É espantoso verificar como, pelo menos no curto prazo, os interesses tácticos de comunicação do patrão dos patrões e do BE podem ser tão coincidentes. A ideia do bloco central legitima o PSD, apesar do PSD (passa a ideia de que mesmo desorientado pode chegar ao governo). E dá ao BE a imagem de ser uma força necessária: para evitar o bloco central.
(Republico aqui um texto cuja versão original apareceu no extinto, mas ainda disponível para consulta, Terra da Alegria, a 7-Jun-2004. Fui "convidado" nesse blogue durante algum tempo, tendo parado a colaboração por indisponibilidade de tempo da minha parte. Nem desertei nem fui saneado - apesar de estar num "ambiente" que não devia ser naturalmente meu, apesar de me sentir lá muito bem.)
Tendo aceite (irreflectidamente?!) colaborar num espaço estruturado por católicos, interroguei-me de imediato: porquê, sendo assumidamente agnóstico, dizer este “sim”? Essa pergunta levou-me às minhas raízes.
Entre Julho e Setembro de 1979 (tinha eu a bonita idade de 17 anos…) andei, nas páginas do semanário de extrema-esquerda “A Voz do Povo”, numa polémica com Mário Robalo (que ainda se lê nos jornais que sobrevivem). O meu único texto nessa polémica foi publicado a 31 de Agosto e levava o título Os cristãos e a revolução. Basicamente, nesse texto eu fazia a apologia do “valor revolucionário do cristianismo”. Defendia que era dentro da Igreja que deviam estar os cristãos. Criticava os que estavam sempre a lembrar os pecados passados da Igreja para a julgar no presente. Citando a Pacem in Terris escrevia que o comportamento cristão que tem “a verdade como fundamento, a justiça como regra, a liberdade como dinâmica e o amor como clima moral de acção” é o comportamento que idealmente permite a libertação. Mário Robalo, além de lembrar muitos dos argumentos clássicos para mostrar o carácter reaccionário da Igreja, defendia a sua condição de cristão fora das igrejas. Curiosamente (para mim, hoje) eu dizia-me marxista neste texto (não conheço nenhum outro texto meu, mesmo da juventude, onde diga isso: parece que fui marxista durante um Verão – apesar de, ainda hoje, considerar de enormíssima utilidade a crítica marxiana).
Que o convite do Terra da Alegria me tenha feito penetrar na arqueologia do meu passado pessoal (que trabalheira para descobrir o texto), fez-me pensar em algo muito mais importante: o mesmo acontece na nossa civilização. Há um santo, um mártir ou um pecador na árvore de Jessé de cada um de nós. Sendo devedores da cultura judaico-cristã, ignorá-la é ignorarmos o que somos. A generalizada ignorância acerca das raízes religiosas de aspectos centrais da nossa cultura é ignorância tout court. O desprezo por essa dimensão é desprezo por nós próprios. Impõe-se, por isso, mexer nessa arca e usufruir dela. Essa é uma primeira razão para ter embarcado no Terra da Alegria.
A outra razão prende-se com um aspecto central da polémica(zinha) que acima referi. Enquanto me considerei cristão (ser católico era uma contingência), nunca concebi que o pudesse ser fora de uma igreja. Isto é: fora de uma comunidade. Ainda hoje tenho alguma dificuldade em compreender as pessoas que, dizendo-se católicas, dizem que essa é uma opção interior que nada tem a ver com “cerimónias” e “idas à igreja”. O sentido de comunhão é inseparável daquilo que um agnóstico como eu ainda pode compreender numa religião. Parece-me um agudo sinal dos tempos que alguns queiram ser cristãos sozinhos.
A "Europa social" é já, apenas, um resto. Os cacos que restam do que ainda não foi destruído, uns tijolos perdidos de um edifício que em tempos esteve em andamento. Mas que começou a ser desmantelado - não apenas, nem necessariamente, pela "direita europeia". Muito com o entusiasmo de "trabalhistas" de vários matizes (será que "trabalhistas" são os que nos "trabalham"?). O processo de completa descaracterização da "Europa social" está (há muito) em grande aceleração. O que quer dizer que, quando falam de combater "a crise", os dirigentes europeus ainda não perceberam nada. Não perceberam o que tudo isto tem de civilizacional - e de não conjuntural. E, por isso, é preocupante que o "povo europeu" não possa perceber bem qual é a diferença entre mandarem na Europa os "populares" ou os "socialistas".
A esquerda portuguesa também já fez as suas campanhas negras. Francisco Sá Carneiro provou, dessa receita, uma relativa a supostos empréstimos bancários por pagar e outra relativa a relacionamentos amorosos fora do santo sacramento do matrimónio. Figuras tristes. Mas que continuam a inspirar outros, talvez de outros quadrantes. Pode ser que também as mais recentes fiquem para a história. Espero que não acabem da mesma enviesada maneira, contudo. Acima fica um documento desses tempos. (Clicar sobre as imagens amplia-as.)
Aqui há pouco tempo foi notado um erro técnico na proposta do BE sobre o sigilo bancário, que impediria o acesso a contas das empresas (ver aqui). Isso foi assinalado, mas acho que ninguém responsável atribuiu ao BE a intenção política de fazer regredir o estatuído. Mas, pelo contrário, o Doutor Louçã, com a sua já habitual demagogia desenfreada, com a já cansativa roupagem de grande inquisidor que manda para o inferno quem bem lhe apetece, a coberto da sua pretensa superioridade moral, acusa o PS de "incentivo ao crime". Se a preocupação do bispo laico da nova-velha moral revolucionária não fosse apenas eleitoralista, saberia que o debate de soluções para problemas tão espinhosos terá de correr de forma mais civilizada e com menos olho imediato no votozinho. Sob pena de, com tanta legislação e tanta excitação, não se avançar nada de concreto. Mas não, nada disso lhe interessa: as velhas manias do revolucionário trotkista estão de regresso no seu pior.
Sob o título "12 anos de escolaridade obrigatória: é um erro!", o Dúvida Metódica publicou há dias o seguinte post:
«Segundo o Jornal Público, o Governo vai estender a escolaridade obrigatória para 12 anos. Os partidos da oposição dizem que se trata de oportunismo eleitoral, que é uma decisão tomada a pensar nas próximas eleições – mas não contestam a própria ideia, ou seja, também acham correcto a escolaridade obrigatória ser de 12 anos. No entanto, trata-se de um erro. Há várias razões para isso. Vejamos uma delas. Porque é que o Estado deve tomar decisões acerca do que as pessoas fazem com a sua vida? E se um jovem de 15 ou 16 anos quiser dedicar-se à jardinagem em vez de aprender gramática e equações? Porque é que o governo e os deputados se haveriam de intrometer nessa escolha, que só diz respeito a ele e à sua família? De acordo com o filósofo inglês Stuart Mill, o Estado só pode interferir na vida de uma pessoa, limitando a sua liberdade, para prevenir possíveis danos sobre outras pessoas. O seu próprio bem (físico, psicológico, moral…) não constitui uma razão suficiente para justificar a interferência, pois isso implicaria considerar a pessoa incapaz de discernir o que é melhor para si, limitaria a sua liberdade e daria a outras pessoas (talvez tão falíveis e imperfeitas como ela) um poder arbitrário sobre ela. Essa ideia de Stuart Mill é conhecida como o "princípio do dano".(...) Stuart Mill não faz manifestamente parte das leituras nem do primeiro-ministro e da ministra da educação, nem dos políticos da oposição. Seria bom, para os portugueses e para a democracia portuguesa, que fizesse.»
