25.10.12

mas a má-fé não devia ser proibida a estes tão grandes cristãos ?



Descobri esta pérola no Esquerda Republicana.

Pesquei, apenas, uma citação longa (da p. 209), a dar uma justificação perfeitamente ridícula dos Papas escandalosos:

«Os maus papas, aqueles que deram um mau exemplo com a sua vida desordenada, com os seus prazeres, com a sua avareza, às vezes até com algum despotismo no exercício da sua função, esses papas fizeram um serviço enorme à Igreja, porque, sendo eles maus, não perverteram nem alteraram nada daquilo que era a doutrina, nem a moral da Igreja. Humanamente, como não tinham nenhuma autoridade sobre eles, poderiam ter dito: "Meus senhores, como não vivo desta forma, vou mudar a lei para que não esteja em contradição, para que a minha vida não esteja em oposição com aquilo que eu digo." Mas eles sabiam que, enquanto Simão, por assim dizer, eles eram defectíveis, enquanto Simão, eles eram pecadores, enquanto Simão, eles eram homens iguais aos outros, como todos os papas são. Mas não enquanto Pedro: enquanto Pedro eles são aqueles que têm a obrigação de confirmar os irmãos na fé. São aqueles pelos quais Cristo rezou. Como disse Cristo: "Mas eu rezei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos" (Lc 22,32).»

Estes "cristãos" não precisam dos anti-clericais para nada: eles próprios se encarregam de denegrir a religião, as igrejas, as teorias teológicas. Monumentos à má-fé.

carta de Zagreb.


O biógrafo e o biografado, no lançamento do livro, a 23/10/2012. (Foto: LUSA)


Post convidado. Publico hoje um texto que não é da minha autoria, mas que foi escrito propositadamente para este blogue. Que seja um texto de um Amigo, é verdade mas é coisa que só me interessa a mim (e a ele, Autor, suponho). Que seja um texto de um intelectual croata, professor universitário, ex-embaixador do seu país em Portugal, já julgo interessar aos leitores. Trata-se de uma nota de leitura sobre uma obra que acabou de sair, que deve justificar o vosso apetite pela mesma.

***

"A" (e não "uma") biografia de Jorge Sampaio, de José Pedro Castanheira

Jorge Sampaio - Uma biografia, da pena de José Pedro Castanheira é a uma obra que provoca a admiração. No fundo, não se trata apenas de uma biografia. É uma obra historiográfica ímpar sobre um período da democracia portuguesa, entremeada com o papel que o biografado nele desempenhou.

Devem escassear, no mundo, obras semelhantes, para além de algumas sobre estadistas "históricos", dos grandes países. E nem todos. Dos países pequenos, nem se fale. Por exemplo, Tito não tem uma biografia feita com o mesmo rigor historiográfico, neutro do ponto de vista ideológico.

A obra impressiona tanto pela abrangência das fontes quanto pela meticulosidade do autor no seu tratamento, pelo trabalho nos arquivos, pelo exame crítico e pela confrontação das fontes, pelas várias interpretações possíveis e pelas conclusões. E tudo isso vertido numa linguagem suculenta, de fácil leitura, estilisticamente nivelada sempre no mesmo - e alto - nível.

É uma biografia "autorizada", facto que, a priori, poderia criar um certo desconforto. Mas, explicando na Introdução como trabalhou e como o ex-Presidente da República cooperou com ele, José Pedro Castanheira soube dissipar qualquer dúvida que possa surgir a partir desse facto. Lá coloca a questão de uma maneira tão transparente que acalma até os leitores mais desconfiados, que porventura possam pensar, a ver que se trata de uma biografia autorizada, estar perante uma hagiografia encomendada e dirigida, como há tantas.

A obra é muito mais do que uma biografia. É simultaneamente o testemunho sobre Jorge Sampaio, mas também sobre a sua geração e um período histórico que a sua geração atravessou. Frequentemente, as biografias dos homens políticos têm a contextualização histórica como mera moldura para a fotografia. Nessa, o contexto social e político é entrelaçado com a vida pública e privada do biografado, no período escolhido que termina com a eleição de Jorge Sampaio para o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

A outra mais-valia, a que atribuo muita importância, é a insistência do autor, para não dizer obsessão, de documentar o mais completamente possível aquilo que, na época, tinha a sua importância e influência no fluxo político – público e privado - e que, apresentado no livro, adquire um significado novo, ou renovado: falo da apresentação dos discursos na íntegra, vários documentos inéditos, abaixo-assinados completos com os nomes dos subscritores, testemunhos dos actores que testemunharam pela primeira vez, etc.

Face a pormenores que José Pedro Castanheira desenterrou da poeira dos arquivos e a dados que conseguiu reunir sobre várias personalidades ou factos da vida deles, até sem falar do próprio biografado, há de se parafrasear Onésimo Teotónio Almeida a comentar, impressionado, uma tese de doutoramento, minuciosa e exaustiva: realmente, nas 1.060 páginas de Jorge Sampaio – Uma biografia (só o Índice onomástico tem 37 páginas!) faltam só os números de telefone dos protagonistas…

Creio que a muitos leitores, na política e fora da política, se abrirão os olhos perante determinados episódios descritos e explicados, ou pelo menos a imagem já feita obterá novas pinceladas e novas cores. E os leitores mais jovens poderão melhor compreender várias situações políticas em que Jorge Sampaio participou após a época examinada nessa primeira parte da biografia.

O biógrafo é conhecido como um escritor e repórter de raça, mas nesse livro revela-se como um historiador de raça também. E que historiador! Nas estantes abundam vários livros dos historiadores de profissão, até reputados, que nem metodológica nem estilisticamente poderiam chegar à altura dessa obra de José Pedro Castanheira. Esperemos que a historiografia "oficial" e os historiadores "de carteira" encontrem a força de lhe reconhecer o mérito.

Želimir Brala
(Antigo Embaixador da Croácia em Lisboa)

24.10.12

as Pussy Riot são vândalas?





Houve por aí muito boa gente a aprovar a condenação das Pussy Riot lá para as bandas de Moscovo. O argumento era: elas cometeram um crime. Suponho que o crime seria um acto de vandalismo: elas fizeram uma actuação relâmpago numa igreja para protestar contra o conluio entre a Igreja Ortodoxa Russa e Putin. O conluio passou por uma implicação oficial e explícita dos líderes religiosos nas eleições, com clara indicação de voto no ex-presidente e novo presidente que usa uns truques tipo Isaltino de Morais para se perpetuar no poder.
Defendi, em conversas por aí na rede, que a actuação das Pussy Riot não era um acto de vandalismo contra um lugar de culto, nem um ataque anti-religioso. Eu também seria contra um ataque à igreja, se fosse isso que estivesse em causa. O que julgo é que não era esse o caso. O protesto era contra uma entorse à democracia cometida com a cumplicidade activa dos dirigentes religiosos. Foi isso que as Pussy Riot declararam, as circunstâncias tornavam perfeitamente credível o objectivo declarado das cantoras punk. Defender as liberdades, mesmo na Rússia, justifica meios extraordinários para situações extraordinárias - e a situação da democracia e dos direitos humanos na Rússia é uma emergência. Falar como se a actuação das Pussy Riot fosse equivalente a, no dia de hoje, os Homens da Luta invadirem a Sé de Lisboa, é não perceber nada do que está a acontecer na Rússia de hoje comandada por um ex-KGB (Putin).

O que está em causa torna-se cada vez mais evidente. À luz de "avanços legislativos" destinados a favorecer o controlo social por parte da Igreja Ortodoxa, Igreja que está a ser um aliado fundamental de Putin no cerceamento progressivo da democracia, avançam em várias frentes os movimentos de censura. Agora querem proibir o símbolo da Apple, a maçã dentada, porque faz lembrar o episódio da maçã no Génesis bíblico. Não contentes com o delírio, querem que a Apple use a cruz como novo símbolo.

É isto que está em causa: Putin, que já disse ser contra a separação entre a Igreja e o Estado, tem um projecto ditatorial que envolve a Igreja Ortodoxa como máquina de controlo ideológico e como tenaz para esmagar as ideias inconvenientes. Do ponto de vista da democracia, está é uma situação excepcionalmente perigosa. Para situações excepcionais, actos excepcionais. Os que trataram o caso das Pussy Riot como um "caso de tribunal" não perceberam isto. Infelizmente, creio que o tempo acabará por abrir os olhos aos bem intencionados que subscrevem essa tese. Não podemos é ficar à espera enquanto são distraídos por juridismos fora do mundo.

Russian Christians Demand Apple Change 'Offensive' Logo to Cross.

Russian Christians boosted by Pussy Riot law spank 'sinful' Apple logo

(agradeço os links à Palmira)

Jorge Sampaio, uma biografia.




Ontem fui ao lançamento do mais recente livro do jornalista José Pedro Castanheira, “Jorge Sampaio – Uma Biografia” (primeiro tomo). Pelo que vi e já pude bisbilhotar no livro, não é “uma biografia”, mas sim “A” biografia. E, além disso, como bem sublinharam Rui Vilar e António Costa, apresentadores da obra na sessão de ontem, é, mais do que uma biografia de um homem, uma peça de história política de uma época crucial da história portuguesa contemporânea. Tinha pensado deixar esta leitura para as próximas férias, mas não sei se resisto até lá.

Entretanto, para me associar à homenagem que este livro também representa, e ocasiona, conto aqui um pequeno episódio das minhas andanças pelos bastidores da vida política portuguesa, que inclui a personagem Jorge Sampaio há um bom par de anos.

