27.4.12

AS PALAVRAS.


Redacção de uma menina de Lisboa, de nome Mariana, aluna da quarta classe de um estabelecimento de ensino dirigido por religiosas

AS PALAVRAS

Há palavras boas e palavras más, palavras bonitas e palavras feias. A palavra Portugal é muito bonita, mas a palavra Trancos não é. Há palavras que não dão com as coisas para que servem, Lua, por exemplo, dá, não podia ser outro nome porque não era essa coisa, mas caderno não dá. Lembra inverno e inferno e os cadernos dependem, nem todos são horríveis, só o de matemática para mim. Folha também dá para coisas de mais, tem de ser folha disto e daquilo, do livro, a árvore, e de felandres, senão não se sabe, não se pode ser folha sozinho.
As palavras também servem para dizer e consolar ou sofrer. Essas não são uma a uma, como as que eu escrevi antes, são em frases, isto é, todas de seguida.
Boa, por exemplo, é uma palavra boa, parece macia, mas se a pessoa nos diz «a menina não é boa», a abanar a cabeça, isso pode afligir muito. Há palavras que postas assim saem ao contrário – por exemplo, fresca. Se for fruta é bom, se for para pessoas não. A palavra triste, por exemplo, é uma palavra azul, porque quase todas as palavras têm cores, e parece que está a pedir que se calem e a palavra riso é amarela, só por si não dá para a gente se rir. A palavra mãe é grosso de mais para o que é e a palavra pai é muito clara e leve de mais.
E agora vou inventar a palavra desinteligente que é o que eu acho que sou por causa da confusão que me fazem as palavras e de estar sempre calada. A escrever as palavras são feitas de letras e só se ouvem na cabeça. Fim.

Mariana
22/6/71

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in Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972 (reedição de 2010, edição anotada, organização de Ana Luísa Amaral, Dom Quixote)