2.9.11

estórias do século em que a história não acabou


O filme A Autobiografia de Nicolae Ceausescu (Andrei Ujica) está nas salas portuguesas. Três horas de duração, preenchidas unicamente por fragmentos de material oficial do regime, recortados e montados de novo para contar uma história sem qualquer enquadramento complementar (sem comentários, títulos, separadores, nenhuma informação acrescentada), é um monumento à memória. Consegue mostrar o percurso de Ceausescu sem lhe forçar a mão, sem reduzir a personagem histórica a uma caricatura, sem disfarçar a complexidade do mundo em que viveu e agiu. Para quem não tenha uma ideia, pelo menos aproximada, do que foram aqueles tempos, não será fácil captar todo o significado do que é mostrado - e pode ser tentado a fazer uma leitura linear daqueles tempos e acontecimentos. Não será difícil reconhecer Nixon em visita de Estado à Roménia, ou De Gaulle, e isso já poderá alertar para o principal paradoxo do olhar que tivemos sobre aquele regime: a Roménia era tratada com uma certa bonomia pelo Ocidente por ser considerada, no bloco comunista, o regime mais "pacífico" ou mais "aberto" ao bom entendimento internacional.
Para uma pessoa com as minha simpatias políticas, o sítio onde este filme corta mais na carne é a sequência da "solidariedade" de Ceausescu para com a Primavera de Praga: o acolhimento a Alexander Dubček, a crítica frontal à invasão soviética, a oposição de princípio ao policiamento internacional dentro do Pacto de Varsóvia. Por lembrar um dos momentos mais trágicos que o século XX ofereceu à esquerda democrática; por sublinhar o paradoxo (acima referido) da Roménia "tolerante" aos olhos ocidentais.



(Repararam nos olhos tristes de Dubček ?)