Parece-me um bom exemplo da arrogância de alguns filósofos (eu cito um filósofo que eventualmente me pode dar um argumento contra a medida X, logo a medida X é um disparate - como se não houvesse outros cem filósofos que deram uma opinião diferente e encontraram dificuldades no argumento de que eu tanto gosto). Pode alguém explicar aos filósofos que isto não é a República de Platão? E que felizmente que não é? Pode alguém explicar-lhes o que é a política, ou o que ela devia ser, a ver se não se ficam por posicionamentos tipo "inteligência artificial"? Pode alguém explicar-lhes o que são instituições, para deixarem de usar argumentos de físico-química acerca de realidades institucionais?
Disse o Professor José Santos-Victor (Instituto de Sistemas e Robótica, Instituto Superior Técnico), líder da equipa em causa: «What you see in the program results from lot of work from: Alexandre Bernardino, Manuel Lopes, Luis Montesano, Ricardo Beira, Luis Vargas, Jonas Ruesch, Matteo Tajana, among others!»
Sempre foi difícil pensar a alteridade. E essa dificuldade, quando não acautelada, pode ter consequências devastadoras. Podemos tentar perceber isso olhando para exemplos que se nos apresentam a uma certa distância?
O texto seguinte, perguntamos ao leitor, será a descrição de quê, de que ritual?
«Quanto à iniciação de novos membros, os detalhes são tão repulsivos quanto bem conhecidos. Uma criança, coberta com massa de pão para enganar o incauto, é colocada perante o noviço. Este o apunhala até a morte ... enganado pela cobertura ele pensa que seus golpes são inofensivos. Então — é horrível — eles bebem avidamente o sangue da criança e disputam enquanto dividem suas pernas. Através dessa vítima eles se mantêm unidos e o fato de partilharem o conhecimento do crime garante seu silêncio ... No dia da festa eles se reúnem com seus filhos, irmãs, mães, pessoas de ambos os sexos e de todas as idades. Quando todos estão abrasados pela festividade e a luxúria impura acesa pela embriaguez, pedaços de carne são jogados para um cão amarrado a uma lâmpada. O cão pula, para além do comprimento de sua corrente. A luz, que poderia ter sido testemunha traidora, se apaga. Agora, na escuridão tão favorável ao comportamento desavergonhado, eles tecem os liames de uma paixão inominável, ao sabor da sorte. E todos são incestuosos, se não de fato, pelo menos por cumplicidade, pois tudo que é feito por um deles corresponde aos desejos de todos eles.»
Segundo Minucius Felix (século II), esta seria a descrição que um pagão teria dado de... uma Eucaristia celebrada por cristãos! Quem conhece algum dos sucedâneos contemporâneos desse ritual pode fazer uma ideia do peso das interpretações preconceituosas nesta "descrição". Descontados todos os factores, sempre nos há-de fazer pensar na dificuldade de pensar o outro.
[Seguimos a pista de Klaas Woortmann, «O selvagem na "gesta Dei": história e alteridade no pensamento medieval», Revista Brasileira de História, 25(50) (2005), pp.307-308, que cita como fonte BARTRA, R.,Wild Men in the Looking Glass. The mythic origins of European Otherness, Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1994, p. 41]
Há quem pense que a memória é uma espécie de "armazém" onde estão guardadas umas entidades ou registos, as memórias, e que recordar é ir buscar tais registos de modo a poder recuperar algum tipo de descrição objectiva do que se passou em algum momento no passado. Muito se tem estudado, ao nível da memória individual, como essa ideia é simplista, mesmo errada. O que recordamos depende muito dos processos de reelaboração que estão virados mais para as nossas perspectivas actuais do que para um passado histórico objectivo a que poderíamos aceder como quem "vai buscar coisas ao armazém". Também ao nível da memória colectiva se tem procurado compreender esses mecanismos em que o passado (como nos lembramos do passado) é mediado pelo presente e pelas nossas perspectivas. Damos de seguida um exemplo.
No final dos anos 1970, poucos anos depois da derrota americana no Vietname, foi decidido construir um Memorial aos respectivos Veteranos. O concurso de projectos para o efeito foi ganho por Maya Lin, uma estudante de arquitectura de 21 anos que assim ficou em primeiro lugar num lote imenso de 1421 projectos apresentados. O Memorial viria a ser construído em Washington, D.C. segundo a ideia de Maya Lin: uma enorme estrutura de granito polido com a forma de um V alongado, semi-enterrada, com a inscrição dos nomes dos mortos na guerra. Uma espécie de grande lápide tumular.
Mas a polémica já tinha sido incendiada: alguns, nomeadamente veteranos, consideravam que o Memorial partilhava a visão crítica da guerra que tinha alimentado enormes movimentações durante o decurso da mesma. O “V” parcialmente enterrado lembrava uma horrenda cicatriz e parecia recordar mais as fracturas causada na sociedade americana pela participação na guerra do que propriamente o esforço dos militares. O projecto inicial apresentado por Lin (imagem seguinte) talvez pudesse de facto ser lido desse modo.
Criaram-se organizações contra e a favor das diferentes visões do que devia ser o memorial. O resultado foi a construção de uma “adenda” ao memorial: uma estátua mais convencional representando três soldados combatentes, de origens diferentes: um branco, um negro, um hispânico.
Contudo, esta guerra da memória não ficaria por aqui. Gleena Goodacre viria a suscitar a questão: então e as mulheres que também fizeram a guerra? Dessa questão nasceu o terceiro componente do memorial, já no princípio dos anos 1990: o Memorial às Mulheres na guerra do Vietname.
Este é um dos exemplos que William Hirst e David Manier (**) dão do que se chama “guerras da memória”, que surgem quando memória e identidade se embrenham fortemente: quando a forma como recordamos o passado tem muito a ver com o que queremos no presente e no futuro para a nossa comunidade.
(**) HIRST, William, e MANIER, David, “Towards a psychology of collective memory”, in Memory, 16(3), pp. 183-200 (2008)
(*) [Este texto já tinha sido publicado aqui, a 18 de Junho de 2008. Republico-o, agora, numa reflexão que acho apropriada a uma comemoração do 25 de Abril. É que já há tantos vinte-e-cincos-de-abril a serem comemorados, que algum significado isso há-de ter...]