A coisa passa-se depois de Vitor Constâncio se ter demitido de SG do PS, em Outubro de 1988, abrindo a dolorosa questão da sucessão do líder. Constâncio tinha sido o primeiro líder pós-Soares, rodeado por gente com ideias frescas e uma nova abordagem ao papel dos socialistas no país e no mundo, e a sua demissão, prematura e com estrondo, constituíra um choque para toda aquela gente a tentar dar um fôlego diferente ao PS. Apesar das críticas (mais ou menos veladas) de Constâncio a Guterres (os “generais” do partido, criticados por não darem a cara, seriam, antes de mais, o “general Guterres”), havia na comunicação social e nos mentideros a convicção de que Guterres estava calhado para ser o próximo líder.

Alguma dessa agitação prospectiva em torno do nome de Guterres devia-se a um erro de apreciação quanto às “facturas” que a demissão de Constâncio tinha deixado para pagar. No seio do PS, muitos culpavam Guterres de conspiração para alcançar o topo e, portanto, de deslealdade, enquanto Sampaio era avaliado como tendo feito tudo o que podia para travar batalhas pelo partido. Obviamente, os meios diplomáticos em Lisboa estavam atentos à evolução de um partido que mais tarde ou mais cedo voltaria a ser governo.

Nessa altura eu era mais um jovem colaborador de Sampaio na área das relações internacionais, pela qual ele era responsável, como “Secretário Internacional”. Cabia-me, na distribuição de tarefas, uma área da política internacional que na altura era muito relevante e estava em grande ebulição, além de interessar muito a Sampaio – e na qual aquela direcção do PS tinha mudado muito a forma de estar que tinha sido a do “soarismo”: as relações Leste/Oeste e as questões da paz e do desarmamento. No desempenho dessas funções, uma das minhas tarefas consistia em alimentar o fluxo de informação com as embaixadas dos “países de Leste” na capital portuguesa. Essas relações estabeleciam-se, normalmente, com diplomatas acreditados. Contudo, no caso da União Soviética, com um aparelho mais sofisticado e diversificado, os meus contactos regulares eram com o “homem” da TASS (agência noticiosa soviética) em Lisboa, um georgiano culto e muitíssimo interessante, com quem conversava de muita coisa além da política imediata.

Ora, o nosso Igor quis, por aquela altura, almoçar comigo para confirmar as suas ideias acerca do que se iria passar no PS. Claro que ele julgava Guterres mais do que certo como próximo SG. Eu não tinha nenhuma informação privilegiada: tinha uma boa relação com Sampaio, mas não fazia parte, de forma nenhuma, do seu círculo restrito e, claro, ele nunca iria passar-me nenhuma informação reservada sobre o que se estava a desenrolar. Não tinha informação privilegiada mas conhecia o meio e era capaz de analisar a situação interna, pelo que lhe disse: Igor, estás equivocado, vai ser Sampaio.

Isso deu uma grande conversa, com Igor a tentar perceber os meus elementos de análise, mas desconfiado: afinal, eu era suspeito de simpatia pelo Secretário Internacional. Quando, depois, o homem da TASS viu a realidade confirmar a minha profecia, foi notório que ele me tinha “promovido” na sua “hierarquia” de contactos. Afinal, eu seria um fino analista dos bastidores socialistas! Essas “promoções”, no meio ritualizado das relações internacionais dessa altura e com aqueles interlocutores, eram dadas por sinais muito comezinhos, como a frequência dos convites para almoçar e os restaurantes escolhidos para o efeito. Neste caso, além disso, levou pouco depois a um episódio que me deixou sem nenhuma dúvida de que Igor era mesmo, além de jornalista, um espião a fazer o seu trabalho de estender a rede. A minha sorte era que eu estava bem documentado sobre as armadilhas com que os agentes da espionagem envolviam os seus contactos até tomarem conta deles. Mas essa história deixo para outra altura.

Relato um episódio marginal e sem importância alguma para a história do país. Mas serve-me de pretexto para expressar o meu respeito por um homem íntegro e brilhante, com o qual nem sempre estive de acordo, mas a quem, como cidadão, agradeço a verdade com que sempre se entregou a valores mais altos do que os seus interesses pessoais ou de grupo e a coragem de pensar e agir em horizontes mais vastos do que o imediato.

um suave cheiro a vasconcelos (na nossa política europeia).



Paulo Rangel, eurodeputado do PSD, fez, em artigo no Público, uma acertada crítica à (ausência de) condução da política europeia por Paulo Portas.
Esta crítica não pode ser lida apenas como uma alfinetada a Portas. Trata-se, muito mais do que isso, de mostrar que os nossos "negócios estrangeiros" estão a ser conduzidos de forma ruinosa para Portugal. Esquecemos o essencial e escondemos a cabeça na areia, para não distrair Gaspar da sua folha Excel. A política internacional deste governo está a ser conduzida de forma a envergonhar os "homens da lavoura" tão citados nas feiras de Paulo Portas. Mas não se pode dizer que o líder do CDS seja o único responsável: se Passos e Gaspar querem que a nossa política europeia seja uma política de silêncio e submissão, Portas pratica essa política escolhendo andar por outras paragens onde essa questão não seja suscitada.
Um tal Miguel de Vasconcelos seria capaz de se rever neste encolhimento dos governantes face aos senhores que mandam a partir do lado de lá da fronteira.

(excertos do artigo de Paulo Rangel neste post)

(imagem roubada ao A Terceira Noite)

Vítor Gaspar e a (nossa) falta de sorte.




Vale mesmo a pena, para saber da nossa "falta de sorte", ver esta intervenção de João Galamba.

23.10.12

Estamos a viver o sonho de Passos Coelho.


Este governo já fez cinco revisões do Memorando de Entendimento entre Portugal e a Troika. Nunca chamou a oposição (nem mesmo o principal partido da oposição) para participar nessas revisões. Entretanto, a maioria insiste em que o PS devia respeitar o Memorando, porque o assinou - apesar de já não estarmos a falar do mesmo Memorando. Batota política, portanto.
Só que, além disso, há uma grande diferença entre a posição do PS e a posição da direita. O PS, enquanto esteve no governo, tudo tentou para evitar o "resgate", porque sabia que isso traria o que está à vista e porque tentou que a situação fosse resolvida de outro modo com a ajuda europeia. Não conseguiu. Sócrates teve de engolir a pastilha, quando para isso foi empurrado, já na situação periclitante de governo demissionário. Para que a história tivesse sido assim, contribuiu bastante o interesse eleitoral interno da chancelerina Merkel, mas também a crise política promovida por Passos Coelho, pressionado para assaltar o poder, com a ajuda inestimável do CDS, do PCP e do BE. Pode tudo isto parecer estranho e incongruente, mas, pelo menos do lado do PSD, é perfeitamente compreensível. Tudo o que se está a passar faz parte da agenda ideológica de Passos Coelho, que, com os seus aliados vários, está a aproveitar a oportunidade para fazer a sua contra-revolução.

Têm dúvidas? Não tenham. A seu tempo, isso foi explicado por quem de direito. Vejamos.
A 3 de Maio de 2011, Eduardo Catroga, representante do PSD nas negociações do "programa de ajustamento" entre Portugal e a Troika, afirmou que a negociação do programa de ajuda externa a Portugal «foi essencialmente influenciada» pelo PSD e resultou em medidas melhores e que iam mais fundo do que o chamado PEC IV. (fonte(outra fonte)
Aliás, Catroga anunciava o resultado da sua influência no programa de ajustamento: tudo seria muito melhor do que com o PEC IV, Portugal ganhava uma "oportunidade para fazer as reformas que se impõem". (link para ouvir)

Na verdade, que esta maioria se esteja sempre a justificar com o anterior governo é uma mistificação. Esta maioria está a fazer aquilo que Passos Coelho quis ter a oportunidade de fazer, como, aliás, o próprio explicou. Vejamos.
No final de Janeiro deste ano da desgraça de 2012, Passos Coelho, presidente do PSD e já então primeiro-ministro, afirmou sem rebuços que o seu partido tem um "grau de identificação importante" com o programa acordado com a 'troika' e quer cumpri-lo porque acredita nele. Nas suas palavras: "(...) o programa eleitoral que nós apresentámos no ano passado e aquilo que é o nosso Programa do Governo não têm uma dissintonia muito grande com aquilo que veio a ser o memorando de entendimento celebrado entre Portugal, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional". Ainda segundo o presidente do PSD, "executar esse programa de entendimento não resulta assim de uma espécie de obrigação pesada que se cumpre apenas para se ter a noção de dever cumprido". (fonte) (outra fonte)

Tudo isto explica porque Passos e Gaspar nem querem ouvir falar em agir politicamente para mudar as condições do resgate. Ao ponto de o PM de Portugal ir a um Conselho Europeu e ficar calado acerca do que está acontecer por cá: Cimeira europeia: Portugal não consta entre os países que alertaram para o impacto social da crise. Parece que estamos a viver o sonho de Passos Coelho e ele não quer acordar.

22.10.12

obrigar o governo a governar.


Não se enganem: 8 de Fevereiro de 2011.




memorando só há um, este e mais nenhum. será mesmo?


