittgenstein, Remarks on Colour (em português deram-lhe o título Anotações sobre as Cores). Enquanto entra pelo jogo de linguagem de Wittgenstein, a rapariga vai mostrando outros aspectos de si.
Deixo excertos. Mais abaixo deixo uma tradução, disponível comercialmente, dos parágrafos seleccionados.
Mais informação sobre o vídeo aqui.



1. Um jogo de linguagem: Referir se determinado corpo é mais claro ou mais escuro que um outro. — Mas agora existe um jogo semelhante: enunciar a relação entre a claridade de certos tons de cor. (Comparar com o seguinte: determinar a relação entre os comprimentos de duas varas — e a relação entre dois números.) A forma das proposições em ambos os jogos de linguagem é a mesma: "X é mais claro que Y". Mas, no primeiro, a relação é externa e a proposição temporal; no segundo, a relação é interna e a proposição atemporal.

3. Lichtenberg diz que apenas poucos homens teriam alguma vez visto o branco puro. Neste caso a maior parte utilizará apalavra de uma forma errada? E como aprendeu ele o uso correto? — Construiu um uso ideal a partir do uso comum. E isto não quer dizer um melhor, mas um uso que tinha sido refinado segundo uma certa orientação e em tal decurso alguma coisa foi levada aos extremos.
4. E, certamente, uma tal construção pode, por sua vez, ensinar-nos algo acerca do uso efectivo da palavra.
5. Se disser que um papel é branco puro e se a seu lado se puser neve, e aquele parecer agora cinzento, continuaria a estar certo quando, no seu contexto habitual, lhe chamasse branco e não cinzento claro. Poderia acontecer que eu usasse um conceito mais depurado de branco, (digamos),num laboratório (onde, por exemplo, eu também usaria um conceito mais depurado da determinação exacta do tempo).

8. Os homens podiam ter o conceito de cores intermediárias ou mistas mesmo que nunca tivessem produzido cores através de mistura (em qualquer dos sentidos). Os seus jogos de linguagem apenas deveriam ter a ver com a procura e com a selecção de cores intermédias, ou mistas, já existentes.

12. Imagina tu que todos os homens, salvo raras excepções, fossem daltónicos quanto ao vermelho e ao verde. Ou outro caso ainda: todos os homens eram daltónicos quanto ao vermelho-verde ou ao azul-amarelo.
13. Imaginemos um povo de daltónicos, o que pode bem acontecer. Não teriam os mesmos conceitos de cor que nós. Supondo que falariam, por exemplo, alemão e teriam assim as palavras alemãs para as cores, usá-las-iam diferentemente de nós e aprenderiam a usá-las também deforma diferente. Ou se tivessem uma língua estrangeira, ser-nos-ia difícil traduzir as suas palavras de cor para as nossas.

33. Falamos da «cor do ouro» e não queremos dizer amarelo. "Cor de ouro" é a propriedade de uma superfície que brilha ou resplandece.

Carlos Bunga, Ágora.


Instalação, escultura, arquitectura. Carlos Bunga, Ágora, no átrio do Museu de Serralves.






(Clicar amplia. Fotos de Porfírio Silva)


26.1.13

o PS na oposição.




Faz-me um bocado de impressão o descaramento com que dirigentes do PSD se interessam tão de perto pela vida interna do PS. Há dias, no meio da polémica (mais inflamada do que o necessário) acerca da data do congresso dos socialistas, um dirigente da JSD apelava à substituição de Seguro, talvez para manchar com a sua companhia os que no PS são "suspeitos" de querer o mesmo. Agora é Seara a afinar pelas alfinetadas dos que gostariam que a câmara da capital fosse uma prisão para Costa.

Claro que Costa tem a sua parte de culpa nesta novela, na medida em que se encolheu no congresso passado, permitindo que agora os seus adversários internos o acusem de ter deixado a Seguro os primeiros e mais sangrentos combates para aparecer agora, quando alguns pensam que o PS está em franca recuperação (uma ilusão tão boa que parece enganar muitos).

No meio de tudo isto, para lá da rapidez com que o verniz estalou dentro do PS, com recurso aos mais estafados truques da demagogia habitual (volta a parecer que o unanimismo é que é bom, volta a aparecer quem pense que os portugueses estão interessadíssimos nos artigos e alíneas dos estatutos do partido), dando um espectáculo triste a um país que está cansado da pequena política - o que mais me espanta é outra coisa. O que mais me espanta é que, a julgar pelas declarações dos últimos dias de alguns dirigentes do PS, há pelas bandas socialistas quem se empenhe fortemente em fazer uma vigorosa oposição ao governo... de José Sócrates.

25.1.13

petição.


(Este é um assunto de cidadania, não se trata de uma questão circunscrita à comunidade científica e académica. Todos podem participar - e a mim parece-me desejável que o façam.)



