29.10.08

esta é uma mensagem gravada



Olá! Chegou à caixa de correio do homem da máquina especulativa. Obrigado por ter ligado. De momento não estamos cá, pelo menos em corpo próprio e, sendo assim, não podemos atender. Depois do sinal, pode gravar a sua mensagem. E beijos e abraços aos que vieram por bem. Até daqui a mais três ou quatro dias, se a Passarola não descambar.

[sinal] deixe a sua mensagem [fim de sinal]


28.10.08

a metrópole feérica / terra incógnita

Capa e primeira página de Manata - A Metrópole Feérica



"A Metrópole Feérica" é o primeiro volume de uma série, "Terra Incógnita", editada (e bem) pela Tinta da China .

José Carlos Fernandes escreve, Luís Henriques desenha. Os apreciadores de BD conhecem ambos, não vou estar aqui a tentar ensinar o que os outros sabem melhor do que eu. Limito-me, portanto, a dar opiniões.

Este volume inclui seis histórias: Manata, A Metrópole Feérica; Fílon, O Teatro do Mundo; Khamsin, A Inconstância da Vontade; Trabântia, As Fundações da Sociedade Perfeita; Tangaroa, O Umbigo dos Oceanos; Babel, Um Deus que nos Escute. Estas histórias traduzem uma estratégia narrativa que consiste em contar coisas acerca de cidades ou lugares que, embora não existam no mapa oficial, estão bem presentes nos nossos medos ou esperanças, ou nas diabruras que homens e mulheres com organização fazem a outros homens e mulheres mais desprevenidos. Estes lugares imaginários habitam a nossa inteligência. A inteligência que podemos ter das nossas patologias colectivas. O texto que aparece nas badanas (e que reproduzimos abaixo) dá, e bem, o programa. E é um magnífico programa, com muito espaço para a imaginação - mas também com muito lugar para dizer coisas sérias, pertinentes, intervenientes. As obras utópicas sempre serviram para dar força ao falar do que existe e do que deveria existir, utopia nunca foi delírio. E esta "terra incógnita" tem programa à altura dessa tradição que nasceu muito antes da BD.


pedaço de uma página de "Fílon - O Teatro do Mundo"


Os desenhos são magníficos. Eu diria metafísicos. Transmitem ambiente. Ambiência. Uma sensação de estar. Um estado de espírito. Uma ameaça específica em cada história. Sim, porque cada história tem um tipo de desenho muito próprio. O conjunto é um magnífico exercício de imaginação e arte.

O conjunto promete. Mas... e há tantas vezes um mas... mas é pena que esta obra denote, na escrita, uma certa pressa e uma consequente sensação de falha. Em geral as histórias assentam em excelentes ideias. Mesmo as que exploram linhas já muito batidas (Trabântia, como crítica das sociedades comunistas, a partir do nome do carro produzido na Alemanha da Leste antes da queda do Muro de Berlim, não é propriamente muito original). Provavelmente sem excepção, todas as histórias são geradas a partir de uma boa ideia para transmitir e de uma boa noção de como o fazer. Mas, também provavelmente sem excepção, ficam pelos aspectos mais corriqueiros dessa mesma ideia, ficam pela rama, desenvolvem pouco, não voam... e acabam por cair perto, com finalizações frouxas, banalizantes, decepcionantes. Será que os autores precisavam mesmo de publicar depressa? Não conheço as circunstâncias e pode haver explicações muito atendíveis. Mas este álbum faz lembrar o livro "A Caverna", de Saramago, que é um modelo de como uma ideia promete e depois falha, morrendo às mãos de um bom autor que se acomodou a um resultado muito inferior ao que se podia esperar dele.