O "Memorando de Entendimento", o acordo que estabelece as condições em que as fatias do empréstimo da Troika serão entregues em determinados momentos, já foi objecto de cinco revisões. Cada uma dessas revisões foi negociada (às escondidas, pelo governo) e introduziu variações substanciais ao Memorando inicial. Isso traduz-se em eliminar, acrescentar ou modificar exigências que a Troika faz ao governo de Portugal. Uma parte do exercício de avaliar a forma como este governo tem gerido a crise passa por compreender estas revisões. Afinal, é nessas revisões que se traduz, em parte, a política de "ir além da troika" seguida por Gaspar seguido por Passos seguido por Portas (este fazendo de conta, como quem não quer a coisa).
Assim, espanta que se continuem a fazer exercícios de comparação das políticas governamentais com o Memorando, quando se toma para base de comparação o Memorando que já lá vai. Mais espanta que, tendo-se perguntado se não seria melhor actualizar a comparação com as revisões, se tenha como resposta "memorando há só um, este [o inicial] e mais nenhum". Não pretendo afirmar que a comparação específica que Domingos Amaral aqui faz seja afectada pelas revisões do Memorando. Não estudei o suficiente para afirmar isso. O que se trata de afirmar é que não se compreende como este governo tem mudado este nosso mundo se não se compreender como tem feito as coisas para "ir além da troika". E trata-se ainda de afirmar que, se ignorarmos as possibilidades de remendar noutra direcção o Memorando (veja-se o artigo de Miguel Cadilhe no Expresso/Economia de sábado passado, sobre a "renegociação honrada"), estamos a ignorar uma parte fundamental da equação.
É que, na verdade, memorandos há muitos.

21.10.12

grandes teorias económicas.


Cortar na despesa do Estado é virtuoso; aumentar os impostos (ir pelo lado da receita) é pecaminoso.
Muito bem.
Vejamos a história dos subsídios que foram cortados. Se não lhe pagarem o subsídio de férias, isso é, naquela classificação, virtuoso: cortaram na despesa. Se lhe pagarem o subsídio e depois lho forem buscar com uma taxa suplementar de imposto sobre o rendimento, é pecaminoso, porque aumentaram as receitas por via dos impostos.
A minha pergunta é: para si, que fica sem o subsídio de qualquer maneira, qual é a diferença? Nenhuma. A diferença está no discurso "económico", que se torna, assim, uma mera variante da conversa da treta. De uma certa maneira, a equação fica mais bonita. Para si, o resultado é o mesmo: depenado, ponto final.

18.10.12

estátua que Passos Coelho mandou erigir a Paulo Portas.



(Budapeste, Março de 2006. Foto de Porfírio Silva)

gente que polui mais do que chaminés fabris sem filtros.


António Barreto denunciou a existência de "cláusulas secretas" nos contratos das PPP, considerando que "não é aceitável" que haja condições escondidas em contratos de "um Estado democrático".

"Eu sei há muito tempo, por acaso, há quatro anos que sei que há cláusulas secretas nas PPP", declarou aos jornalistas o sociólogo António Barreto, à margem do 4.º Congresso Português de Demografia, que decorre hoje e quinta-feira em Évora.

A comissão parlamentar de inquérito às PPP dos sectores rodoviário e ferroviário questionou António Barreto sobre essa crucial informação para se perceber tamanho escândalo.

António Barreto respondeu não conhecer "nenhuma" cláusula secreta nas parcerias público-privadas. Admite, por outro lado, ter criado "a convicção que existem cláusulas secretas ou reservadas ou contingentes", na resposta enviada hoje à comissão parlamentar de inquérito.

Com tudo isto, eu criei a convicção de que António Barreto é um poluidor da nossa vida pública. Um irresponsável. Um demagogo. Um fala-barato. Um tipo que usa os seus créditos académicos e a sua visibilidade para propalar boatos convenientes às suas inclinações políticas e às suas embirrações. Claro, depois disto vai continuar a dizer coisas em público, sem vergonha nenhuma - porque, manifestamente, a vergonha foi coisa que já perdeu há muito.

alô, é do governo? está aí alguém?!


O debate internacional acerca da forma como as instituições relevantes estão a obrigar os países a lidar com a crise está cada vez mais animado. A noção de que continuamos a cozinhar o desastre é cada vez mais nítida (ver abaixo notícias do FMI).
Alguns, contudo, ainda andam pelas redes sociais, televisões, blogues e jornais a fazer de conta que nada disto existe, que tudo isto é fado. São como aqueles guerrilheiros que continuam perdidos na selva, a disparar as suas armas impotentes contra inimigos que persistem em imaginar, sem saber que a sua guerra já acabou, que os seus comandantes já desertaram, que o mundo é já outro.
Que isto se passe com esse mundo de guerrilheiros perdidos no mato (entre os quais se contam os que ainda tentam culpar o Tribunal Constitucional por exercer a vigilância do respeito pela lei fundamental), é o menos. As ilusões não se lavam com sabão, percebe-se. Agora, que o governo de Portugal, também ele, continue perdido em parte incerta, escondido da Europa, mudo como um alienado, é que não se percebe. Um governo que não entende que a batalha na frente europeia é a batalha de todos os dias, é um governo regional. Menos: um governo calado na Europa, que se limita a acenar em concordância com as reguadas, é um governo que vale menos que uma junta de freguesia.
É preciso mobilizar a inteligência de Portugal para entrar no debate internacional das alternativas. Não falo de levar Louçã a manifestações na Grécia. Nem de mandar Borges tentar recuperar o contacto com os seus amigos do FMI ou da Goldman Sachs. Falo, por exemplo, de organizar uma conferência internacional para debater as alternativas no caso português. Conferência que pode ser organizada em Lisboa ou em Frankfurt, em Zurique ou em Nova Iorque, em Paris ou em Estocolmo. Falo, por exemplo, em incentivar alguns dos nossos académicos a pedirem audiências a Merkel e aos primeiros-ministros que tendem a ser mais duros com Portugal. Falo, por exemplo, de incentivar as nossas universidades a convidar académicos estrangeiros que não nos compreendem para debater cá as nossas alternativas. Pugno por uma ofensiva de pensamento ao nível internacional, ao nível europeu e mais longe. Se o Álvaro é tão orgulhoso do seu recanto académico no Canadá, use esses contactos de emigrante, que nós agradecemos (já que o Gaspar se entretém a lembrar que fomos nós que pagámos para ele saber tão bem como dar cabo de nós).
Isto, claro, deveria sempre ser acompanhado de uma atitude do governo que não fosse de submissão e reverência face aos nossos parceiros internacionais. Porque a nossa perda de soberania começa com o nosso silêncio na política europeia. E se há silêncios que custam caro, este é um deles.

***

FMI: redução da dívida pública leva tempo e tem de ser realista.

Jorge Nascimento Rodrigues no Expresso:

Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as políticas de ajustamento orçamental nos países desenvolvidos aponta para três lições e analisa "o bom, o mau e o feio" em 26 episódios em que a dívida pública esteve acima de 100% do PIB. (...)

Da história económica dos ajustamentos orçamentais desde o final do século XIX nos países desenvolvidos com níveis de dívida pública (bruta) superiores a 100% do Produto Interno Bruto (PIB), retiram-se lições importantes para a atualidade, segundo um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicado no "World Economic Outlook" (WEO) divulgado na semana passada em Tóquio. (...)

Ainda que os pacotes de políticas em cada um dos 26 episódios analisados tenham sido muito diversos, a equipa do FMI liderada por John Simon, Andrea Pescatori e Damiano Sandri retira, para a atualidade, três lições:

# A redução com sucesso da dívida pública requer tanto consolidação orçamental como uma mistura de políticas que apoiem o crescimento económico. Aspetos fulcrais são uma política monetária que apoie o crescimento e medidas que ataquem as fraquezas estruturais na economia;

# A consolidação orçamental deve privilegiar reformas estruturais e persistentes das finanças públicas e não medidas orçamentais temporárias e de curta duração que não gerem uma trajetória de redução consistente;

# Reduzir a dívida pública e o défice orçamental leva tempo, e ainda mais num contexto de ambiente económico externo fraco como é o atual. Mesmo em contextos mais favoráveis, no passado, "melhorias sustentáveis de mais de um ponto percentual por ano são raras".

O estudo aponta ainda para dois alertas:

# As políticas de "desvalorização interna", como a que foi seguida no Reino Unido depois da 1ª Guerra Mundial, são particularmente arriscadas. Em geral, têm custos elevados. No caso britânico teve resultados "desastrosos" - mais desemprego, crescimento económico medíocre durante duas décadas e continuação da trajetória de aumento da dívida pública. O ambiente social e político aqueceu culminando com a greve geral de maio de 1926. Determinar se o custo dessa "desvalorização interna" ultrapassa o benefício para a competitividade exige mais investigação;

# A situação atual de continuação da crise internacional aponta para um "ambiente externo" que não é favorável, ao contrário dos casos com sucesso no pós-2ª Guerra Mundial e nos anos 1980 e 1990. "As expetativas sobre o que se consegue alcançar têm de ser colocadas de um modo realista", sublinha o FMI. (...)

Vale a pena ler na íntegra.





16.10.12

Merkel vem aí.


Merkel vem aí e podemos começar a pensar no que isso vai representar para a nossa posição como país na Europa e no mundo. Sem ser simpático (para os gregos), este artigo de Jean Quatremer pode, mesmo que em parte ou no todo discordemos dele, perspectivar os desafios dessa ocasião: Os anti-Merkel imbecis e maus.

finalmente, uma boa explicação para a UE ter o Nobel da Paz.


Let's dedicate the EU's Nobel peace prize to Europe's sexual revolution.