Vejam bem que não há só gaivotas em terra quando um homem se põe a pensar quando um homem se põe a pensar Quem lá vem dorme à noite ao relento na areia dorme à noite ao relento no mar dorme à noite ao relento no mar
E se houver uma praça de gente madura e uma estátua e uma estátua de de febre a arder
Anda alguém pela noite de breu à procura e não há quem lhe queira valer e não há quem lhe queira valer
Vejam bem daquele homem a fraca figura desbravando os caminhos do pão desbravando os caminhos do pão
E se houver uma praça de gente madura ninguém vem levantá-lo do chão ninguém vem levantá-lo do chão
Vejam bem que não há só gaivotas em terra quando um homem quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem dorme à noite ao relento na areia dorme à noite ao relento no mar dorme à noite ao relento no mar
«A presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, defendeu ontem à noite que a discussão sobre a regionalização não é, de momento, prioritária, ainda que seja um assunto que "está sempre na agenda política".»
Está sempre na agenda política? Então... tirem-na. E, por favor, não colem a questão da "regionalização" à fronteira entre PS e PSD.
Não há talvez nada mais ameaçador para as pessoas, pelo menos em tempo de paz, do que o desemprego, efectivo ou como possibilidade. Esse fenómeno deve estar, pois, no centro de todas as políticas. E, pelas mesmas razões, deve estar afastado de toda a demagogia. Seria muito difícil acrescentar a esta notícia a evolução do número de desempregados que têm encontrado emprego, mês a mês, segundo dados das mesmas fontes? Não se faz isso por ignorância ou por má-fé? Ou por achar que os leitores não são capazes de perceber notícias menos "nítidas"?
«A 7 de Maio as bancas portuguesas vão ter de arranjar espaço para o novo jornal. O "i" vai sair daqui a duas semanas, numa quinta-feira, confirmou o director adjunto André Macedo, que não quis avançar o número de exemplares do primeiro número.»
Há jornais a mais em Portugal. Mas faltam jornais neste nosso país.
... (sempre que me lembrar ou a situação for mais formal), louvando-me neste parecer do Enxuto. Pela simples razão de que, sobre falar e escrever português, no Enxuto sabe-se o que se diz.
«Os advogados [do escritório de advogados inglês Decherts] visionaram o vídeo (divulgado na passada sexta-feira pela TVI) feito por Alan Perkins, ex-administrador do Freeport, fizeram cruzamentos de transferências de dinheiro e ouviram testemunhas. A conclusão foi de que, quando muito, Charles Smith estaria a tentar 'sacar' mais dinheiro do Freeport pela consultadoria prestada, inventando a história dos subornos. (...) A Decherts analisou todas as transferências de dinheiro de Inglaterra para Portugal. Em Alcochete, uma técnica de contabilidade fez o mesmo. Não foi encontrado nada de anormal que pudesse sustentar as palavras de Charles Smith quanto a pagamentos de subornos a José Sócrates.» Isto, segundo o Diário de Notícias, aqui.
Só vi a entrevista feita a Sócrates ontem na RTP1 lá para perto da meia-noite, dados outros afazeres. Traz esse facto a vantagem de dispor da gravação para poder confrontar alguma das fantasias que sempre surgem, se for o caso. E também a vantagem de que, entretanto, já dormi sobre o assunto e posso, agora, dar uma opinião. A entrevista não foi uma grande entrevista. Não se falou de muita coisa que devia ter sido falada. Pareceu mesmo uma segunda edição de entrevistas anteriores, pelo conteúdo. O jornalista de serviço esteve baço, mas sem nunca perder a compostura. A jornalista do duo continua tomada pelo síndrome da irreverência juvenil : acha necessário dar alguns pulinhos para não parecer submissa, em vez de preparar perguntas inteligentes como método de desafiar o entrevistado. O entrevistado, naturalmente, acha mais fácil responder ao que lhe perguntam - embora pudesse tenta introduzir algumas outras dimensões. O meu problema com a entrevista é que ela ignorou uma série de "novos" temas que hoje são incontornáveis, especialmente para um líder social-democrata (ou socialista, ou trabalhista), ainda por cima no poder. Exemplos? Vejamos, dispersamente.
Afinal, o que é que a crise mudou na concepção do papel do Estado? Que novo tipo de regulação se espera para o sistema financeiro, o que podemos fazer a nível europeu e a nível nacional para termos garantias de que não volta a acontecer exactamente o mesmo daqui a poucos anos? E que implicações tem tudo isto no modelo de integração de Portugal na UE? O que é que tem de mudar na relação entre a economia da produção e a finança? Como é que as reformas no sistema das relações de trabalho, recentemente introduzidas em Portugal, se estão a aguentar nesta prova de fogo? Como é que a "nova vaga" de políticas sociais tem revelado encaixar as consequências sociais desta crise? Haverá necessidade de desenvolver novas formas de solidariedade social para enfrentar a gama de problemas que esta crise iluminou? E isso trará novas exigências em termos de forma de vida? Haverá necessidade de reformular o funcionamento de certos mecanismos para tornar o mundo do trabalho mais resistente a estes fenómenos, por exemplo reforçando o papel dos sindicatos na vida económica, e das empresas? E há alguma coisa que as pessoas possam fazer para se preparar, como seja investir na educação e qualificação? E quais serão responsabilidades próprias das famílias nessa matéria? E o que é que os socialistas têm a dizer de novo, e de diferente, acerca de tudo isto? O que é que, afinal, ser, como Sócrates diz, de "esquerda moderna", tem a ver com tudo isto?
Estas são apenas sugestões ao correr da pena para o que poderia ter sido uma outra entrevista a Sócrates. Será que uma entrevista destas é mesmo impossível no nosso país, com os nossos jornalistas, com os nossos políticos?
«Cheney afirma que a divulgação foi um erro especialmente porque não foi acompanhada pela publicação de outros memorandos que mostram que estas técnicas “funcionam”.»
A questão não está em torturar ou não. A questão está na medida da eficácia (e talvez também na eficiência) da tortura. Para alguns, o problema é esse. E depois os "outros" é que são selvagens.
Se aquilo que se viu e ouviu são os "autênticos" cabeças-de-lista dos "grandes partidos" ao Parlamento Europeu, a autenticidade é muito triste. A não ser que o objetivo fosse (seja) aumentar a abstenção. Um feito notável: a tradicional fronteira entre os pró-UE (PS, PSD, o CDS às vezes) e os anti-UE (PCP, BE) não apareceu com a evidência do passado. Será estratégia do PSD acabar também com esse "pacto de regime" que o unia ao PS? Estará, por razões eleitorais, o PSD disposto a eliminar o "bloco central europeísta"? Isso daria, à dupla MFL/Rangel, um lugar na história política recente de Portugal.
Quantos discursos precisa Cavaco de fazer para o PSD apresentar as propostas que correspondam ao limiar de poderes que a sua ambição presidencial contempla?
António Vitorino está ali na TV a defender que, quem quer que ganhe as eleições para o Parlamento Europeu, é provável que Durão Barroso apareça como objecto de grande consenso para continuar a ser Presidente da Comissão. E que, nesse caso, nem sequer apareça qualquer outro candidato. Fica bem a António Vitorino, tendo sido "traído" por Barroso há 5 anos, defender agora a mesma posição que tinha na altura, apesar de ela agora ser favorável a Barroso: o presidente da Comissão não deve resultar apenas dos raciocínios partidários no Parlamento Europeu. Contudo, uma Europa incapaz de se livrar do último rosto da fotografia dos Açores, é uma Europa com as suas capacidades diminuídas. O que é mau para estes tempos.