Um recorte de "Trabântia - As Fundações da Sociedade Perfeita"


Dito isto, e dito sem dó nem piedade, cautela: a obra vale a pena, vale muito a pena. Lamentavelmente não atinge os cumes que, com o material que tem, prometia. Mas, mesmo assim, é um belo trabalho. Esperamos que os próximos volumes da "Terra Incógnita" sejam menos apressados e cumpram a promessa.


recanto de "Babel - Um Deus que Nos Escute"


No texto das badanas pode ler-se:


«Parece que um certo Thomas Kohnstamm, num misto ardiloso de arrependimento e oportunismo, deu à estampa um livro intitulado "Do travel writers go to hell?", em que confessa que nem sempre visitou os sítios sobre os quais escreveu para os prestigiados guias de viagens da "Lonely Planet". O guia da Colômbia terá sido escrito em São Francisco (EUA) a partir das informações veiculadas por uma namorada de Kohnstamm, que era funcionária no consulado colombiano na dita cidade californiana. Atendendo ao clima insalubre que reina na Colômbia e sendo a qualidade de gringo de Kohnstamm um atractivo que o tornaria num candidato a ganhar uma estadia vitalícia nas colónias de férias geridas por seitas narco-marxistas e a ter de passar o resto dos seus dias a aturar o zumbido dos mosquitos e as leituras em voz alta de textos programáticos de Lenine, a opção do escritor parece mais que atilada.
O director executivo da "Lonely Planet" declarou-se decepcionado com esta revelação, mas tentou salvar a reputação da empresa, afirmando crer que os restantes guias são credíveis e não são beliscados por esta fuga pontual à verdade.
Pois eu sonho com um dia em que todos os guias sejam escritos sem visitar os locais e os viajantes que os seguem se percam e frequentem restaurantes não recomendados, e comam o arranjo floral sobre a mesa julgando tratar-se de um prato típico, e contraiam doenças desconhecidas da medicina, e façam gestos com as mãos que poderão exprimir afecto no Ocidente Civilizado mas que noutras paragens podem querer insinuar que o interlocutor mantém relações íntimas e regulares com caprinos, e passem ao lado do rutilante Mausoléu do Rei do Poliuretano Expandido e dos urinóis públicos em que um Artista Pop Famoso foi surpreendido em relações contranatura e da gruta onde Pigres de Caria escreveu a peça "Batrachomyomancia", e se esqueçam de visitar a cidade natal do compositor Bohuslav Matěj Černohorský, e caminhem inadvertidamente de havainas, boné de baseball e iPod aos berros sobre o túmulo do profeta Al-nasdaq, e sejam perseguidos por uma turba enfurecida que os quer fritar em azeite como punição por tão inimaginável sacrilégio.
Tanto quanto sei, os autores do presente livro levam vidas apagadas, burguesas e recatadas num canto ensolarado da Europa meridional e são pouco viajados, pelo que não têm conhecimento directo dos sítios de que falam – é pois com entusiasmo que recomendo este livro.»

Thomas Hook, fundador da Agência de Viagens Estacionárias Couch Potatoe

a grandeza de portugal



Pesca ilegal: Greenpeace “acorrenta” quatro navios portugueses no porto de Aveiro.


A globalização não nos afogou! Os grandes deste mundo conseguem ver-nos no meio da confusão!
(E nesta altura de confusão sempre é menos arriscado fazer proselitismo num pequeno país do que, sei lá, na Líbia, em Angola, ou nalgum potentado com melhores serviços de informação.)

Dono dos navios que foram alvo de acção da Greenpeace nega pirataria.


uma oração



Morreu o realizador de “Garganta Funda”.


O filme é uma verdadeira porcaria, posso opinar. Mas não é por isso que o homem importa ou deixa de importar. O que conta é que ele é um dos exemplos mais notáveis de um ponto essencial: o valor político da acção de uma pessoa não tem nada a ver com o putativo valor moral dessa mesma pessoa. Gerard Damiano fazia filmes e revistas discutíveis, mas tinha razão quanto a questões de liberdade - quando a liberdade tem a ver com a possibilidade de se fazer aquilo de que eventualmente discordamos. Mesmo que isso não fosse de facto o que lhe interessava.
(Aos meus leitores que desconhecem o homem e a sua obra, por serem gente limpinha, peço que não se escandalizem demasiado com esta dedicatória. A fome é muito mais pornográfica do que a estética do "Garganta Funda".)

27.10.08

os trabalhadores que paguem a crise


Confederação da Indústria quer reunião de discussão sobre salário mínimo .


Sócrates falou sobre salário mínimo com “irresponsabilidade”, diz Ferreira Leite .