(Versão portuguesa do artigo.)

Não é paródia, é uma ode ao programa Erasmus. E, ao mesmo tempo, uma proposta sobre o destino a dar ao dinheiro do prémio: como o Erasmus está falido, usem o dinheiro para pagar reembolsos atrasados.

isto é um beco?


Manifestamente, o líder do PSD candidatou-se a primeiro-ministro sem consciência do que isso exigia. Sem preparação, limitou-se a prometer tudo o que lhe parecia que o poderia alcandorar ao pote (para usar a expressão do próprio). E agora anda à nora e alguém que pague.
Não lhe querendo ficar atrás, o líder do CDS pensava que podia fazer parte do governo e da oposição ao mesmo tempo. E insiste numa receita que já conhece: já uma vez ajudou a atirar Portugal para uma crise política, que entornou definitivamente o caldo, e agora parece estar tentado a fazer o mesmo, esquecido do verdadeiro custo de andar sempre a ir a votos. Só não percebo que ainda se depositem esperanças no "patriotismo" de Portas: a única pele que conhece é a sua própria; sairá quando julgar que isso lhe rende mais.
No meio disto, seria conveniente que o Presidente da República não alimentasse ilusões, mesmo que o alimento venha do silêncio. Julgo que Cavaco Silva deveria exigir a esta maioria que limpe a casa e governe - de preferência, cumprindo o que prometeu aos portugueses. Julgo que o Presidente deveria matar pela raiz os sonhos de "governos de inspiração presidencial", deveria reclamar dos partidos da maioria o mínimo de não alimentarem mais a fogueira, deveria reclamar uma reestruturação a sério deste governo (não só nomes, também organização, com ou sem Passos Coelho) e deveria exigir que o governo governasse. E deveria fazer isso pelos meios institucionais próprios, não nas "redes sociais" - e tem meios institucionais mais claros do que "os bastidores".
Claro, muitos gostariam de "refrescar" tudo desde já. Mas não vejo que se possa avançar só por ir a votos quase todos os anos. Não podemos gastar o que não temos: o nosso sistema político já não tem as reservas de credibilidade que lhe permitam desgastar-se mais em legislaturas-fósforo (que ardem como um fósforo).

15.10.12

A causa longínqua (outra "epístola aos deterministas").


De Chirico, O Grande Metafisico (1916), Neue Nationalgalerie, Berlim


Dedico este excerto de uma obra de Jorge Luis Borges a todos aqueles que acreditam que o mundo é uma grande máquina, com peças muito bem encaixadas umas nas outras, em que, causa após causa, tudo o que nós fazemos (melhor, tudo o que nos acontece) é determinado pela longa sequência de tudo o que aconteceu antes, de tal modo que a nossa liberdade é pura ilusão (e assim deverá ser, também, a nossa responsabilidade).


A causa longínqua.


Em 1517, o padre Bartolomé de las Casas teve muita pena dos índios que se extenuavam nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas e propôs ao imperador Carlos V a importação de negros, que se extenuaram nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas. A essa curiosa variação de um filantropo devemos factos infinitos: os blues de Handy, o êxito alcançado em Paris pelo pintor doutor oriental D. Pedro Figari, a boa prosa bravia do também oriental D. Vicente Rossi, o tamanho mitológico de Abraham Lincoln, os quinhentos mil mortos da Guerra da Secessão, os três mil e trezentos milhões gastos em pensões militares, a estátua do imaginário Falucho, a admissão do verbo linchar na décima terceira edição do Dicionário da Academia, o impetuoso filme Aleluya, a forte carga de baioneta conduzida por Soller à frente dos seus Pardos y Morenos no Cerrito, a graça da menina Fulana, o mulato que assassinou Martín Fierro, a deplorável rumba El Manisero, o napoleonismo corajoso e encarcerado de Toussant Louverture, a cruz e a serpente no Haiti, o sangue das cabras degoladas pela catana dos papaloi, a habanera mãe do tango, o candombe.

Além disso: a culpável e magnífica existência do atroz redentor Lazarus Morell.


Jorge Luis Borges, História Universal da Infâmia (1935).
(Primeira secção de “O atroz redentor Lazarus Morell”. Tradução portuguesa de José Bento, in Jorge Luis Borges, Obras Completas, Volume I (1923-1949), Lisboa, Círculo de Leitores, 1998, pp. 295-355)

12.10.12

aula prática de direito.


Uma manhã, quando nosso novo professor de “Introdução ao Direito” entrou na sala, a primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na primeira fila:
- Como te chamas?
- Chamo-me Juan, senhor.
- Saia de minha aula e não quero que voltes nunca mais! - gritou o desagradável professor.
Juan estava desconcertado. Quando voltou a si, levantou-se rapidamente, recolheu suas coisas e saiu da sala. Todos estávamos assustados e indignados, porém ninguém disse nada.
- Agora sim! - e perguntou o professor - para que servem as leis?...
Seguíamos assustados porém, pouco a pouco, começamos a responder à sua pergunta:
- Para que haja uma ordem na sociedade.
- Não! - respondia o professor.
- Para cumpri-las.
- Não!
- Para que as pessoas erradas paguem pelos seus atos.
- Não!!
- Será que ninguém sabe responder a esta pergunta?!
- Para que haja justiça - falou timidamente uma garota.
- Até que enfim! É isso... para que haja justiça. E agora, para que serve a justiça?
Todos começávamos a ficar incomodados pela atitude tão grosseira do professor. Porém, seguíamos respondendo:
- Para salvaguardar os direitos humanos...
- Bem, que mais? - perguntava o professor.
- Para diferenciar o certo do errado... Para premiar a quem faz o bem...
- Ok, não está mal, porém... respondam a esta pergunta: agi corretamente ao expulsar Juan da sala de aula?...
Todos ficamos calados, ninguém respondia.
- Quero uma resposta decidida e unânime!
- Não!! - respondemos todos a uma só voz.
- Poderia dizer-se que cometi uma injustiça?
- Sim!!!
- E por que ninguém fez nada a respeito? Para que queremos leis e regras se não dispomos da vontade necessária para praticá-las? Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais! Vá buscar o Juan - disse, olhando-me fixamente.


(História pescada no Facebook, na página de Lininha Cbo, que diz não ser a autora, mas também não ser capaz de indicar a quem pagar os direitos.)

11.10.12

cartistas.




Num apontamento aqui no blogue escrevi já hoje, a propósito de quatro carros alugados pelo Grupo Parlamentar do PS, e de todo o burburinho gerado, o seguinte: «Só pode ser deputado quem possa ter o seu próprio carro para fazer as deslocações que sejam necessárias em funções? Se é isso, até podem tirar a remuneração aos deputados: irá para deputado quem for suficientemente rico para não precisar de nada. As "mordomias" dos deputados foram inventadas na Inglaterra, por reivindicação dos "de baixo", para não serem só os ricos a poderem dar-se ao luxo de ser eleitos para o parlamento.»

Explico-me agora mais detalhadamente.

O Dicionário Político do Marxist Internet Archive descreve assim o "Cartismo" inglês:
Partidários do primeiro movimento revolucionário de massas na história da classe operária de Inglaterra nos anos 30-40 do século XIX. Os participantes no movimento publicaram a Carta do Povo e lutavam pelas reivindicações nela apresentadas: sufrágio universal, revogação da exigência de ser proprietário de terras para ser eleito deputado ao Parlamento, etc. Por todo o país, durante vários anos, realizaram comícios e manifestações, nos quais participaram milhões de operários e artesãos. O Parlamento inglês recusou-se a ratificar a Carta do Povo e rejeitou todas as petições dos cartistas. O governo reprimiu cruelmente os cartistas e prendeu os seus dirigentes. O movimento foi esmagado, mas a influência do cartismo sobre o desenvolvimento do movimento operário internacional foi muito grande.
Segundo a definição de Lénine, o cartismo foi “o primeiro movimento revolucionário proletário amplo, verdadeiramente de massas, politicamente estruturado”.

Terão notado a lista das reivindicações apresentadas: sufrágio universal, revogação da exigência de ser proprietário de terras para ser eleito deputado ao Parlamento, etc.

Ora, é muito interessante aquele "etc." ali no fim. Vejamos, com a ajuda de umas fotografias que tirei o ano passado numa exposição em Newport, uma cidade que teve um papel fulcral no cartismo de que estamos a falar.


Vejam lá: esse movimento revolucionário da classe operária reivindicava um salário para os deputados, uma das suas grandes reivindicações. Como se lê na imagem acima, essa reivindicação só veio a ser satisfeita já no século XX, tendo os deputados passado a receber 400 libras, enquanto na altura um mineiro recebia 83, um professor 176 e um procurador 1343 (por ano).

Quer dizer: para que os representantes do povo possam ser do povo, é o povo que tem de lhes pagar. O cartismo revolucionário das ilhas britânicas percebia isso antes dos meados do século XIX. Mas os gritantes do século XXI não percebem.


mordomias.