CRUZEIRO SEIXAS, A Paisagem Exteriormente - A Paisagem Exterior Mente, 1973
João Rodrigues escreve no Ladrões de Bicicletas: «Os socialistas, que sabem que todas liberdades dependem, em última instância, de um Estado com recursos para as transformar em realidade para todos...». O post completo é este. Sou dos que entendem que o Estado tem um papel crucial em qualquer sociedade que não queira reger-se pela lei da selva. E também me incluo no grupo dos que pensam que os partidos "sociais-democratas" (como o PS, em Portugal) andaram muitos anos distraídos disso. De qualquer modo, fico pasmado com os que ainda acham que o Estado tem de ser, sempre, "para todas as liberdades", "a última instância". Para quem escreve num blogue com tantos contributos da "velha economia institucionalista", parece-me um bocadinho esquemático demais. Redutor. E também me parece enfermar de um pecado que se está a tornar corrente na esquerda-que-dá-lições-a-toda-a-gente: esquece a história. Para quem segue o método (correcto) de apontar aos outros os respectivos "esquecimentos" da história, valia a pena não esquecer como "o Estado em última instância" também provou não ser coisa simples. Nem "canivete suíço".
Este país afinal sempre é capaz de se mobilizar em alguma direcção! Para aumentar a produtividade, para elevar o nível geral dos rendimentos mais baixos, para tornar Portugal um país de profissionais qualificados, para reduzir drasticamente as desigualdades quando elas são iníquas, para essas coisas menores talvez não. Para isso o país acha que o esforço não vale a pena. Agora, para dar caça a alguém ou a algum governo que tenha tocado no que "as classes" julgavam serem os seus direitos inalienáveis, a inventividade não se esgota. Agora são os notários, que tiveram o seu momento de zanga por verem o seu negócio roído por medidas de simplificação administrativa que não existiam aquando da privatização. [como escrevemos aqui]
«Uma nova tecnologia que permite controlar um robô, a mais de 1500 quilómetros de distância, utilizando apenas ondas cerebrais e a visão, foi desenvolvida por cientistas portugueses e suíços e vai ser apresentada em Coimbra.»
Controlar robots à distância só com ondas cerebrais? Qual é a novidade? George W. Bush, por exemplo, conseguia controlar, a muito maior distância, gente como Aznar, Barroso, Blair ou mesmo o sr. Fernandes do Público. E nem precisava de ter uma mente muito poderosa para fazer isso.
Se Cavaco acha que está tudo tão mal, por que não convoca o Conselho de Estado, onde aproveitaria para saber a opinião do seu amigo Dias Loureiro sobre a crise?
Cavaco nunca foi PM deste país durante uma década, nunca presidiu a um dos períodos mais longos de promoção do novo-riquismo exibicionista, nunca teve uma política de gastar os fundos comunitários a preservar o que era fraco em vez de estimular a sua substituição pelo que fosse forte, inovador e competitivo. Cavaco, o ET, bolsa para cima de toda a gente como se tivesse chegado agora do espaço exterior. (Nota: aquele termo "bolsa", ali acima, é do verbo "bolsar", que remete para aquele fenómeno de os bebés deitarem uns restos de leite fora depois da biberão. Não tem nada a ver com a bolsa das acções, porque esse seria outro assunto.)
Tenho andado a relatar as minhas aventuras com o serviço MEO. Já postei sobre isso aqui e aqui. Hoje há novos desenvolvimentos. Basicamente, o que temos é o seguinte. Na quinta-feira "santa", 9 de Abril, cerca das 13H, comuniquei à assistência técnica do MEO que estava sem nenhum "ramo" do serviço. As prometidas 24 a 48 horas para tentar resolver o problema evaporaram-se sem que nada de real acontecesse, apesar da simpatia da maior parte dos meus interlocutores ao telefone nos vários contactos. Uns tantos dias depois (dia 14 de Abril ao início da tarde) tive ao telefone pela primeira vez um técnico que parecia estar a querer fazer qualquer coisa pelo problema. Marcámos intervenção local para hoje às 10 horas. Hoje, sábado (depois de ter viajado de Lisboa e chagado a horas do encontro), quando entrei no local por volta das 10 horas , o serviço de TV e Net estava restabelecido. Parece que foi resolvido remotamente, na central, (como em muitos casos), por iniciativa do técnico que entretanto me contactara. Quer dizer que se alguém tivesse pegado no assunto em devido tempo, eu poderia ter tido tudo isso no fim de semana de Páscoa. Assim, estive às escuras. Mesmo assim, continuo sem telefone fixo, num sítio onde a rede móvel da PT é quase inexistente. Entretanto, hoje, uma hora e tal depois da hora do agendamento, nada acontecia. Telefonei, não sabiam de nada mas iam passar a mensagem aos serviços técnicos. Que pouco depois me contactaram: tinham tido de "fechar" a avaria aquando da intervenção anterior (na terça-feira) e tinham estado à espera que a supervisão "abrisse" nova avaria, para poderem vir atender-me. Vieram. Faltava o telefone, portanto. Não era nada dentro de minha casa. Era lá fora, nos cabos da rua, mas a empresa que estava a dar assistência não tem equipas de "urgência" nesse "sector", portanto não intervém ao fim de semana, mas talvez a própria PT ainda resolva isso antes de segunda-feira. De qualquer modo, já não estou preso em casa porque tudo vai passar-se lá fora, na rua, o que é agradável. Fico à espera de voltar a ter o MEO a funcionar em pleno. Mas ninguém me vai fazeer descontos pelo tempo de interrupção do serviço. Entretanto, continuo a fazer a experiência de empresas para quem o cliente tem uma existência relativa. Há que deixar o cliente o mais possível entretido com "telefonistas" simpáticas e palavras mansas, mesmo que entretanto a maquininha de resolver os reais problemas não se mova mais depressa do que os antigos comboios do Vale do Vouga. E com tanto esforço de fumo e faúlhas como essa velha glória do nosso atraso. Só que desta vez em roupagens tecnológicas. PT, empresa soviética? A seguir a tudo isto estar resolvido, vou começar à procura do livro de reclamações...