Associações patronais e sindicatos concordaram num aumento gradual do salário mínimo. Ele deveria chegar em 2009 a 450 euros. Sócrates disse que em 2009 o salário mínimo seria actualizado para... 450 euros. O patronato berra e pula que não pode ser. É a crise, dizem eles. Manuela Ferreira Leite diz que Sócrates foi irresponsável ao anunciar que... se cumpriria o acordado: salário mínimo a 450 euros.
Neste país a palavra já valia pouco. Mas agora há quem ache que mesmo os acordos firmados livremente, e formalmente, não devem valer de nada. É por causa da crise? Mas os trabalhadores não sofrem com a crise? São só as empresas? O que estão os patrões dispostos a dar a mais aos trabalhadores para os compensar da crise? Ou pretendem simplesmente que os trabalhadores sejam a única almofada, a parte mole do sistema que arca com todas as consequências?
É grande o descaramento.
A única coisa que tem piada nestes tristes episódios é que Ferreira Leite mostra que não percebeu nada: cai em todas as cascas de banana que o governo lhe estende. Deixou de estar sempre calada para estar sempre a dizer disparates.

26.10.08

da pluralidade dos mundos


Não há muitos filósofos. Não há muitos filósofos em Portugal. Há um número considerável de professores de filosofia, mas isso não é bem a mesma coisa. Dos poucos filósofos que há, poucos se mostram como tal na "rede". Muito menos em Portugal. E, desses, raros são os que aguentam um mundo como a blogosfera. Que saibam escrever num blogue com aquele toque de quem olha para o mundo com olhos filosóficos. Muito menos em Portugal.
Pois, Pedro Galvão, e o seu Da Pluralidade dos Mundos, é um exemplo desses poucos. E bons. A visitar. Dêem-se tempo. E vão. Ao Da Pluralidade dos Mundos visitar, por exemplo, e por esta ordem, para começar com pouca escrita mas com muito que pensar, estes dois posts: primeiro este, depois este.

25.10.08

convite: pensar


Proponho aqui uma questão para pensar. E convido os leitores a opinar.

Durante a pré-campanha para as eleições legislativas antecipadas de Fevereiro de 2005, a jornalista Ana Sá Lopes terminava assim o seu relato (Público de 22-01-05, p.2) do discurso de um dos líderes partidários numa sessão política:
«O líder social-democrata apelou ao eleitorado que votou PSD nas legislativas de 2002: "Ninguém que confiou em nós tem razão para deixar de confiar." Mas esta frase foi toldada por um terrível lapsus linguae. Na realidade, o que se ouviu foi Santana dizer: "Ninguém que confiou em nós tem razão para deixar de desconfiar".»

O que é que permite à jornalista escrever que aquele dirigente partidário afirmou "Ninguém que confiou em nós tem razão para deixar de confiar", quando o que se ouviu ele dizer foi "Ninguém que confiou em nós tem razão para deixar de desconfiar"?

Alguém quer fazer desta questão um debate sobre a linguagem?

24.10.08

a cegueira dos ideólogos


I - Um prefácio cautelar


É sempre arriscado comentar citações isoladas de um texto mais vasto que não conhecemos. Contudo, das duas uma: ou a citação respeita o texto original, no sentido em que o texto original não desmente ou não atenua em outros passos o que consta da citação - e, nesse caso, estamos autorizados a comentar essa citação sem reservas e tudo o que dizemos vai direitinho para o autor original; ou a citação é uma má citação, porque descontextualiza ao ponto de trair o texto original - e, nesse caso, o que temos é de culpar o citador: pela desonestidade, pela inépcia, ou mesmo porque a citação deficiente denuncia o que o citador queria dizer e, em vez de dizer pela própria voz, disse deformando a voz de outro.