à Assembleia da República.


O Conselho de Ministros decidiu em 11 de Dezembro a integração da missão e atribuições da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) na Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (FCT). No Decreto-Lei n.º 266-G/2012, de 31 de Dezembro, que altera a lei orgânica do Ministério da Educação e Ciência, ficou previsto que esta integração se realizaria “nos termos a definir em diploma próprio”.

A FCCN, criada em 1986 e em cujo Conselho Geral têm assento como fundadores a FCT, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), é uma entidade de natureza técnica que com grande eficiência e economia de recursos opera uma sofisticada rede electrónica de comunicações e fornece um leque alargado de serviços informáticos avançados essenciais para o sistema científico, universidades e politécnicos nacionais. Demonstrou ao longo de muitos anos capacidade de inovação na vanguarda do desenvolvimento tecnológico das comunicações electrónicas e dos sistemas de informação associados que a colocou na linha da frente das instituições congéneres que existem em todos os Estados Membros da União Europeia e em muitos outros países.

A FCCN foi avaliada positivamente no âmbito da avaliação das Fundações decidida pelo Governo há cerca de um ano e, por ofício de 20 de Setembro de 2012, foi informada da decisão do Governo de “não reduzir ou cessar os apoios financeiros públicos e/ou não cancelar o estatuto de utilidade pública”.

Para bom funcionamento da infraestrutura científica gerida pela FCCN tem sido essencial esta dispor de flexibilidade de gestão e capacidade de recrutar e renovar competitivamente recursos humanos no exigente mercado de especialistas em que também actuam as operadoras privadas de telecomunicações, o que fica comprometido com a integração num Instituto Público como é a FCT.

Por outro lado, é incompreensível que esteja a ser contemplada uma alteração que envolve um aumento de custos de administração. Na verdade, dos membros do Conselho Executivo da FCCN apenas um era remunerado pela FCCN e dois outros eram cedidos no âmbito de protocolos com universidades, e agora prevê-se o aumento do Conselho Directivo da FCT de três para cinco membros remunerados segundo regime especial ao nível de gestores de empresas públicas do grupo B em vez do nível do regime comum actual.

Neste contexto, os cidadãos e as cidadãs abaixo identificados consideram que a extinção da FCCN e a sua integração na FCT põem em risco a manutenção da qualidade dos serviços que presta e poderão conduzir a substanciais acréscimos de custos, quando for necessário recorrer ao mercado comercial para suprir a previsível degradação de serviços resultante dessa integração. Também não se percebe a razão para integrar a FCCN na FCT retirando ao CRUP e ao LNEC o envolvimento na definição das políticas gerais de funcionamento e na supervisão da FCCN, nem para alterar radicalmente um enquadramento institucional que deu tão boas provas em mais de 25 anos.

Em conformidade, e também em nome do interesse nacional, os signatários pedem à Assembleia da República para que a FCCN não seja inserida na FCT e seja mantida como entidade privada de utilidade pública, na forma de Fundação como até agora, ou, em alternativa se tal for considerado preferível, na forma de associação sem fins lucrativos cujos associados sejam a FCT e instituições científicas, universitárias e politécnicas.

Assinar a petição (clicar).

23.1.13

Prova Oral.


Está disponível a edição de ontem do programa Prova Oral (Antena 3), onde fui o convidado de Fernando Alvim e Xana Alves.

Seguindo este link, coluna da direita, secção Áudios, data 2013-01-22.

Divirtam-se.

há gente capaz de imaginar que o rato Mickey tem uma anatomia interna.





Portugal tem hoje o teste do bom aluno nos mercados.

Comentário certeiro de Silva Pereira: «As notícias não são o que parecem. É uma operação sindicada e que tem muito de artificial, que é construída e que é protegida e que, além do mais, é sobretudo sustentada naquilo que são as consequências da intervenção do Banco Central Europeu junto dos mercados e em particular do sector financeiro.»


(Imagem daqui)

22.1.13

uns dias de atraso?


Duas perguntas soltas.

1. Com o pedido para ser alargado o prazo para pagar o empréstimo da troika, Portugal deu mais um passo para a renegociação da dívida. Uma vez que muita gente defendia isso há muito tempo, o governo podia ter usado essa possibilidade como factor de convergência, como parte de um processo de apaziguamento interno. Mas optou sempre por tratar como irresponsáveis os que defendiam o que agora acabou por fazer. Terá sido o Eurogrupo a dizer a Gaspar que a guerrinha interna não justificava o custo de renunciar a obter melhores condições para o resgate?