Numa coisa o BE tem razão: numa matéria que ataca os fundamentos do Estado democrático e da decência pública, como é o caso da corrupção, não pode haver tibieza, nem contemplações, nem meias palavras e meias acções. Já outros o disseram há muito, também dentro do PS, mas não foram suficientemente escutados, no que constituiu claramente um erro de apreciação política desta direcção do PS. Contudo, noutra coisa o BE e Louçã não têm razão: nos assuntos da seriedade deste não se pode ceder à tentação da superioridade moral, assumindo a postura de consciência de tudo e de todos e, mais grave, tentando usar essa postura moral para impedir a serena apreciação das soluções possíveis. Dar uma solução ao problema da corrupção não é apenas uma questão de vontade, é uma questão de inteligência: encontrar as formas de fazer. Sem atropelar os direitos e liberdades, sem estender a mão dos poderes mais do que o necessário, sem meter tudo no mesmo saco, percebendo exactamente quais os mecanismos que estão em causa. Só assim se pode, ao mesmo tempo que se preserva a legitimidade da acção, conseguir um grau de eficácia compensador na caça aos prevaricadores. E isso só se pode conseguir contando com os contributos de todas as forças políticas interessadas em enfrentar o problema. Sem a demagogia de que só nós somos honestos, só nós sabemos o que fazer. Alargando a frente anti-corrupção e não a rebaixando a uma mera luta imediata por mais uns votos. Sem o espectáculo da rectidão, da certeza dos iluminados, dos justiceiros de capa e espada - sem as taras da "moral revolucionária". Tudo coisas que parecem continuar a impedir Louçã de distinguir o essencial do acessório, na arrogância dos que anunciam que não vieram ao mundo para negociar.
Ora aí está. Se pensavam que havia um guichet na Casa Branca para pedir todos os milagres imagináveis a Obama, desenganem-se. Mesmo que seja profeta, os profetas não fazem milagres: falam de caminhos possíveis. Caminhos esses que têm de se trilhados se queremos que levem a algum lado. Isto é: não basta esperar e receber. É preciso corresponder. Fazer qualquer coisa que alimente o caminhar. Obama, aliás, já começou a fazer perceber isso também à Europa. Ainda bem.
Vasco Pulido Valente, na sua coluna de hoje no Público, zurze na escolha do cabeça de lista do PSD para as eleições para o Parlamento Europeu. A sua prosa contém elementos interessantes. Por exemplo, quando identifica a falta de genuíno interesse da "elite" pela política como marca do conservadorismo dessa mesma "elite" à portuguesa. Quanto ao resto, é um poço de lamúrias pela pobreza das figuras que o PSD actualmente apresenta, e uma queixa pública contra os que, existindo e podendo fazer melhor por esse partido, se encolhem. Escreve, a fechar: "o que havia de melhor preferiu o seu cantinho e o seu emprego, para gozar descansadamente a vida, longe dos torpes sarilhos da política". Ocorre-me, apenas, perguntar duas coisas. Primeiro: não será que VPV, com a sua contribuição para um estilo de intervenção pública ao jeito de inquisidor-mor, faz parte dos "sarilhos da política" que desencorajam alguns a sujeitar-se a esse exercício, por não se acharem dispostos a aturar todos os palpites dos treinadores de bancada? Segundo: VPV, ex-secretário de estado e ex-deputado, com obra tão relevante que todos nos lembramos bem do que por lá fez, a merecer estátua e a caucionar a sua constante demolição do desempenho dos políticos actuais, por qual razão VPV não dá um passo em frente, mostrando pela prática como entende distinguir-se dos que "preferem o seu cantinho e o seu emprego"? Haja decoro.
otorrinolaringologia, s. f. Parte da Medicina que se ocupa dos ouvidos, garganta e nariz.
otorrinolaringologista, adj. 2 gén. s. 2 gén. Que ou pessoa que se ocupa da otorrinolaringologia.
Pareceu-me ouvir, no noticiário da TSF à meia-noite, o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a declarar que não tinha dito que houve pressões sobre magistrados no caso Freeport. Mas eu devia estar com sono a essa hora, não devo ter percebido bem. E o jornalista que estava a entrevistar o senhor também devia estar com sono, porque reagiu como se não estivesse a acreditar no que estava a ouvir. Andamos todos a precisar de ir ao médico. Otorrinolaringologista, provavelmente.
Que encanto particular podemos encontrar nesta mulher? Clique sobre a imagem e veja com os seus próprios olhos e ouça com os seus próprios ouvidos. É, de momento, um conto de fadas contemporâneo. E, quando se tornar mentira, será um mito urbano.
Aqui há já mais de cinco anos, num outro blogue que na altura editava, e arrastado por outro assunto, publiquei um texto de memória, memória de uma pessoa que estimara e que nos deixara uns anos antes. Hoje, foi com emoção que recebi uma mensagem de um velho amigo da Charlotte, que descobriu, numa busca na net, por via desse meu singelo apontamento, onde está ela agora. Por homenagem à amizade, inclusivé aquela que perdura para lá das separações forçadas, e aos sentimentos que a internet pode, apesar de tudo, ajudar a viver, republico esta homenagem pessoal. Fazendo a Charlotte viver uma e outra vez para além do seu passamento.
Na minha anterior entrada intitulada Política, Ciência, Linguagem (e Memórias), era feita uma referência específica ao papel desempenhado pela delegação da Suécia numa determinada negociação comunitária tendo Bruxelas por palco. A minha amiga Charlotte von Redlich era nessa altura a chefe da delegação sueca. Um ano depois da negociação mencionada naquela entrada, cabia à Charlotte presidir ao grupo de trabalho (durante o primeiro semestre de 2001). Mas a Charlotte entretanto contraiu uma "doença prolongada". Mesmo assim, não abandonou o seu posto. A partir de certa altura presidia às reuniões com uns tubinhos de plástico que lhe entravam pelo nariz, vindos de um dispensador de morfina que carregava consigo à cintura. Nessa altura, o seu brilho intelectual já não era o mesmo, mas a sua gentileza continuava intacta. E a sua coragem aparecia com uma nitidez que não esperávamos. No intervalo entre duas reuniões, faleceu. Foi por ela que, pela primeira e última vez, chorei abertamente numa reunião do Comité dos Representantes Permanentes, sentado à mesa das negociações ao lado da Representante Permanente Adjunta portuguesa, que eu assessorava num certo ponto da ordem do dia. Nessa ocasião escrevi o seguinte texto.
À Charlotte von Redlich.
De nada me vale agora / ter aqui à mão o teu número de telefone, telecópia, endereço electrónico, / @ ministry_of_foreign_affairs_dot_se / porque não me irás responder / nem ninguém aceitará dizer-me que vens mais tarde ou talvez amanhã / e não sei como procurar outros caminhos para te falar. / Vieste do largo país antigo império do norte, / como eu venho do pequeno país antigo império do sul, / mas pela tua humanidade podias ter vindo de qualquer canto do mundo / por onde andaste / e espero que de algum modo ainda andes. / Cruzaste-te aqui / connosco / onde nos deste batalha / e rias-te de gozo quando fazias uma pergunta difícil / que sabias que nos ia atrapalhar, / mas antecipávamos que apenas lançavas os dados de rir-te com gosto / quando nos desembaraçássemos para te dar a resposta apropriada, / porque nitidamente para ti não haveria mundo / sem perguntas a fazer e respostas a procurar além das palavras / num perpétuo partir de novo. / Não nascemos na tua terra grande / onde podias às vezes ver o sol da meia-noite / e às vezes ver um dia todo breu, / e não somos, por isso, naturalmente dos teus, / mas estamos em crer que se nos esforçarmos para o merecer / poderás tu ser dos nossos, / porque aquela história de ser património da humanidade / certamente não vale apenas para pedras bonitas e antigas / e para nomes que vêm nos jornais de todas as capitais, / mas mais justamente ainda há-de valer para os nobres de todos os dias. / Andamos aqui entre ondas e vagas quotidianas / e paramos tão pouco para olhar nos olhos dos outros / e um dia reparamos que ainda não conhecíamos os traços dos rostos vizinhos: / confessa que partiste agora para nos avisar disso, enquanto é tempo. / Oro para que continues a olhar pela nossa humanidade / e se multipliquem as pessoas luminosas, o teu legado. / Não partas, Charlotte. / Pelo menos não partas hoje, / que ainda temos coisas a aprender contigo.