II - Uma tese repentista sobre uma espécie de sobreviventes


Vem este arrazoado a propósito de uma citação que o Público estampa hoje, de uma frase de Luís Pais Antunes no Jornal de Negócios de ontem. É assim:
«Nos tempos conturbados que atravessamos, o que 'fica bem' é gritar contra a 'ganância', o capitalismo, os privados, as ideias liberais e defender o papel insubstituível do Estado como refúgio e garante de todos os valores e princípios.»
Pois, o que aqui se mostra é uma imensa deficiência lógica. Apresenta-se como alternativa exclusiva aquilo que não tem de o ser. O Estado pode colaborar na garantia de certos valores e princípios, sem que tenha de fazer isso para todos. O Estado pode fazer parte dessa garantia, temporariamente ou dependendo das circunstâncias concretas, sem ser para isso insubstituível. E pode querer-se que o Estado tenha algum papel sem deixar de ser "pró-capitalista"; e pode reconhecer-se que há casos de ganância excessiva sem deixar de reconhecer o papel positivo de uma vontade moderada e razoável de ter mais e melhor.
É que há mais opções em aberto do que aquelas que os "ideólogos" são capazes de compreender. E aqui chamo "ideólogos" aos que fazem tudo o que podem para impedir que vejamos a realidade que está à frente dos nossos olhos. [Embora reconheça que outra classe de ideólogos são os que pensam que o que está a acontecer só tem uma determinada solução: aquela específica receita que os seus manuais revolucionários (mesmo que escondidos debaixo da cama) aconselham.] Esses "ideólogos" são os verdadeiros "cegos": querem dizer-nos que o fracasso das suas teses simplistas não existe. E para defenderem isso não encontram melhor argumento do que negar que existe aquilo que todos vemos. Até os cegos.

[Permito-me o descaramento de recomendar de quem é esta crise?]

Soberba, um dos pecados capitais. Por Milo Manara.

BD, Amadora, Festival Internacional, agenda




É já o 19º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, ou FIBDA 2008.
Somos amantes de BD, não de toda, porque não há gostos para tudo, mas este festival é uma festa de cultura a não perder. Não teremos tempo para reportagens bloguistas, mas aconselhamos os que ainda não gostam de BD a dar umas espreitadelas e a tentar perceber qual a razão de ainda não terem descoberto os prazeres deste mundo (bedéfilo).

Começa hoje. Este é o sítio do Festival. De sítio em sítio até ao FIBDA 2008. Boas leituras!

são os robots como crianças?



«Também tenho a minha parte de robot e não a nego. Mas sei que há outra coisa à minha espera e que só depois dessa é que não há mais nenhuma. Tenho apenas esta vida para viver, e seria quase uma traição que faltasse à sua entrevista – essa entrevista combinada desde toda a eternidade. Por isso eu a procuro à minha vida, em toda a parte onde sei que ela me espera com uma palavra a dizer. Os robots da loucura é que a ignoraram, porque o mundo deles é o da transacção imediata, um mundo táctil, de objectos, como o das crianças
Vergílio Ferreira, Carta ao Futuro, 1958
(consultada a 2ª edição, de 1966, na Portugália Editora, pp. 14-15)

É espantoso este comentário de Vergílio Ferreira, em dois sentidos. Primeiro, em 1958, uma certa compreensão de questões que poderiam ser suscitadas pela robótica. Em segundo lugar, e noutro sentido, e constituindo para mim algum desapontamento, uma certa incompreensão das crianças. Para dizer como seria pobre o mundo dos robots, compara-o ao mundo das crianças. Já se teria esquecido, nesse tempo, da sua meninice? Contudo, em certo sentido, quando deixamos a meninice - sim, talvez seja isso - perdemos certas coisas imediatas. Embotamos alguns sentidos. Mas sofisticamos outros, ou não? Ou o problema é mesmo esse: "sofisticar"?

23.10.08

planos da pólvora, receitas culinárias



(Clicar, aumentar. Cartoon de Marc S.)


Os projectos grandiosos não estão condenados a ter sucesso...
Ele é o primeiro plano americano, o segundo plano americano, o plano dos europeus, o plano dos alemães, o dos ingleses, o dos espanhóis, o de Portugal, ele é a revolução por decreto para ontem que se faz tarde, a "moralidade" agora de repente a todo o vapor, ele é ai jesus a economia real, e as pequenas e médias empresas, e as famílias (qualquer dia "as pequenas e médias famílias", que em Portugal serão as micro, como as nossas PME), e os aforradores, e os anjos do céu aflitos com os créditos de santidade ao cuidado do cardeal prefeito da congregação da causa dos santos, e o cardeal aflito com o preço da púrpura...
Agora de repente lembramo-nos de tudo. E queremos o céu já. Por decreto. Por portaria. Por despacho normativo. Para todos. E a saldo - porque é um céu que se vende, pode ser saldado.
E que tal pensar a sério num mundo iníquo cujos mandantes até agora assobiavam para o ar?