2. O governo apanha o comboio de propostas do PS com um ano de atraso. Esta do "mais tempo" é uma delas, mas já foi antes com a história do banco de fomento, por exemplo. Provavelmente, amanhã será o pedido de juros mais baixos para os empréstimos do resgate. Isso mostra um certo tique do governo, mas não deixa de colocar também uma questão espinhosa ao PS: os portugueses não se perguntarão se a diferença entre o programa do governo e o programa do PS para a parte financeira da crise consiste apenas num certo "atraso"? A pergunta pode ser (acho que é) injusta para o PS, mas é preciso perceber se não é essa mensagem que está a chegar às pessoas.

21.1.13

Apresentação no Porto.


Nesta próxima quinta-feira, 24 de Janeiro, pelas 18h30, estarei no Porto para uma sessão de apresentação do meu livro Podemos matar um sinal de trânsito? Um divertimento político-filosófico acerca da profundidade do quotidiano.

Será na Livraria Leitura - Shopping Cidade do Porto, a apresentação estará a cargo da Professora Conceição Soares (Universidade Católica Portuguesa, Porto).

Ficam convidad@s.

(clicar na imagem para aumentar)


Porque é que os autores do blogue 31 da Armada, quando, a 10 de Agosto de 2009, subiram à varanda dos Paços do Concelho de Lisboa e hastearam a bandeira azul e branca, não restauraram a monarquia, como disseram ter feito, reclamando que foi precisamente com esse gesto que em 1910 foi proclamada a República?
O que explica que Obama tenha repetido o juramento como presidente, no dia seguinte à cerimónia de tomada de posse assistida por milhões de pessoas, desta feita sem anúncio prévio, num ambiente recatado e perante um restrito número de testemunhas?
O que terá uma câmara municipal feito para ser acusada de colocar falsos polícias na rua?
É mais fácil falsificar notas ou falsificar instituições?
Quando cai um sinal de sentido proibido, por esse facto desaparece a proibição de circular nesse sentido naquela rua?
Este livro, com um título que à primeira impressão soa estranho, “Podemos matar um sinal de trânsito?”, convoca um conjunto de factos da nossa vida colectiva, que passam nos jornais e nas televisões como episódios anedóticos, mas que descobrimos serem muito mais sérios do que parecem, desde que nos demos ao trabalho de os olharmos com olhos de ver.
O subtítulo ajuda a esclarecer o que aqui está em causa: “Um divertimento político-filosófico acerca da profundidade do quotidiano”. Neste livro, tentei que esse trabalho de perceber a profundidade do quotidiano se transformasse num prazer, pela forma desprendida como somos levados a descobrir o que pensávamos estar cansados de saber.
Sem ser um romance, este livro é como um romance: no fundo, conta uma história que queremos saber como acaba. Sem ter a forma de um ensaio, é um ensaio: tem uma tese, mas não a impõe, nem arregimenta os argumentos em ordem clássica, deixando ao leitor o trabalho, que aqui é um gosto, de descobrir o seu próprio caminho marítimo para a Índia. É um divertimento, porque divertirá o leitor tanto ou mais do que divertiu o autor, mas é filosofia por ser pensamento estruturado para lá das fronteiras das disciplinas, e é política por questionar dinâmicas profundas da nossa vida colectiva.

cortar na ciência, mais um episódio: a B-On em causa.


Por razões que não vou aqui agora divulgar, chegou-me (mais) uma informação preocupante acerca da forma como está a ser tratada a investigação em Portugal. Diz respeito, desta vez, à b-on, a Biblioteca do Conhecimento Online.

A b-on tornou-se uma ferramenta fundamental para investigar em Portugal: permite o acesso ilimitado e permanente nas instituições de investigação e do ensino superior aos textos integrais de mais de 55.600 publicações científicas internacionais (20.000 publicações periódicas, 21.700 e-books, 13.800 títulos de proceedings e transactions) de 18 editoras internacionais.
Despesismo? Nem por isso. Com a constituição da b-on, bem como com a realização de assinaturas com as editoras internacionais à escala nacional, conseguiram-se economias assinaláveis com uma redução de custos totais a nível nacional para valores entre metade e um terço do que seriam sem essa mesma b-on.
Milho a pardais? Também não. A comunidade científica nacional utiliza intensivamente este recurso imprescindível para a actividade científica diária, tendo realizado 7,7 milhões de downloads de publicações em 2011.

Ora, o que fiquei a saber hoje é uma machadada nesta ferramenta de trabalho: como consequência de uma renegociação dos contratos, os materiais publicados antes de 2005 deixam de estar disponíveis. A informação que me chegou não diz respeito a todas as áreas científicas, mas "ataca" uma das áreas científicas mais "pesadas" entre nós, pelo que é de esperar que outras não sejam menos afectadas quanto à extensão da tesourada. Não é (ainda?) a completa destruição desta ferramenta, mas é uma fortíssima limitação: não se vive só de novidades na investigação, sabiam?