Há pessoas (e partidos?) que suportam muito mal a liberdade de opinião. Normalmente, esses toleram mal esse fenómeno dentro das suas próprias paredes. Rangel, e o PSD neste caso, suportam mal a liberdade de opinião mesmo no espaço de outros partidos. É triste de ver. Já agora, fica este apontamento: no caso (improvável) de os socialistas se tornarem, a nível europeu, o maior grupo do próximo Parlamento Europeu, o que Vital afirmou como sua opinião pessoal acerca de Durão terá, como nesse caso se veria, muitas virtualidades. Será por se dar conta disso que Rangel está a tentar atemorizar o PS com isto?
«Está no sangue» de certos «camaradas», mesmo que sejam Doutores por extenso e tudo. Ler a cultura pela cartilha do "realismo socialista" à moda soviética: um quadro serve ou não a luta de classes, uma canção serve ou não serve para fazer oposição. Pensar a liberdade de criação artística para lá do imediato oportunismo, tá keto ó mau, issé k não. Insisto no que disse há umas horas.
E se eu começar a atirar os pratos ao chão e gritar "há o risco de ficarmos com a louça toda partida" - isso é o quê?
(É claro que o Público escreve que o tal senhor «denunciou publicamente, há duas semanas, a existência de pressões sobre os magistrados que investigam o chamado “caso Freeport”», assumindo o pressuposto de que as pressões existem, sem qualquer cautela do tipo "alegadamente" - porque, claro, para o Público a realidade é aquilo que os seus responsáveis ouviram uma nuvem dizer na Cova da Iria. Mas isso, da parte do Público, já não espanta.)
Quando o grande intelectual que edita o blogue Abrupto dá publicidade a uma carta de um leitor que acha que o primeiro-ministro não trabalha porque passa a vida em "eventos", dando como exemplo uma semana em que num dia esteve numa escola e noutro dia esteve numa farmácia e num tribunal, acrescentando «em cinco dias úteis, dois foram passados em acções mediáticas» - estamos conversados acerca do calibre da personagem. Podia ao menos ser um pouco didáctico e explicar certos factos básicos da vida ao seu leitor, para não dar a ideia de ser tão primário e mal informado como o dito. Ou tudo o que vem à rede é peixe quando se trata de venerar o/a chefe?
Quando no PS não se notam públicas divergências, é porque o PS vive na paz dos cemitérios (unanimismo, medo, etc. e tal). Quando no PS há diferentes pontos de vista sobre uma questão, e eles se assumem, a isso chama-se contradições. Em que ficamos? Em nada, é só palha para quem a come. Rangel devia responder a uma questão: se a candidatura de Durão é nacional (e o que é nacional é bom), por que razão Durão foi apresentado como candidato a presidente da Comissão Europeia por um partido, o Partido Popular Europeu? Se o PSD queria que Durão fosse o candidato português, por qual razão não o aconselhou a não se deixar atrelar a um partido específico? Além do mais, o sr. Durão e os seus amigos do PSD são, nesta matéria, muito hipócritas. Quando publicamente faziam de conta que, em nome de Portugal, apoiavam António Vitorino para presidente da Comissão, andavam a manobrar partidária e secretamente para que Barroso lhe tomasse a vez. Trocar um português por outro português, apenas por razões partidárias. E contra os compromissos políticos públicos do governo português. Isto foi o que se passou na anterior ronda. E agora cantam de galo e querem dar lições a toda a gente - como se já estivesse esquecido, por eles e nós, a sua jogatina de há tão poucos anos.
Sou, regra geral, apreciador de Vital Moreira. Quer pela consistência da argumentação política (mesmo quando não concordo), quer pela capacidade para ver para lá da espuma dos dias e dos biombos dos interesses aparentes. Por isso mesmo, não compreendo a necessidade deste tipo de linguagem agora usada: não seria possível, mesmo tendo razão, atacar o seu recém-aparecido adversário sem palavreado de mau gosto? Quando até pessoas do nível de Vital descem a este linguajar, percebemos quão podre está a política deste país. Chiça!
"Sem Eira nem Beira", uma música do novo álbum dos Xutos & Pontapés está a ser lida por certos meios como um manifesto anti-Sócrates. Fontes da banda já vieram dizer que "nem por isso". Esta agitação com este assunto não me parece um facto menor. Parece-me até bastante revelador da mentalidade que se instalou numa nova classe de manipuladores das mentes. Sinto, pois, a obrigação de me declarar: primeiro, que a canção em causa é evidentemente de protesto social, de denúncia de uma série de fenómenos que desagradam a toda a gente bem formada, e que o "apelo" ao "senhor engenheiro", contido no refrão, aponta para o governo como alvo da contestação - como teria de ser, porque uma canção não é um tratado de sociologia com subtilezas, é uma canção que tem de colocar as coisas na sua forma mais mobilizadora e entendível; segundo, que muita da boa música que se tem feito, em Portugal e no mundo, há muitos anos, é precisamente de protesto e de denúncia social, e os Xutos têm entrado mais do que uma vez por aí - e ainda bem que tudo isso é assim; terceiro, que a suposta tentativa, por parte de apoiantes do governo (nas câmaras, por exemplo) de calar este tipo de intervenção artístico-social, seria uma acção ridícula, mesmo que essa tentativa passasse "apenas" por tentar ignorar a banda na contratação para concertos; quarto, que a tentativa de canalizar partidariamente (contra o PS, neste caso) esta canção de conteúdo social, transformando-a numa "peça de oposição", seria igualmente ridícula, por ser tão redutora como a acção "castigadora"; quinto, só mentes pequeninas, que não vêem para lá da sua esquina de pequenos ódios, é que se atrevem a tentar manipular a bendita liberdade dos artistas para fins directamente eleitoralistas, confundindo os planos - e, desse modo, mostrando que o seu afã propagandístico é menos subtil do que o do próprio António Ferro. Pobre país onde tudo é reduzido a um único ponto, uma única questão, uma única vendetta para todos os grupos de rancores.
Anda tudo do avesso Nesta rua que atravesso Dão milhões a quem os tem Aos outros um passou - bem
Não consigo perceber Quem é que nos quer tramar Enganar Despedir E ainda se ficam a rir
Eu quero acreditar Que esta merda vai mudar E espero vir a ter Uma vida bem melhor
Mas se eu nada fizer Isto nunca vai mudar Conseguir Encontrar Mais força para lutar...