Eu até vendi o meu carro este ano, porque não gosto de andar de carro na cidade, porque posso usar o carro da minha mulher quando saio de Lisboa e o comboio não chega lá - e porque "alimentar" um carro custa muito dinheiro, pelo menos para o meu orçamento.
Mas fazer um escândalo porque um grupo parlamentar aluga quatro carros, sendo que esse aluguer é para substituir outros tantos carros que deixaram de estar disponíveis, sendo que se poupam 100.000 euros com esta nova solução, que os carros agora alugados têm menor cilindrada que os anteriores - fazer disto um escândalo é pura demagogia.
Só pode ser deputado quem possa ter o seu próprio carro para fazer as deslocações que sejam necessárias em funções? Se é isso, até podem tirar a remuneração aos deputados: irá para deputado quem for suficientemente rico para não precisar de nada. As "mordomias" dos deputados foram inventadas na Inglaterra, por reivindicação dos "de baixo", para não serem só os ricos a poderem dar-se ao luxo de ser eleitos para o parlamento.
Estou mesmo a ver alguns poupadinhos, refastelados no seu automóvel, a defender que os deputados, chamados a Belém, a uma embaixada, a um acto oficial ou partidário qualquer, deveriam ir de metro, a pé, ou de bicicleta, sei lá. Eu adoro andar a pé, de metro e de bicicleta - mas preferia que quem tem de me representar gaste o dia de forma mais produtiva e use o automóvel, se tem de ser usado para a fluidez do dia.
E abomino essa ideia de que as instituições devem ser depenadas de todos os seus meios de funcionamento. Quem chama a isto "mordomias" tem, afinal, a mesma teoria do empobrecimento que nos está a deixar no osso.

as saudades que eu já tinha da popular democracia.





Carregando na imagem segue para o Programa do Partido Popular Democrático aprovado no 1º Congresso Nacional reunido em Lisboa nos dias 23 e 24 de Novembro de 1974.

(tudo isto são dicas surrupiadas ao Miguel Carvalho, no a devida comédia)

leituras.


Artigo de Alexis Tsipras no The Guardian (traduzido aqui). Excerto:
O meu partido, Syriza - Frente Social Unida, respeita o contribuinte europeu a quem pedem para arcar com empréstimos aos países em dificuldades, incluindo a Grécia. Os cidadãos europeus devem saber, contudo, que os empréstimos à Grécia são depositados numa conta dedicada e usados exclusivamente para pagar empréstimos antigos e recapitalizar bancos privados à beira da bancarrota. O dinheiro não pode ser usado para pagar salários e pensões, ou comprar medicamentos para os hospitais ou leite para as escolas. A condição prévia para estes empréstimos é de ainda mais austeridade, paralisando a economia grega e aumentando a possibilidade de incumprimento. Se existe o risco dos contribuintes europeus ficarem sem o seu dinheiro, ele é criado pela austeridade.

Sobre nós por cá: Nuno Serra, Gaspar no Casino (II).

livros sugeridos para inclusão no Plano Nacional de Leitura, para menino/as do 2º ano, vá lá, com 7 aninhos.


- Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas (para aprenderem a escrever cartas aos amiguinhos durante as férias de Verão)

- José Saramago, O Evangelho segundo Jesus Cristo (preparação para a primeira comunhão)

- Aquilino Ribeiro, Quando os lobos uivam (para quem não pode ir ao jardim zoológico)



"Erro informático" pôs livro para adultos de Alice Vieira em lista para alunos de sete anos.


trabalho sexual é trabalho?




Associações lançam campanha pelo reconhecimento do trabalho sexual.

Em parte, esta questão tem de ser abordada pragmaticamente: como podem ser mais eficazmente garantidos os direitos de pessoas que se consideram "trabalhadores sexuais"? Claro que é preocupante que um stripper não tenha direito a férias, que uma prostituta não tenha direito a uma reforma - e uma operadora de linha erótica há-se ser discriminada por quê? O "moralismo", como teoria do "castigo" pelos "pecados", não é ideia que me convença de nada, ainda por cima quando contraposto à vida real de pessoas concretas que me exigem respeito por elas, simplesmente por serem pessoas.

Mas o pragmatismo pode ser uma ratoeira. Eu estou contra aquelas versões da teoria económica que consideram a força de trabalho uma mercadoria como qualquer outra, submetida às leis da oferta e da procura como as batatas, a gasolina ou o corte de cabelo. E sempre defendi que as questões do "mercado de trabalho" não podem ser tratadas no mesmo plano que qualquer outro mercado, por estarem em causa a dignidade e os direitos das pessoas. Não posso, portanto, aceitar de ânimo leve que "trabalho é trabalho", do mesmo modo que não aceito outras formas de exploração da pessoa como mero mouro de trabalho. E também não aceito a tese hiper-individualista segundo a qual "cada um faz com o seu corpo o que quer", porque nem sempre a liberdade é assim tão livre e nós não podemos fazer de conta que não sabemos isso. Eu vejo essa "liberdade" todas as noites da janela do meu escritório, uma "liberdade" parada em carros pelas esquinas da noite à espreita das trabalhadoras "livres", não posso fazer de conta que não sei.

Como equilibrar as questões de princípio com as questões práticas, relativas às formas mais eficazes de proteger quem precisa de ser protegido? Não estou nada inclinado ao pragmatismo cego, mas não quero fazer vítimas no altar dos meus "altos princípios". É um tema que merece a nossa atenção - e que não deve ser pasto de certezas enganadoras. A própria diversidade dos promotores desta campanha deve servir para apelar à nossa ponderação: estão, entres eles, a Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, o Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/SIDA e a Liga Portuguesa Contra a Sida.

Assunto a seguir.

9.10.12

o fascismo é uma minhoca.




Publicar a foto acima (Grécia) e comentar "o fogo exibe limpeza"?!
E acrescentar "na imagem do fogo que a foto regista, parece que vejo lá dentro um fascista a arder"?!
Não acredito que se apresenta como "esquerda" quem me vem com a ideia do fogo como purificação, ou que sonha acordado com um fascista a arder.
A não ser, claro, que também me venham chamar fascista por não ter uma especial apetência por alucinar fascistas a arder. Ou que me chamem fascista por não ser partidário do olho por olho, dente por dente.
Cuidado. É que se o fascismo é uma minhoca, há minhocas que podem tomar conta mesmo dos cérebros mais apregoadamente revolucionários.

Durão Barroso foi ao Centro de Emprego.





Durão Barroso foi à Jordânia anunciar um apoio substancial da União Europeia que permitirá à UNICEF providenciar melhores programas educacionais às crianças refugiadas da Síria.
Depois de o recente congresso do Partido Socialista Europeu ter ouvido pesos-pesados a mencionar o seu apoio a António Guterres para Secretário Geral das Nações Unidas, o inefável Durão Barroso, que já chegou a presidente da Comissão Europeia às cavalitas de uma traição ao candidato português que ele jurava apoiar (António Vitorino), parece agora ter entrado em campanha nos terrenos que fizeram o prestígio de Guterres na ONU.
A dificuldade para Barroso é que António Guterres, o actual Alto Comissário da ONU para os Refugiados, não só mostrou grande empenho e determinação na sua missão principal, como se revelou um excelente gestor da máquina administrativa e política do Alto Comissariado - enquanto Barroso, face à tempestade perfeita que assola a Europa, anda desaparecido em combate, sem ideias nem acção, manifestamente já a pensar demais no próximo emprego. De qualquer modo, seria uma pena que não tivéssemos oportunidade de o derrotar nas próximas presidenciais, certamente outra ocupação que não lhe sai da cabeça.

8.10.12

nota do editor.


Descobri meia dúzia de comentários que estavam despejados na caixa de spam do blogue. Publiquei-os entretanto, mas já não recuperei o "veto de bolso" que os atingira: estavam lá há algum tempo. As minhas desculpas aos respectivos autores.

cerco ao parlamento.



Para que conste: abomino a ideia de um cerco ao parlamento.

Se querem ser realmente imaginativos, façam um parlamento alternativo para um orçamento alternativo. Peguem na proposta do governo (quando existir), discutam alterações concretas e aprovem-nas, façam-nos saber do resultado para alimentar o debate entre os cidadãos. Prometo que nem vou analisar as credenciais "representativas" de tal "parlamento alternativo": apenas analisarei o orçamento "popular" daí resultante, pelo seu próprio mérito.

Uma acção desse tipo eu aplaudiria. Cercos ao parlamento, não obrigado.

(Sugestão para pensar: America Speaks; People Reject America Speaks' Stacked Deck. Obrigado, João.)

a crise do governo.


Leio no Público: A Tecnoforma, uma empresa de que Passos Coelho foi consultor e administrador, dominou por completo, na região Centro, um programa de formação profissional destinado a funcionários das autarquias que era tutelado por Miguel Relvas, então Secretário de Estado da Administração Local.

O jornal acrescenta:
«Os números são esmagadores: só em 2003, 82% do valor das candidaturas aprovadas a empresas privadas na região Centro, no quadro do programa Foral, coube à Tecnoforma. E entre 2002 e 2004, 63% do número de projectos aprovados a privados pelos responsáveis desse programa pertenciam à mesma empresa.
Ao nível do país, no mesmo período, 26% das candidaturas privadas que foram viabilizadas foram também subscritas pela Tecnoforma.
Miguel Relvas era então o responsável político pelo programa, na qualidade de secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso, Paulo Pereira Coelho era o seu gestor na região Centro, Pedro Passos Coelho era consultor da Tecnoforma, João Luís Gonçalves era sócio e administrador da empresa, António Silva era seu director comercial e vereador da Câmara de Mangualde. Em comum todos tinham o facto de terem sido destacados dirigentes da JSD e, parte deles, deputados do PSD.»