Um professor e investigador, perante esta surpresa (tão brilhante novidade não foi anunciada publicamente, tanto quanto sei; foi descoberta, porque as circunstâncias da vida levaram a que a questão fosse colocada), comentou: se calhar vamos voltar ao tempo das fotocópias em papel, a fazer nas bibliotecas de campus físicos... Lembro-me do tempo em que, quando íamos a certas cidades estrangeiras, se faziam massivas compras de livros que nunca chegavam cá no circuito comercial normal (ou chegavam a preços proibitivos) e quando se visitavam certas universidades "lá fora" se faziam carradas de fotocópias, porque por cá as prateleiras das bibliotecas quase só tinham antiguidades. Lembro-me da sensação que tive quando, no início da minha estadia na Faculdade de Filosofia da Universidade de Louvain-la-Neuve, entrei pela primeira vez na biblioteca da Faculdade: volumes e volumes, de livros e revistas, que apenas tinha visto em referências bibliográficas, estavam ali numa espécie de orgia de disponibilidade para quem quisesse estudar. Pelos vistos tenho de voltar lá e renovar o meu cartão de leitor...

Espero, ansiosamente, a comunicação oficial de que tudo isto é boato, interpretação deficiente do que foi dito, uma notícia infundada acerca de mais um estrangulamento da investigação em Portugal. Por favor, um desmentido, precisa-se.

15.1.13

a ADSE e o resto.


Podemos estar de acordo ou discordar da extinção da ADSE. O que é, certamente, inaceitável é que se esteja contra ou a favor de uma ou outra das alternativas por se pensar que os funcionários públicos que beneficiam da ADSE são maioritariamente eleitores deste ou daquele partido. Os partidos não podem ser apenas espelhos passivos de certas visões presentes na sociedade: os partidos devem assumir-se como propositores de soluções que considerem melhores para o conjunto dos que precisam de ser representados. Considero ainda inaceitável que um partido da oposição deixe de dar a sua opinião sobre um assunto dessa importância por mero cálculo táctico, por contar que o seu ponto de vista não contribui para prejudicar o governo. As oposições não existem simplesmente para estar contra; os partidos devem existir para ajudar a construir soluções e, se não souberem jogar esse papel quando estão na oposição, dificilmente terão oportunidade de o jogar quando estiverem no poder.
Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.

11.1.13

o estranho caso do obscuro relatório.


O relatório do FMI sobre como cortar o Estado em Portugal é um estranho objecto cheio de maravilhosas propriedades.

Desde logo, foi um maravilhoso isco: muitos dos que disseram antes que não estavam dispostos sequer a discutir a "refundação" passista do Estado como mera operação de corte de quatro mil milhões de euros... pronto, já estão a discutir. Essa é uma vitória do governo nesta história. Como podiam não discutir? É sempre má ideia jurar que não se vai a jogo, porque, quando o tema é a doer, qualquer "posição de princípio" que apareça como recusa de conversar será insustentável. Se este ou aquele partido da oposição tem exigências concretas para garantir que a discussão será justa, que coloque essas exigências, devidamente concretizadas e explicadas, em cima da mesa; o que não pode é tentar passar ao lado, porque acabará necessariamente atropelado.

Depois, o relatório revelou em poucas horas a impreparação técnica dos principais servidores do austeritarismo caseiro e internacional. A falsidade fundamental de vários argumentos "técnicos", desde o uso básico de dados incompletos ou truncados, passando pela ignorância das informações mais recentes, até ao esconder de comparações que não servem as teses pré-cozinhadas, tudo isso mostra que a falta de rigor é uma dama que acompanha muito os activistas da austeridade como instrumento de corte dos seus fatos preferidos. Ideologia pura e dura, é assim que ela se topa. Também, não é para menos: tendo o relatório sido, basicamente, soprado por ministros do PSD e do CDS, compreende-se que eles não tenham ainda acabado de virar as casacas que vestiram quando, no tempo dos anteriores governos do PS, se colocaram ao lado do PCP e do BE para atacarem as reformas que vários ministros de Sócrates tentaram aplicar de forma moderada e gradual. Já na altura, na oposição, tinham pouco tempo para estudar os assuntos, porque usavam inventar mistificações; agora, governantes, parece difícil mudar esses hábitos.

Outra maravilhosa propriedade deste relatório é mostrar, se ainda fosse preciso, a monumental mentira que foi a campanha eleitoral da direita nas últimas eleições. Se fossemos juntar todos os vídeos de declarações de Passos Coelho, em campanha, que contradizem explicitamente tudo aquilo que o PM agora acha ideias interessantes e necessárias, teríamos cinema para o resto do ano. E essa é uma questão fundamental da actual situação: o PSD mentiu, não há outra expressão, mentiu descaradamente aos portugueses para "ir ao pote" (expressão de PPC), colocando o interesse partidário acima do interesse do país. A direita escondeu o seu programa, para ganhar eleições, e agora pede ao FMI que apresente por si o seu verdadeiro programa, que pretende aprovar sem o sufragar (como ontem Pacheco Pereira fez notar). Curiosamente, a esquerda da esquerda foi a testemunha abonatória desses falsários: o PCP e o BE foram os partidos que serviram para convencer o eleitorado de que o culpado de tudo era realmente Sócrates e a sua malvadez congénita, passando a imagem de que até Passos e Portas eram menos perigosos do que o "animal feroz".