(Refrão) Senhor engenheiro Dê-me um pouco de atenção Há dez anos que estou preso Há trinta que sou ladrão Não tenho eira nem beira Mas ainda consigo ver Quem anda na roubalheira E quem me anda a comer
É difícil ser honesto É difícil de engolir Quem não tem nada vai preso Quem tem muito fica a rir
Ainda espero ver alguém Assumir que já andou A roubar A enganar o povo que acreditou
Conseguir encontrar mais força para lutar Mais força para lutar Conseguir encontrar mais força para lutar Mais força para lutar...
(Refrão) Senhor engenheiro Dê-me um pouco de atenção Há dez anos que estou preso Há trinta que sou ladrão Não tenho eira nem beira Mas ainda consigo ver Quem anda na roubalheira E quem me anda a foder
Há dez anos que estou preso Há trinta que sou ladrão Mas eu sou um homem honesto Só errei na profissão
Como é bom viver no planeta MEO já expliquei aqui. Agora, mais de 120 horas depois de ter comunicado a avaria que me deixou no planeta Meo, fui contactado pelos serviços técnicos para marcar uma observação ao doente. Como não posso passar a semana num local de férias e fins de semana, a visita do médico tem de esperar. Quando tiver a dita de ver o doutor entrar pela porta dentro, talvez para curar o doente, terão passado mais de 200 horas desde a participação da avaria. E feliz serei se a saga ficar por aí.
Não encontro melhor comentário a este assunto picante (que andou por aí enquanto eu estive no planeta MEO) do que uma recente série de postas de E Deus criou a Mulher, a saber:
Assim percebo por qual razão houve tanta gente por aí indignada com o código de vestuário que os "ditadores" queriam "impor pela força das armas" a umas pobres moças de zona tão quente do país, ameaçando levá-las de volta ao "24 de Abril".
O livro O Japão é Um Lugar Estranho, de Peter Carey, deve ser aconselhado a todos os apreciadores de Banda Desenhada que encaram essa prática como uma forma de cultura. Servindo como uma espécie de pré-introdução a formas japonesas que podem comparar-se à nossa BD, funciona também como entrada às complicações que a BD pode criar (e resolver?) na convivência entre gerações, especialmente nos ramos masculinos. E mais não digo, remetendo para a leitura. (Entretanto, podem acompanhar a leitura com uma visita aos Jardins Metafísicos.)
Não sou apreciador do regime cubano. Mas acho que, se percebermos minimamente como funcionam as pessoas concretas, entenderemos que esta orientação dos EUA face à ilha poderá dar mais frutos (a prazo) do que a "pureza ideológica" do passado. Estranho, aliás, é que os presidentes americanos tenham tido tanta dificuldade em perceber porque é que o capitalismo funciona. (Isto não é excesso de optimismo: é convicção de que devagar se vai ao longe.)
Há uma explicação simples para ter desaparecido daqui nos último dias: estive no planeta MEO. O serviço MEO é óptimo. Tenho, no sítio onde costumo refugiar-me para fim de semana, parte das férias, e certos períodos de trabalho concentrado-acelerado, o serviço triplo: televisão, telefone, internet. Tudo de qualidade... quando funciona. Quando avaria, é o diabo: é só conversa fiada das meninas que dão a voz à empresa, é só empurrar para a frente com a barriga mas sem que as mãozinhas cheguem a dar andamento a nada. Há vários dias. De uma comunicação de avaria feita ao princípio da tarde de quinta-feira, dizem-me hoje que ainda não foi passada aos serviços técnicos. Do serviço comercial, por outro lado, não são capazes de responder a uma pergunta simples: "qual é o vosso compromisso em termos de quanto tempo demoram, após a comunicação de uma avaria, a colocar os serviços técnicos a tentar repor o serviço?" Certas empresas, por razões históricas mais ou menos conhecidas, têm um estilo soviético de relacionamento com o cliente. E continuam a ter, mesmo depois de deixarem oficialmente de ter a protecção do soviete supremo. Neste país, isso paga. Isso e outras espertezas saloias toleradas ao espírito "liberal-soviético", que junta todas as taras dos vários mundos possíveis. Como voltei a casa, voltei a estar em linha. Mas os camaradas do MEO vão certamente encarregar-se de vos poupar à minha escrita, na primeira oportunidade!
Quanto aos fármacos que o doente deve levar para casa, os vendedores das drogas - não os médicos - querem decidir como fazer. E a lei, se não permite que assim seja, que se mude. O homem das farmácias dá o tom: chegou a hora do regresso dos poderes de facto. Os que sempre fizeram como bem entendiam, se necessário interpretando criativamente a legalidade e a legitimidade, podem voltar ao velho tom a que se habituaram. Este senhor apenas vem passar a palavra de que chegou a hora de recompor as coisas. Para isso serve a orquestração de enfraquecimento do Estado, juntando numa curiosa coligação, por um lado, os que assim querem recuperar a velha desordem que serve o seu interesse económico e, por outro lado, os que assim sonham recuperar um cheirinho de revolução de pacotilha. Ou pensam que as múltiplas iniciativas de descredibilização do Estado eram tão somente uma brincadeira inocente?
«Em conferência de imprensa, o responsável adiantou no entanto que os doentes vão continuar a ser informados do valor que poupariam se esta substituição fosse feita e que tal informação constará da afctura dos medicamentos.» Acho bem. Isso é razoável.
«João Cordeiro diz que a ANF está disposta a processar judicialmente o Ministério da Saúde se este devolver sem pagar as receitas médicas que forem alteradas nas farmácias. Para o presidente da ANF, a ameaça de Ana Jorge trata-se de uma "medida administrativa" que terá como resposta acções em tribunal.» Se o Ministério fizer cumprir a lei, o tal senhor processa o Ministério. Se fosse de outra corporação... ameaçava excomungar o Ministério.
«João Cordeiro anunciou ainda que, no caso de devolução das receitas médicas sem o pagamento da comparticipação do Serviço Nacional de Saúde, será a associação e não as farmácias a arcar com o prejuízo.» É para isso que servem as corporações: para incentivar os seus a desobedecer, pagando as custas para que a "resistência" vingue.
«O bastonário da OM alertou ainda que se está "a assistir, essencialmente, à troca de genéricos por genéricos que dão mais interesse à farmácia, em vez de outro genérico de outra marca".»
A mobilização geral contra um governo que enfrentou "classes" poderosas não é inocente, mesmo que os inocentes lhe sirvam de tropa. Essa mobilização geral destina-se a evitar que os interesses instalados sejam incomodados no seu sossego. E "a tropa de inocentes" que fornece a carne para essa "mobilização geral" é que pagará o regresso dos interesses à sua habitual pacata "normalidade". E os teóricos da luta de classes fazem de acólitos, em nome do curto prazo da democracia burguesa.