A crise do governo é só parte da crise política; a crise política é só parte da crise social. Mas há uma específica crise do governo: por tomarem medidas sem pensar e sem negociar; por mentirem (mentiram para chegar ao governo e continuam, por exemplo quando dizem que o "enorme aumento de impostos" foi para substituir a TSU); por desleixarem a frente da negociação europeia (sem a qual nada de bom se fará); por estarem a aproveitar a boleia da crise para prosseguirem planos ideológicos; pela arrogância com que falam ao povo, parecendo satisfeitos por nos empobrecerem; por serem suficientemente irresponsáveis para fazerem oposição a si próprios na praça pública, em lugar de prepararem lá dentro com suficiente cautela as medidas governativas. E, mais ainda, temos razões para pensar que há por ali gente com demasiado poder que parasitou o bem público para ganhar o lastro que de outro modo não teria para "ir ao pote". Com tudo isto, vem sempre ao espírito a frase do outro acerca do "fraco rei".

(Nota de rodapé. Entretanto, fora do governo há outras crises: o que preocupa João Carlos Espada, no seu artigo de hoje no Público, é especificamente o aumento dos impostos para os rendimentos mais altos. Não o aumento dos impostos em geral, mas o "último escalão". Espada invoca as maravilhas que Reagan e Thatcher fizeram pela economia, que, segundo ele, "restauraram um velho e nobre consenso ocidental". Não sei se Espada também gostaria de acrescentar Pinochet, esse que Thatcher tanto apreciava e que também fez muito pela economia do Chile...)

7.10.12

Congresso Democrático das Alternativas.


Ando à procura do texto da declaração final do Congresso Democrático das Alternativas. Mas não encontro. No site oficial prometem para breve. Na página do FB também não está nada. Mas, então, a prioridade não devia ser darem a conhecer ao mundo as propostas que de lá saíram? Alguém respondeu a esta minha pergunta com o link para o projecto de declaração, que parece que estava disponível antes do próprio Congresso, supondo-se que não terá havido grandes alterações. Para um Congresso tão plural e porque a pluralidade é uma coisa que dá muito trabalho - acho estranho. E faz-me lembrar iniciativas unitárias que conheci bem há muito muito tempo - mas isto deve ser do meu mau feitio.

Entretanto - e isto explica um pouco a minha curiosidade, além do interesse genuíno pela iniciativa - vi escrito ter o Congresso Democrático das Alternativas rejeitado duas propostas de Ana Gomes, eurodeputada do PS, a saber:
1) relativamente ao Memorando de Entendimento com "a troika", substituir "denunciar" por "renegociar";
2) que não deve ser defendida a "saída do euro" nem "saída da União Europeia" e que devem ser defendidas politicas alternativas na Europa às "politicas praticadas e ao tipo de acordo que está estabelecido no memorando". (Parece, segundo a mesma fonte, que esta proposta nem sequer foi votada.)

Se assim foi, acho que a "esquerda da esquerda" fica mal no retrato com a tentativa de culpar o PS por todas as dificuldades em construir uma alternativa de esquerda.

Não resisto a citar o que eu próprio aqui escrevi há dias:

«O PS queixa-se da excessiva facilidade com que PCP e BE o erigem em inimigo principal. Julgo que o PS tem nisso razão: a esquerda da esquerda usa demasiadas vezes uma retórica política que esconde "o outro lado da questão" para apresentar versões simplistas dos problemas e representar defeituosamente a posição do PS. Muito do debate actual sobre a crise, por exemplo, é deformado se não se perceber que o PS é muito mais cioso do compromisso nacional com a União Europeia (que julga vital para o país a longo prazo), muito mais empenhado nas nossas responsabilidades comunitárias, por contraste com as correntes anti-europeístas que continuam a ter importância (intelectual e social) na esquerda da esquerda. E, na verdade, soa estranho que a esquerda da esquerda tenha, às segundas, quartas e sextas, muitas ideias acerca do que a UE devia fazer diferente para resolver a crise, mas tenha, às terças, quintas e sábados, um discurso de ruptura com a UE, pintando com cores atraentes soluções (como a saída do Euro) cujas consequências políticas nos poderiam tornar ainda mais marginais no continente. A questão europeia é, aliás, um dos obstáculos centrais a um diálogo mais profícuo à esquerda.»

6.10.12

pequena parábola.


O Joãozinho levou o monstro para o quarto, fechou portas e janelas para ele não fugir, e chegou-lhe fogo. Sentou-se de costas para a parede a ver o monstro arder, esperando pelo fim dos pesadelos. As labaredas levantaram-se até ao tecto e começaram a queimar oxigénio. Muito antes de o fogo ter acabado de consumir o monstro (que ainda não se sabe sequer se é inflamável) já o Joãozinho tinha morrido com falta de oxigénio, consumido pelas chamas que ele esperava matassem o monstro.

Esta é a história de um país imaginário empurrado para a pseudo-solução dos incendiários. Com a cumplicidade do monstro, é claro.

5.10.12

F.M.I. propõe nova bandeira para Portugal.




(Decoração de restaurante em Léon. Foto de Porfírio Silva.)



o direito ao protesto.


Temos direito ao protesto. Direito à indignação. A manifestar-nos.
Muitos estão desesperados. Vivem mal. Estão sem meios para dar aos seus filhos a educação que acham que eles precisam e merecem. Estão a comer mal. Estão com medo. Estão na corda bamba. Muitos mesmo.
E não podemos calar essa realidade. Não podemos, nem queremos calar.

Quererá isso dizer que qualquer pessoa desempregada, desesperada, desorientada, pode irromper por qualquer acto público oficial e interrompê-lo aos gritos? Respeitar o sofrimento das pessoas e lutar contra esta situação quererá dizer que qualquer pessoa em sofrimento tem de ser autorizada a invectivar o PR, o PM, qualquer figura do Estado, em toda e qualquer circunstância?

Não é politicamente correcto publicar esta interrogação, mas tem de ser feito.

Posso compreender o desespero de uma pessoa que não aguenta mais e tem um impulso irreprimível para dar largas à sua revolta perante um alinhamento de figuras do Estado. Não caio na insensibilidade de condenar essa pessoa, porque não acredito que se possa sempre acomodar racionalmente, ou estrategicamente, a dor funda de nos terem atirado para a valeta da vida. Compreendo essa pessoa, essas pessoas. Mas não compreendo, de modo nenhum, que se defenda que temos o direito de fazer isso, que esses actos são normais, que se critique a segurança que impede a consumação dessas abordagens. A demagogia feita à custa dos que sofrem é a demagogia mais abjecta que posso conceber.

Se misturarmos tudo, no mesmo espaço e no mesmo tempo, dizendo que o direito ao protesto significa que se pode protestar de todas as maneiras em todos os sítios e a todas as horas, as instituições deixam de funcionar. Isso será talvez uma boa notícia para aqueles que não percebem que sem instituições voltamos à selva. Para quem percebe que o que precisamos é de instituições melhores, mais capazes, mais entrosadas com a participação cidadã, mais focadas na realidade, não será difícil perceber que o cerco das instituições não vai resolver problema nenhum, só estragar o que já está mau. Espero que o país não caia na armadilha de estimular o cerco das instituições. Pagaríamos isso muito caro.

4.10.12

as unidades das esquerdas.


Estas notas soltas são, principalmente, sobre o PS, o PCP e o BE. Aos que trabalham afincadamente em definir uma linha que separa o PS da esquerda: podem parar por aqui, não tenho nada a dizer-vos. Aos que apelam à história (do "socialismo real" e dos "extremismos") para recusar qualquer diálogo com o PCP e o Bloco: podem parar por aqui, isto não vos interessa. Podem permanecer na sala aqueles que julgam que poderia ter alguma utilidade que aqueles três partidos tivessem um tipo de diálogo que, a nível nacional, nunca tiveram.

Julgo - desde sempre - que as várias formações políticas que se reclamam de alguma esquerda deveriam ser capazes de manter um diálogo estruturado. Esse diálogo deveria cruzar vários planos: o plano dos princípios (o que queremos mudar no mundo), o plano dos programas (que coisas concretas podemos fazer politicamente para tornar o mundo mais habitável, especialmente no caso daqueles que mais injustiças sofrem na actual forma do mundo), o plano do combate político (em que objectivos concretos podemos ir convergindo e como falamos disso). O PS poderia ganhar com isso mais possibilidades de formar maiorias políticas capazes de aplicar algumas das suas ideias, o PCP e o BE poderiam ganhar mais poder de moldar políticas governativas concretas.

O PS queixa-se da excessiva facilidade com que PCP e BE o erigem em inimigo principal. Julgo que o PS tem nisso razão: a esquerda da esquerda usa demasiadas vezes uma retórica política que esconde "o outro lado da questão" para apresentar versões simplistas dos problemas e representar defeituosamente a posição do PS. Muito do debate actual sobre a crise, por exemplo, é deformado se não se perceber que o PS é muito mais cioso do compromisso nacional com a União Europeia (que julga vital para o país a longo prazo), muito mais empenhado nas nossas responsabilidades comunitárias, por contraste com as correntes anti-europeístas que continuam a ter importância (intelectual e social) na esquerda da esquerda. E, na verdade, soa estranho que a esquerda da esquerda tenha, às segundas, quartas e sextas, muitas ideias acerca do que a UE devia fazer diferente para resolver a crise, mas tenha, às terças, quintas e sábados, um discurso de ruptura com a UE, pintando com cores atraentes soluções (como a saída do Euro) cujas consequências políticas nos poderiam tornar ainda mais marginais no continente. A questão europeia é, aliás, um dos obstáculos centrais a um diálogo mais profícuo à esquerda.