Contudo, nada disto importa. O que importa é que a esquerda tem de aproveitar esta oportunidade para responder com um programa alternativo, em vez de meras reacções, de meras atitudes defensivas. O PS, se não estivesse entretido a dar toques na bola atrás da baliza, devia convocar urgentemente uns Estados Gerais para o Desenvolvimento Justo e Sustentado, para fazer convergir o clamor da sociedade num programa de saída da crise que fosse alternativo à tarefa destruidora, irresponsável e dolorosa a que esta maioria nos está a submeter. Se não tiver unhas para isso - depois de, por mera táctica interna, Seguro ter ajudado a direita a convencer o país do seu álibi básico, segundo o qual a culpa de tudo isto é do anterior governo do PS - se não tiver unhas para isso, então o PS não serve de facto para nada do que interessa neste momento ao país.

10.1.13

"O FMI a dar razão a Sócrates" ?


Helena Garrido escreveu no Negócios um artigo que dá a impressão que Sócrates começou esta onda que o FMI e o Governo agora "apenas agigantam". João Pinto e Castro ajuda a desmontar a tese. Um excerto:
E aqui chegamos ao cerne da diferença entre as reformas de Sócrates e as “reformas” de Passos. No primeiro caso, foram identificadas ineficiências e oportunidades de melhoria do serviço prestado, de preferência associáveis a programas de redução de custos. Foi por isso que iniciativas como a concentração de escolas ou de serviços de saúde não prejudicaram, antes melhoraram, a qualidade do serviço ao cidadão. (Convém recordar que na altura se encenaram partos à entrada de maternidades fechadas para incitar a opinião pública contra o governo, episódio que mereceu ampla cobertura mediática.)
É a isto que eu de facto chamo reformar o estado.
Por contraposição, não pode ser mais distinto o método aplicado pela coligação PSD-PP. A análise cuidadosa das situações foi em regra substituída por uma inventariação de rubricas de custos significativas, feita à distância e, de preferência, a partir do estrangeiro. (Lembram-se dos ridículos episódios das gorduras do estado, dos gastos intermédios, das fundações e das PPP?)
Tudo isto é feito sem ir ao terreno ou conhecer as causas reais da existência das despesas e da formação dos respectivos custos. Inspira-se este procedimento naquela modalidade de consultoria manhosa consistente em recolher à toa números cujo significado se desconhece e em aplicar reduções inspiradas por comparações destituídas de sentido.

Na íntegra, aqui.

9.1.13

patriotismo é...


Vital Moreira não encontra inconstitucionalidades no Orçamento para 2013.

Patriotismo é um deputado europeu do PS poupar ao Governo o montante necessário para recrutar os "especialistas" que defenderiam a constitucionalidade do Orçamento de Estado.

(Note-se que não defendo a lei da rolha para Vital Moreira, nem para ninguém. Aliás, os deputados do PS que criticaram Seguro por ele dizer que o Partido ia pedir a fiscalização da constitucionalidade do OE, insistindo eles que isso não é competência do Partido, mas dos deputados individualmente, acabam por dar cobertura a esta posição individual de Vital Moreira. Contudo, para quem compreende que o PS empenhou o essencial da sua acção política neste momento neste pedido de fiscalização - talvez por não se ouvir o PS dizer mais nada que se entenda - pode achar estranho que um membro da elite parlamentar do PS (os seus deputados europeus têm de ser assim entendidos) se sinta à vontade para favorecer a posição dos seus adversários. E isto sem sequer ir ao mais grave, que é usar argumentos que contribuem para espalhar ideias erradas, como aquela de que quem é pago pelo Estado é genericamente privilegiado em comparação com os trabalhadores do privado - já que nem todos são iguais na segurança do vínculo; já que a comparação dos níveis de remuneração tem de ser ponderada pelos níveis de qualificação, o que complicaria bastante o argumento de VM. Mas, enfim, o que é tudo isto comparado com a liberdade intelectual...)



MAD.

O MAD é a revista cultural semanal do belga Le Soir.
Na edição de hoje, em capa, o "nosso" filme, Tabu. (É sempre nosso o que é bom, dos outros o que soçobra.)
A crítica começa assim: "C'est l'un des films les plus magiques de ces dernières années." A classificação é quatro estrelas, coisa pouco frequente naquelas páginas. Ainda bem que há estrangeiro. Aqui.


qual é a diferença entre isto e alta traição?