Este caso é o espelho perfeito da casa de bruxas que é hoje em dia a UE em matéria política. Supostamente, as eleições europeias (para o Parlamento Europeu) servem para apurar a vontade popular em matéria de orientação da União. Supostamente, isso reflecte-se, nomeadamente, na indigitação do Presidente da Comissão Europeia. Supostamente, a Comissão é um órgão supranacional, onde as escolhas são "comunitárias" e não por nações. Entretanto, agarrados aos velhos vícios, uma série de dirigentes "socialistas" europeus declaram apoiar Barroso para presidente da Comissão. Apesar de ele ser o candidato do PPE. Implicitamente, declaram apoiar os efeitos de uma derrota dos seus próprios partidos ao nível europeu. O PS português, enroscado nos seus pruridos "nacionalistas", está mais arrombado por esta questão do que nenhum outro. Depois ainda se queixam de que "o povo" não esteja muito esclarecido acerca da verdadeira razão das eleições para o Parlamento Europeu!
Muitos dias tem o mês, um documentário de Margarida Leitão (aqui), foi seleccionado para a competição nacional de longas-metragens do festival INDIE LISBOA 2009 (23 de Abril a 3 de Maio). Está também presente na nova secção "Pulsar do mundo" (" filmes que lidam com questões relevantes da actualidade mundial"). Notícias frescas do Indie aqui.
Vi, nos últimos dias, as duas partes do filme de Steven Soderbergh sobre Ernesto Che Guevara. Pode dizer-se que aquilo que mostra não é excessivamente manipulado nem ideologicamente tratado a um ponto que não se tolere. Mas, e um grande mas, vai para o "intervalo" entre as duas partes. A primeira parte acaba com o triunfo da revolução em Cuba. A segunda parte começa com o abandono do governo e de todos os cargos no Estado cubano, por parte de Guevara, para se dedicar à guerrilha. Nesta biografia de Che foi atirado para o campo do não visto todo o período do governo. Como se isso fosse tolerável. O problema é que é no governo que partem os dentes a maior parte dos bem intencionados. (Dos mal intencionados, claro, nem interessa falar.) É que fuzilar quando se anda na serra, a dar e a receber tiros, é uma coisa, quer gostemos ou não gostemos dessa coisa. Fuzilar quando se é ministro todo-poderoso, é outra coisa. Também por isso governar é o inferno das boas intenções. Mais pelo que o governar mostra do que não se sabe fazer, mostra das ingenuidades. Ora, fazer a economia disso numa biografia destas, é bem o espelho do fracasso fundamental que a esquerda "revolucionária" trouxe do século XX para o século XXI. E talvez nem só a revolucionária.
MFL acusa JS de mentir por lembrar as propostas do PSD em matéria de privatização parcial da Segurança Social. MFL, a propósito da nomeação de um corrupto condenado para gestor de uma empresa intermunicipal, nomeação que teve a intervenção de autarcas do PS e do PSD, critica o PS e diz que o PSD não tem nada a ver com isso. Que MFL não tinha qualquer ideia para o país, já se sabia. Que MFL é capaz da mais pura desonestidade para tentar esconder isso, começa a tornar-se patente. Que MFL, pensando que assim engana o país, mostra falta de inteligência, talvez até ela venha a compreender. De qualquer modo, MFL revelou-se muito melhor que Santana Lopes num objectivo que parece, agora, uni-los: tentar tornar o país ingovernável. Para isso serve a sua "credibilidade".
Estou com os críticos que profetizam que nada de realmente novo resultará da cimeira, por nela apenas estar gente que quer remendar o sistema para salvar o sistema. Claro, as revoluções não são decididas por aqueles que seriam apeados pela própria revolução. Por outro lado, não espero nada da generalidade dos críticos da esquerda académica, e estou certo de que eles não nos levarão mais longe do que os grandes das nações. Pela simples razão de que, também eles, estão a defender os seus privilégios. Os privilégios de uma intelectualidade que visiona outro mundo, mas com os pés bem metidos nas pantufas deste que temos. Os verdadeiros revolucionários não vão aos manuais de ideologia ver se descobrem quem são os explorados. Vão às terras onde vivem compreender quem detém os privilégios e quem deles está afastado. E uma certa esquerda académica tem uma noção bastante curiosa de "privilégios". Por exemplo, custa-lhe a ver que a posse de um lugar num qualquer sector do aparelho do Estado, quando essa posse não dependa do real contributo dado pelo agente para a comunidade, mas apenas da anterior "aquisição" desse lugar - essa posse pode ser um privilégio. Pelo menos relativo. Ainda por exemplo, custa-lhe muitas vezes a ver que os sistemas de reformas e pensões não podem ser pensados apenas na óptica dos que se preparam para receber (os mais velhos), sob pena de fazermos com que a prazo esses sistemas não tenham resposta para os mais novos (porque pode já ter secado a fonte quando chegar a vez deles). E como não vêem isso continuam a demagogia das reivindicações assentes no princípio cosmológico de que o dinheiro cai do céu. Quando não cai, imagine-se. Ora, hoje em dia, uma parte importante da esquerda académica está enredada nas cegueiras desses novos privilégios, por táctica política as mais das vezes. Entretanto, os verdadeiros deserdados do mundo são outros e andam por outras guerras. Guerras que não interessam muito a uma certa esquerda académica. Por exemplo, o micro-crédito, que tanta importância prática tem para tantos dos verdadeiramente pobres nos países realmente pobres, não parece ser um tema de grande interesse para muita dessa esquerda: talvez por crédito cheirar a "banco" e "banco" cheirar a capitalismo e isso não colar bem com o discurso primário anti-bancos. E lembramo-nos também de outros temas da "velha esquerda", que não parecem nada convenientes para a nova vaga: cooperativismo, autogestão, ... Porquê: porque a ideia que têm é que dá pouco resultado tentar recrutar "revolucionários" na base da ideia quase religiosa da "entrega ao outro". A esquerda académica não fará a revolução de pantufas, certamente. Uma outra questão será: farão a revolução os que partem vidraças e se exibem destruindo mobiliário bancário em manifestações mediáticas?
O Público tem hoje este título na primeira página: «PGR questiona ex-membro do governo de Guterres sobre pressões no caso Freeport». Espero, para os próximos dias, títulos do género «Polícia nascido às 13:23 do dia x do y de 1975 na Maternidade Alfredo da Costa interrogado em tribunal», «Homem vestindo camisola interior às riscas verdes e brancas horizontais atropelado mortalmente no IC19», «Professor universitário que na sua juventude costumava consumir cálices de vinho do Porto num bar do Bairro Alto lança livro de contos fantásticos», «Mulher que usa soutiens 32 copa B promovida a directora de marketing do Banco Tal». Em qualquer desses casos ninguém se preocupará com a relevância dos detalhes para a substância da notícia, porque todos estarão convencidos de que o Público simplesmente aprecia rechear as notícias com detalhes irrelevantes. Ou, em vez disso, trata-se de o Público apresentar sistematicamente o mundo como uma universal tramóia dos socialistas contra tudo o que existe de decente, sendo "decente" equivalente a "ao gosto do sr. Fernandes"?