O PCP e o BE queixam-se das "políticas de direita" do PS. Num certo sentido têm razão: o PS, como outros partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas, na Europa e nem só, procuraram, nas últimas décadas, reciclar soluções "capitalistas"; procuraram usar ferramentas "de mercado" para enfrentar problemas que não tinham sido bem resolvidos com políticas que só faziam confiança no Estado. Havia boas razões para isso: muitas políticas estatistas mostraram-se um fracasso. Era preciso - e continua a ser preciso - procurar alternativas. A esquerda da esquerda, permanecendo afastada do poder, parece pouco alertada para essa necessidade - e mistura críticas operacionais com críticas ideológicas. (Por exemplo, as Parcerias Público Privadas são atacadas por terem sido mal negociadas, até eventualmente com dolo, mas essa questão é frequentemente associada à tese de que nada daquilo poderia alguma vez estar nas mãos dos privados. Ora, temos aí questões completamente diferentes.) Entretanto, a esquerda da esquerda abusa, com frequência, da confusão entre as políticas do PS e as da direita, confundindo uma função de "representação social" com aspectos programáticos. Por exemplo, para chamar aqui uma grande ferida da governação Sócrates, a "luta dos professores" contra certas reformas na Educação, que eram fundamentalmente motivadas por razões profissionais (justas ou não, não discuto agora isso) foi representada politicamente pela esquerda da esquerda como uma luta ideológica, como se fosse uma luta contra uma concepção "de direita" da Educação - o que, a meu ver, não cola nada com a verdadeira defesa da escola pública que era o programa da Ministra Lurdes Rodrigues. A confusão desses planos, apresentando como fundamentalmente ideológica uma discordância que era basicamente profissional (e deveria ser do campo de luta sindical), serve a luta política imediata da esquerda da esquerda, mas prejudica qualquer diálogo mais vasto com o PS. É um preço que o PCP e o BE têm mostrado grande facilidade em pagar.

Este é o quadro em que tem evoluido o afunilamento da esquerda. Por afunilamento quero dizer: intolerância crescente, incapacidade para considerar e discutir produtivamente alternativas variadas, redução de muito discurso político ao chavão.

A actual contestação à desastrosa política do governo Passos/Gaspar exemplifica o afunilamento da esquerda. Enquanto o PCP e o BE tendem para soluções politicas de ruptura com os credores, o PS tende para soluções enquadradas pela UE e que não impliquem nenhuma descontinuidade séria no nosso enquadramento internacional. A linha defendida pelo PS pode vir a falhar: assim será se a UE persistir nos principais erros que tem cometido na gestão da crise. Mas reconhecer isso é coisa bem diferente de, como fazem o PCP e o BE, vender a linha da ruptura ("não pagamos", "romper com a Troika") como se ela fosse indolor e de sucesso garantido. Neste contexto, o PS procura representar uma fatia dos portugueses, que querem outra política mas dentro de uma manobra conjunta europeia e sem ruptura - enquanto a esquerda da esquerda tudo faz para representar a posição do PS como "uma traição" e como cumplicidade com o governo e com os erros da Europa. A velha tentação salazarenta do "quem não está por nós, está contra nós" tem muito curso hoje em dia à esquerda - e esse é apenas mais um episódio do afunilamento da esquerda, que também cava no fosso da anti-política e do desprezo pela democracia representativa.

Muitos no PS julgam que esta conversa das esquerdas não interessa nada. No osso, o argumento é este: o PCP e o BE defendem programas perfeitamente desligados da realidade e um partido que quer ser governo não pode ligar-se a essas forças. Discordo. Desde logo, porque a realidade já não é o que era: estamos hoje, outra vez, a descobrir que o manhoso capitalismo fez de conta que queria civilizar-se, atraindo os socialistas em todo o mundo para "aproximações", e, depois de ter comido a fatia que lhe convinha, voltou à sua força bruta que tão bem compreende. Isso implica reequacionar instrumentos que estavam um tanto esquecidos: que nacionalizações para este tempo, por exemplo, é uma pergunta cada vez mais actual. Depois, porque não podemos pensar no PCP e no BE apenas como forças ideológicas: temos de os pensar como forças políticas, que representam pessoas, ideias, projectos, movimento, imaginação, desejos, necessidades - que podem ser mobilizadas para fazer coisas novas. E mais: o PS precisa renovar-se com gente sem hábitos de poder. É importante ter ex-ministros e ex-directores-gerais e ex-administradores, que sabem como as coisas pequenas de todos os dias se fazem. Mas também é importante ter gente que não foi ainda amaciada pelos corredores do poder, pelos almoços de negócios, pelas conveniências. A esquerda da esquerda tem, ainda, alguma coisa dessa força genuína (embora não sejam todos virgens, como nos querem fazer crer).

Esta reflexão (desordenada, ao correr da pena) não foi motivada pelas grandes iniciativas que por estes dias têm sido entendidas como oportunidades de diálogo à esquerda. Foi motivada por algo mais pequeno, mas que, a meu ver, faz a matéria das pequenas-grandes dificuldades/oportunidades. O PCP e o BE convergiram na censura ao governo (sem o meu entusiasmo, porque vi as moções serem, mais uma vez, embrulho para picadas ao PS). Convergiram a medo, cada um na sua bicicleta, mas convergiram. E fizeram saber que convergiram. Alguns dirão que isso interessa pouco. Adiante. O que quero dizer é que nunca haverá qualquer diálogo real entre a esquerda da esquerda e o PS enquanto o PCP e o BE não tiverem um razoavelmente sólido entendimento entre si. O PCP nunca dará ao BE o bónus de se aproximar sozinho do PS; o BE nunca dará ao PCP o bónus de se aproximar sozinho do PS. Por essa razão, um clima político menos abertamente competitivo entre PCP e BE é necessário a um diálogo mais descomplexado entre PS, PCP e BE. Sou favorável, em geral, a que os partidos políticos sejam mais capazes de negociar entre si, sem que isso afaste a necessária diferença e competição. Acho que "à esquerda" isso é ainda mais necessário. Sonho acordado? Provavelmente. Mas, ainda assim, gosto mais de sonhar acordado do que andar por aí a dormir na forma.




3.10.12

última hora: Gaspar não está morto.


Gaspar falou. E disse, principalmente, que está tudo a correr muito bem, mas que está tudo a correr muito mal. O ajustamento está na linha do desenhado, a despesa pública baixou (pois, a cortar nos salários e pensões, sabemos), o desequilíbrio externo também (é uma maravilha não termos dinheiro para importar, é o que isso quer dizer), mas vamos precisar de qualquer coisa como uma punção extra de 3% do PIB. Os impostos vão aumentar brutalmente, o valor do trabalho vai continuar a baixar, o desemprego vai continuar a aumentar, mas Alá é grande e, embora quase mortos, estamos mais credíveis. Mortos, mas credíveis.

Quer isto dizer que Gaspar se limitou a confirmar a expectativa geral - negativa - acerca dos próximos passos? Não me parece. Não sou economista e nem sequer percebo exactamente o que querem dizer algumas das afirmações que Gaspar produziu, mas julgo que esta intervenção promete luta política em direcções relevantes. Gaspar prometeu mais equidade na distribuição do esforço: pagarão mais os que ganham mais, tanto pessoas como empresas. Vamos ver as contas, que o diabo está nos detalhes, mas esse elemento é importante. No que toca a diversificar a base dos castigados, o imposto sobre as transacções financeiras ainda está no plano das ideias gerais, mas é uma reivindicação de esquerda - e Gaspar diz que ainda não tem detalhes por estar à espera para ver como fará a França dos socialistas. Estes elementos mostram que o Tribunal Constitucional andou bem e deu um contributo importante para obrigar a repensar elementos básicos da receita (Passos lá teve de engolir as críticas disparatadas que fez ao TC). (Por outro lado, Gaspar na prática dá razão a Borges quanto à TSU, apenas com mais diplomacia do que Borges, o que também não é difícel.) Além disso, o ministro promete que vão lutar na frente europeia por uma cooperação reforçada para avançar na imposição das transacções financeiras, uma matéria em que realmente só faz sentido legislar em conjugação com outros países. (Já agora, apesar dos protestos por Passos Coelho faltar ao 5 de Outubro, o PM vai a um encontro dos "Amigos da Coesão", um espaço que Portugal tradicionalmente frequenta para tentar reforçar a margem negocial dos Estados-Membros que beneficiam dos fundos de coesão, espaço que temos de cultivar quando se está já a caminho da negociação do próximo orçamento comunitário plurianual.)

Embalado pelo sucesso da operação de troca de dívida que ocorreu hoje (uma grossa fatia da dívida que vencia em Setembro de 2013 foi trocada por dívida que vence apenas em 2015, ainda por cima com melhor juro, o que alarga a margem para respirar se tentarmos voltar aos mercados no próximo ano), Gaspar manteve a confiança no essencial da sua política, a qual tem estado a matar o doente com o remédio. Mas, não nos iludamos, introduziu variações políticas que dão ao governo algum fôlego para as negociações dos próximos tempos. Essas variações foram pensadas para afagar a opinião pública moderada mas sedenta de alguma equidade na distribuição do esforço. O economista Gaspar não mudou nada, mas o ministro Gaspar evidenciou uma capacidade de manobra que o governo parecia ter perdido nos últimos tempos. Isto pode prometer um debate do orçamento mais interessante - e, quem sabe, mais útil para o país do que se estava à espera.

(Espera-se, entretanto, que Passos Coelho aproveite alguma coisa com a releitura das suas homilias passadas, como esta ou esta.)