FMI propõe corte de 20% dos funcionários públicos e de 7% nos salários do Estado.

Explica o Público: «No relatório divulgado nesta quarta-feira pelo Jornal de Negócios, o Fundo Monetário Internacional (FMI) propõe uma série de caminhos para que o Governo avance com o corte de 4000 milhões de euros na despesa do Estado a partir de 2014.»

Quer dizer: o Governo de Portugal, em vez de pedir estudos para negociar com o FMI, pede ao FMI estudos para negociar com os portugueses.

3.1.13

FCCN: Quem quer matar um campeão português?


Talvez não saiba o que é a FCCN. Vamos explicar, devagarinho, de modo a que até os ministros do actual governo compreendam. E depois vamos tentar perceber como está o actual governo a tentar matar este campeão português.

A FCCN é a Fundação para a Computação Científica Nacional e foi criada em 1986, com uma dotação financeira iniciai assegurada pelo INIC e pela Secretaria de Estado de Investigação Científica por verbas resultantes da adesão de Portugal ao CERN. Os outros fundadores (JNICT, CRUP e LNEC) disponibilizarem recursos humanos e materiais para a instalação e funcionamento desta nova organização.
A FCCN veio a assegurar em 1991 a ligação de Portugal à Internet numa altura em que os aspectos técnicos da Internet eram pouco conhecidos em Portugal fora da Universidade. Data dessa altura o início fundacional da gestão do domínio de topo .pt pela FCCN, no mesmo ano em que foi inventada no CERN a World Wide Web.
A FCCN também assegura desde 1995 o único Internet Exchange Point de propriedade portuguesa (o GigaPIX) a funcionar para tráfego com origem e destino em Portugal entre os vários ISPs (Internet Service Providers) de forma a evitar custos de tráfego internacional nas comunicações nacionais. A escolha da FCCN pelos ISPs nacionais deveu-se a ser considerada por estes uma entidade neutra em relação aos seus interesses.
A FCCN assegurou o desenvolvimento e o funcionamento da Rede Nacional de Investigação e Educação, que em 1997 foi também designada por RCTS — Rede Ciência Tecnologia e Sociedade, e concretizou nesse mesmo ano a ligação à Internet de todas as escolas do país do ensino básico e secundário com ensino do 5º ao 12º ano. Em 2001 a FCCN concluiu a ligação à Internet de todas as escolas do 1º ciclo do ensino básico, tornando Portugal um dos países pioneiros no mundo a assegurarem a ligação à Internet de todas as escolas de ensino básico e secundário. Também em 2001 a FCCN assegurou a ligação do sistema científico e de educação de Portugal, pela RCTS, à Rede Europeia de Investigação e Ciência GÉANT, criada em Novembro de 2000. Ao longo de 2005 a FCCN assegurou a ligação em banda larga de todas as escolas públicas do ensino básico e secundário, mais uma vez colocando Portugal no restrito grupo de países do mundo que dispunham de banda larga em todas as escolas públicas nessa altura. Desde 2003 são asseguradas ligações no protocolo IPv6 que está a substituir o protocolo iPv4 devido à exaustão iminente do número máximo de endereços IP que este protocolo pode suportar, tendo sido a primeira rede portuguesa a assegurar a compatibilidade com este protocolo.
Em 2004-2005, a FCCN instalou e ficou proprietária de uma ligação dorsal em cabo de fibra óptica ao longo de cerca de 400 Km de Lisboa a Braga. Em 2009 foi concluída a extensão dessa ligação dorsal de forma a chegar a Norte à fronteira com a Galiza e a Este à fronteira com a Estremadura Espanhola, totalizando mais de 1.000 Km de cabos de fibra óptica que garantem a ligação em anel redundante à rede europeia GÉANT através da Rede de Educação e Investigação de Espanha. Note-se que a RCTS assegura a cada instituição científica e a cada instituição do ensino superior e ao ensino superior privado um serviço que não está disponível comercialmente em condições gerais.

Além da infraestrutura básica de rede de muito alta velocidade antes referida, a FCCN foi instalando serviços de alto desempenho sobre esta rede, tirando partido de economias de escala resultantes da rentabilização dos recursos instalados. Destaquemos alguns:


  • Biblioteca do Conhecimento Online (b-on). Planeada em 1999 e começada a disponibilizar em 2004 com cerca de 3.500 publicações, através da qual permite o acesso ilimitado e permanente nas instituições de investigação e do ensino superior aos textos integrais de mais de 55.600 publicações científicas internacionais (20.000 publicações periódicas, 21.700 e-books, 13.800 títulos de proceedings e transactions) de 18 editoras internacionais. Com a constituição da b-on e a realização de assinaturas com as editoras internacionais à escala nacional conseguiram-se economias assinaláveis com uma redução de custos totais a nível nacional para valores entre metade e um terço do que seriam sem a b-on. A comunidade científica nacional utiliza intensivamente este recurso imprescindível para a actividade científica diária, tendo realizado 7,7 milhões de downloads de publicações da b-on em 2011.
  • Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). Desenvolvido em 2008 em colaboração com a Universidade do Minho, integra 44 repositórios institucionais, inclusivamente de todas as universidades públicas e vários laboratórios do Estado, outras instituições científicas, institutos politécnicos e universidades privadas, e contém mais de 110.000 documentos. Desde 2010 a FCCN assegura a concretização de um protocolo de cooperação com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, elevando o número de documentos disponibilizados a partir do motor de busca do RCAAP a perto de meio milhão. No último ano académico, 2011/12, o número de downloads de documentos do RCAAP foi 10 milhões, contribuindo significativamente para aumentar a visibilidade de resultados e instituições de investigação portuguesas através de pesquisas gerais na Internet e para aumentar a utilização e o impacto da investigação, dado que se verifica um grande aumento de citações em resultado da disponibilização em Acesso Aberto.
  • Zappiens.pt, o repositório de vídeos de alta definição de interesse científico, educativo e cultural lançado em 2008 e cujo conceito foi replicado pelo Brasil em 2010 na sequência de protocolo assinado com a FCCN.
  • Computação GRID, através de um cluster de âmbito nacional com um datacenter próprio que levou Portugal a ter uma posição significativa em âmbito europeu na European Grid Initiative.
  • e-U Campus Virtual (eduroarn), iniciativa que foi pioneira ao nível de um país em âmbito mundial, integrando todas as instituições públicas do ensino superior e as instituições privadas aderentes num campus virtual único, por um sistema de autenticação de utilizadores de âmbito nacional e acessível sem fios nos vários campus físicos, o qual começou a ser instalado no final de 2004 e atingiu em Novembro de 2010 mais de 5 milhões de sessões de acesso sem fios mensais.
  • Rede VoIP (Voice over Internet Protocol) para quase todas as instituições do ensino superior público (98%), desenvolvida em 2008-09 com redução a zero do custo de comunicações telefónicas dentro do sistema e significativas economias nos custos de comunicações telefónicas para redes públicas (fixas e móveis). Estima-se que a redução anual dos custos de comunicações de voz das instituições de investigação e do ensino superior seja de cerca de 3 milhões de euros.
  • Segurança informática, apoiada no CERT.PT, a primeira equipa de resposta a incidentes de segurança informática em Portugal a ser acreditada internacionalmente.
  • Arquivo da WEB Portuguesa, que recolhe com regularidade os conteúdos de domínios sob .pt , desde o início de 2008 e tinha no final de 2011 mais de 1.300 milhões de conteúdos arquivados.


Creio que o que fica dito acima é suficientemente clarificador da expressão que utilizamos para qualificar a FCCN: “campeão português”. Alguns países têm instituições deste calibre. Os países que conseguiram isso, orgulham-se dessas instituições e preservam-nas. Com unhas e dentes. Já em Portugal…

No Conselho de Ministros de 11 de Dezembro foi aprovada uma alteração à Lei Orgânica do Ministério da Educação e Ciência que, entre outras coisas, prevê a extinção da FCCN e a inserção das suas atribuições na FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia). Esta decisão foi tomada sem consulta ou aviso prévios de universidades, politécnicos e comunidade científica, dando conhecimento à FCT pouco antes da reunião do Conselho de Ministros e já sem haver oportunidade da FCT poder influenciar a decisão. Ora, dadas as características da missão que tem vindo a desempenhar brilhantemente a FCCN, esta integração-extinção é uma condenação à morte desse campeão português.

É que a concorrência por recursos humanos para as actividades da FCCN tem de ser feita no mercado privado extremamente competitivo dos especialistas de topo de redes informáticas e de sistemas de informação computacionais; e a missão desempenhada pela FCCN requer uma organização autónoma, com meios para uma gestão flexível e eficiente num sector de grande competitividade técnica. Assegurar funções de operação de redes electrónicas de comunicação de Nova Geração e de fornecimento de serviços avançados sobre essas redes exige flexibilidade de gestão e capacidade de recrutamento e renovação de recursos humanos competitivamente com os operadores do sector. Ora, isto só é possível se a FCCN se mantiver como uma entidade autónoma com a presente missão e atribuições e com regras de gestão, recrutamento e remuneração de recursos humanos só possíveis como instituição privada sem fins lucrativos de utilidade pública. Os efeitos desta machadada governamental neste campeão português não se farão esperar: vários técnicos da FCCN já anunciaram a decisão de a deixarem para ingressarem no sector privado; de futuro, será difícil, ou mesmo impossível, recrutar os quadros com as qualificações necessárias para as funções em causa no enquadramento de um Instituto Público como a FCT.