à espera de Gaspar (II).

Pedro Passos Coelho a 15 de Março de 2011.



(continua)

à espera de Gaspar (I).


I've never been so less aroused by so much flesh.


(continua)

a retórica da treta.


Andam por aí muitos indignados porque o PS não vai votar a favor das moções de censura do PCP e do BE.
Alguns desses indignados não acharam nada estranho que o PCP e o BE tivessem juntado os seus votos aos do PSD e do CDS para estes criarem a oportunidade de chegar ao governo e fazerem o que está à vista.
Mas nem é isso que interessa agora. O que importa é notar a facilidade com que regressam as concepções totalitárias dentro da democracia. O PS (mal ou bem, não é isso que estou agora a discutir), está a tentar representar aquela fatia da população que, se por um lado acha que o governo está a fazer disparate atrás de disparate, por outro lado também está contra o agravamento da crise política (por saber que a pagaríamos ainda mais caro do que já estamos a pagar), acha desejável que o país consiga apresentar-se lá fora como capaz de respeitar os compromissos com os credores, prefere que nos concentremos no debate sério das alternativas concretas às propostas do governo em lugar da mera censura sistemática (ainda por cima quando as moções de censura aparecem como uma liguilha entre dois partidos da esquerda da esquerda a ver quem ruge mais afinadamente).
Afinal, deitaram tanto incenso sobre as manifestações apartidárias contra "o estado a que isto chegou", mas confundem a aflição do país com a sua retórica partidária da via única para fora deste braseiro. Aliás, como poderia o PS juntar-se aos que diabolizam a Europa, quando só com a Europa (agindo de forma diferente) é possível sair deste atoleiro?

maravilhas numéricas.


Enquanto esperamos por Gaspar, entretemo-nos com outros prodígios do raciocínio quantitativo.

Como nesta frase da notícia "Será que é desta que os britânicos vão gostar de Miliband?", no Público de hoje (p. 20): «Por outro lado, a mesma sondagem mostrou que só dois em cada quatro britânicos acha [sic] que Miliband está bem preparado para ser primeiro-ministro. O número sobe para quatro em dez em relação a Cameron.»

Em que sentido é que se "sobe" de 50% (dois em quatro) para 40% (quatro em dez)?


2.10.12

a democracia não serve para nada, pá.



O governo apresenta em Bruxelas, para "visto bom" de Barroso, o que supostamente está a ser conversado "a bem da paz social" cá no burgo.
Afinal, as negociações com os parceiros sociais são só conversa fiada?
Querem o compromisso do PS mas não lhe passam cartão? Talvez queiram dar razão ao estilo PCP e BE...
Há um "Comité Central da Coligação", mas parece que nem a generalidade dos ministros sabem em que ponto estão as decisões que afinal já foram tomadas por alguém.
Entretanto, Relvas alerta-nos contra a falta de credibilidade dos políticos (ele é um especialista nessa matéria) e o primeiro-ministro-sombra António Borges apela aos patrões para que não se esqueçam da luta de classes.

PEDIMOS DESCULPA POR ESTA INTERRUPÇÃO.
O PROGRAMA SEGUE DENTRO DE MOMENTOS.

Esqueceram-se da democracia, foi? Depois queixem-se de que os ursos podem mudar de posição...

Pascal Bernier, Bipolar Perversion, 2000


E não se esqueçam que as coisas perigosas às vezes se aproximam de mansinho...

Pascal Bernier, WWF Luftwaffe, 1996

1.10.12

Durão Barroso voltou a ser PM de Portugal?


Bruxelas já aprovou medidas alternativas às mudanças na TSU.
«O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, revelou esta segunda-feira que a Comissão Europeia já aprovou as medidas alternativas que o Governo apresentou para compensar o recuo nas mudanças na Taxa Social Única (TSU).»

Parece que as medidas alternativas às mudanças na TSU eram para ser negociadas previamente com os parceiros sociais. Parece que os parceiros sociais não sabem bem de que fala Barroso quando diz que já "aprovou". Parece mesmo que os ministros da República estão mais ou menos na mesma. Será que a mão esquerda de Barroso toma as medidas do governo de Portugal e a sua mão direita aprova como presidente da Comissão Europeia?

memórias recentes.


Não é meu costume, mas partilho uma nota que encontrei no Facebook, publicada por António Alberto Silva. Não concordarei talvez com tudo, mas merece reflexão.

Defender, como fazem o BE e o PCP, que a plataforma comum para uma convergência de esquerda é rasgar o memorando com a Troika é risível: antes de haver memorando a divergência era total, a ponto de fazerem cair um governo sabendo que o que se seguia foi o que se seguiu.

Sócrates disse que se recusava a governar com o FMI. Quando o PSD, CDS, BE e PCP o obrigaram a isso, demitiu-se. Pediu ao Presidente da República para ser ele e mediar as negociações com a Troika, e este recusou-se a isso: obrigou o governo a continuar, embora em regime de gestão, e a fazer isso. O governo de Sócrates fez isso obrigado, em regime de gestão e por isso o memorando teve que ser assinado por uma maioria. O PSD e o CDS assinaram.

O BE e o PCP lavaram as mãos como se nada fosse com eles. Mas era. Brincaram com o fogo e queimaram-nos (ao povo e ao país): leviandade oportunista. Obrigaram-nos à Troika e agora querem expulsá-la: incoerência. Não brinquem connosco. Enquanto não souberem o que dizer e fazer, metam a viola no saco.
O PS já meteu a viola no saco. O PS, hoje, não sabe o que dizer ou fazer. Não tem projeto. Não saberia o que fazer se estivesse no governo. Meteu a viola no saco. Mais vale isso, do que dizer asneiras.
Os partidos do governo estão como querem: têm a Troika para servir de desculpa. E têm um projeto: ir além da Troika.

Que desgraça!

Único sinal de esperança: a manifestação de 15 de Setembro.

António Alberto Silva (página do FB)

ponto de ordem à mesa.


Leio no Público: «O presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), Manuel Meirinho, anunciou um inquérito disciplinar ao aluno que, na semana passada, insultou o primeiro-ministro durante a homenagem a Adriano Moreira.»

Os tempos que vivemos exigem-nos clareza nestas coisas. Deixo, portanto, a minha declaração sobre a matéria.

(1) Sou, fui (em governos anteriores) e serei contra a perseguição "popular" pessoalizada aos políticos de quem discordamos. Discordo das "esperas" sistemáticas que têm como objectivo impedir os governantes de sair à rua e que transformam qualquer acto público numa pateada. Esses actos são, em geral, falsamente espontâneos. Sou, fui e serei contra o recurso ao insulto para manifestar oposição política. Basta de degradar as condições do debate político, que já são quase inexistentes, com mais ódio apresentado como linha politica. Este clima serve, apenas, para impedir o debate da situação séria e complexa em que nos encontramos. Com este clima só se fazem ouvir as soluções extremas: os austeritários cegos e surdos que justificam todos os disparates com o chavão "não há alternativa"; os loucos da outra ala, que querem fazer-nos crer que há alternativas simples, fáceis e de sucesso garantido, sem sacrifícios, ao virar da esquina. O que esses dois campos querem é que não se ouça mais nada, que não se analisem os outros caminhos, por muito tortuosos que sejam. Este clima de radicalização só serve esses irmãos siameses que são os ódios radicais, distintos nas cores mas simétricos nas consequências degradantes da coisa pública.

(2) Algumas das vítimas destas manifestações de ódio público foram, quando lhes convinha, coniventes com o mesmo tipo de manifestações que visavam então os seus adversários políticos. Poderia, pois, dizer-se que estão a provar do seu próprio veneno. É verdade que estão, mas isso não me move: o que quero preservar, além das pessoas visadas, é um bem comum, a saber: a capacidade de uma comunidade política discutir com razoabilidade o que fazer à nossa vida colectiva. Esse é o bem comum que a estratégia do ódio acaba por matar; por isso estou contra essa estratégia do ódio.

(3) Dito isto, acho estranho que uma escola do ensino superior aceite que a polícia (a segurança de um governante) identifique pessoas (alunos ou professores) dentro das suas instalações e, ainda por cima, exerça a sua autoridade disciplinar académica com base nos dados fornecidos por essa polícia nesse acto de invasão. Todos vimos a atitude desproporcionada que esse polícia teve nessa ocasião, designadamente na forma como se dirigiu a um operador de câmara de uma televisão, com um à-vontade verbal e gestual que faz lembrar as polícias que se sentem acima da lei. Ao mesmo tempo, e por outro lado, acho disparatado que o jornal Público sublinhe que o director da escola foi eleito deputado nas listas do PSD, como se o director da escola pudesse deixar de fazer aquilo que acha que deve fazer só por ser da mesma cor política de um dos intervenientes no incidente (neste caso, o primeiro-ministro).

A vida está difícil e os disparates do governo só têm contribuído para a tornar ainda mais difícil. Contudo, não é acabando com o que resta das condições de serenidade para debatermos as saídas para a crise que podemos chegar a bom porto. Os últimos tempos estimularam os radicalismos apressados a tentarem apossar-se do mal-estar das pessoas, mas não podemos confundir as vozes mais exaltadas com as vozes da maioria. Nem podemos esquecer que todos pagaremos com língua de palmo o que correr mal: os que estão convencidos que o governo é a muralha única a derrubar para chegarmos ao paraíso pós-crise, seria aconselhável começarem a fazer melhor as contas à vida.