Do ponto de vista do quadro institucional, e das respectivas consequências para o bom governo de um país desenvolvido, esta opção governamental é um puro disparate. É que, tendo a FCCN em Portugal as funções de NREN (National Research and Education Network), esta integração-extinção terá pesados custos. A generalidade dos países da União Europeia, mesmo os mais pequenos, têm uma entidade específica para assegurar estas funções para as instituições científicas e as universidades, que na quase totalidade dos casos é uma entidade privada sem fins lucrativos de reconhecida utilidade pública e com financiamento predominantemente público, como é o caso da FCCN. Seria absurdo Portugal aparecer agora com a novidade de deixar de ter uma tal entidade específica. Acresce que, como NREN, a FCCN tem recebido financiamento da Comissão Europeia no âmbito dos sucessivos projectos GÉANT, que presentemente é próximo de 1 milhão de euros por ano, o que poderá ser posto em causa se a FCCN passar a ser parte da FCT, dado que esta é a principal organização financiadora de I&D nacional.

É preciso impedir este assassínio de um campeão português. A extinção da FCCN como entidade privada sem fins lucrativos de utilidade pública, e a sua integração na FCT, destruirá muito rapidamente a sua capacidade para cumprir a alta missão que tem vindo a desempenhar brilhantemente, essencial para o sistema científico e educativo português.

Parece que a ideia de extinguir a FCCN se deve à politiquice do Governo que não quer deixar extinguir a chama da mal amanhada operação de pseudo-avaliação das fundações. Essa avaliação deixou incólumes alguns monstros dos amigalhaços (como a Fundação Social Democrata da Madeira), tentou enlamear fundações com relevantes serviços prestados ao país (como a Gulbenkian) e serve, entretanto, para matar campeões. É o caso da FCCN. Sabe-se que a FCCN recebeu em 20 de Setembro passado uma comunicação, em carta muito sucinta assinada pelo Secretário de Estado da Administração Pública, com os resultados da avaliação realizada, informando que o Governo tinha decidido “não reduzir ou cessar os apoios financeiros públicos e/ou não cancelar o estatuto de utilidade pública” a essa Fundação. Agora, em espírito natalício (sim, os diabos também festejam o Natal, mas à sua maneira), vêm tentar aniquilar um campeão nacional.

Será que a FCCN está destinada a ir parar a mãos angolanas, para compor algum negócio que não esteja suficientemente arredondado?

(Este texto usa extensivamente palavras e informações de autores mais qualificados do que o seu subscritor aqui no blogue. Não exponho aqui essas fontes e autores por respeito à privacidade dos seus actos, mas não posso deixar de mencionar que, sem esse “alimento”, este texto não teria sido possível.)


2.1.13

breve: a mensagem de Ano Novo de Cavaco.


Devo dizer que não me escandaliza nada que o PR promulgue o Orçamento de Estado e depois peça a fiscalização da constitucionalidade de algumas normas. Pode parecer estranho, mas é a conciliação possível entre, por um lado, a necessidade de não deixar que o ano comece sem orçamento e, por outro lado, o exercício de escrutinar a constitucionalidade quando haja nessa matéria dúvidas. Talvez a solução não seja perfeita, mas nem sempre há soluções perfeitas à mão.
Já a mensagem de Ano Novo, proferida ontem por Cavaco, é um monstro político. O Presidente tenta ficar de bem com Deus e com o Diabo, pingando ora aqui ora ali, mas proferindo de cátedra afirmações sobre temas de política corrente que não são nem tão claros como quer dar a entender, nem temas nos quais o primeiro magistrado da nação deva precipitar-se como um qualquer comentador político. Exemplo do que quero dizer é a pressa em atirar para canto qualquer possibilidade de sermos parcialmente aliviados da dívida. Se viermos a precisar, o que não é de excluir, com que cara fica o Presidente? Ao mesmo tempo, coisas mais estruturantes, como a necessidade de respeitar (e até reforçar) os mecanismos de concertação política e social, ficaram, parece-me, no tinteiro. E, como se vê pela ligeireza com que o governo desrespeita os parceiros sociais, desta vez na alteração dos valores do subsídio de desemprego, faria falta uma palavra do Presidente nessa matéria.
Assim sendo, ficou bem que Cavaco não olhasse os espectadores de frente e falasse de olhos ligeiramente baixos. Claro que foi por causa do teleponto estar mal posicionado e não por excesso de humildade, coisa que CS desconhece. Mas uma tão grande falta de percepção do que lhe competia fazer, só por si, justificaria que nos falasse nessa postura.