[Contudo, há uma coisa ou outra que obedece aos comandos da máquina. Molemente. Até ver. Euribor a seis meses baixa dos cinco por cento. Enquanto outros esperam que seja agora a hora da vingança das suas revoluções eternamente falhadas: por exemplo, embarcando no discurso da diabolização do sistema financeiro. Dias incómodos estes, para um social-democrata como eu, tentado pela utopia, tentado pelo cepticismo, mas muito desconfiado dos profetas (tanto como dos anti-profetas). E afinal apenas interessado nos de cá de baixo.]

[Novo acrescento. Parece haver uma lei da proporção inversa entre a responsabilidade dos políticos com visão, que dizem e fazem o que deve ser dito e feito quando não é essa a corrente, e a capacidade para produzir palavras convenientes montadas no que todos os demais papagueiam. Durão Barroso, apelou hoje, em Pequim, ao estabelecimento de uma "nova ordem financeira internacional". Isso é quando os planos da pólvora são receitas de culinária. Cozinhar mais um mandato em que o presidente da Comissão Europeia, em vez de se assumir como o líder do órgão que tem a responsabilidade pela iniciativa, está sempre cativo das delicadezas de todos, especialmente dos grandes.]

é tudo surpresa?



(Clicar para aumentar. Cartoon de Marc S.)




Situações de carência afectam cada vez mais classe média, mulheres e jovens.

Bolsa de Lisboa inverte tendência e negociava a perder valor.


Tudo o que acontece nesta crise é surpresa? Ninguém tinha dado por nada? Há quanto tempo não saíam do armário?!


fé na ciência









Este anúncios são do creme de beleza Tho-Radia. Estes reclames extravagantes relativos a supostos benefícios para a saúde a crédito do rádio eram comuns nos primeiros anos do século XX.







O creme Tho-Radia também era anunciado como capaz de curar as queimaduras solares.





O Tho-Radia era vendido nas farmácias, c. 1935.



Os que pensam que o rótulo "ciência" é uma garantia absoluta de razoabilidade - deviam pensar nestas pequenas coisas. E não me venham dizer que isto é atacar a ciência, porque as novas fogueiras inquisitoriais não nos impedem de pensar!

Material de base in Maria Rentetzi, Trafficking Materials and Gendered Experimental Practices: Radium Research in Early Twentieth Century Vienna, (e-book) Columbia University Press, 2007, http://www.gutenberg-e.org/rentetzi/index.html

22.10.08

a crise explicada aos miúdos



Hipotecas "subprime" - The Last Laugh - George Parr - legendas em espanhol



Para mais tarde recordar...

o Público foi comprado pelo Povo Livre?



Segundo o Público de hoje, em título na página 6 da edição impressa, "Deputados socialistas e membros do Governo passaram dois dias a fazer oposição à oposição". É uma notícia sobre as jornadas parlamentares do PS. Trata-se, portanto, de uma crítica a um partido numa normal actividade partidária. A esgrimir argumentos de luta partidária. Se o partido da maioria não ligasse nenhuma aos argumentos da oposição, isso é que seria aplaudido?
Espero que o Público, nas próximas eleições legislativas, faça uma declaração de apoio a um dos partidos concorrentes, como os jornais de referência fazem noutras paragens onde a civilização se impõe. Assim saberemos ao que vamos quando compramos o jornal. (Já sabemos, mas não porque eles se confessem.)
Ou será que o Público tem dificuldade em fazer isso porque não apoia nenhum partido em particular, mas sempre e apenas qualquer oposição a este governo?

21.10.08

colado com cuspo



Teixeira dos Santos afirma que alterações do PSD ao orçamento agravariam défice .


Líder do PSD prevê que Portugal cresça metade da estimativa do Governo em 2009 .


Será que o Ministro das Finanças ainda não percebeu que esse argumento já não se sustenta sozinho?
Quando o governo tenta compatibilizar duas ideias (primeiro, há outras premências além do défice; segundo, o rigor orçamental continua necessário), não basta defender o orçamento apenas com base numa dessas ideias e ignorar a outra. Quanto mais não seja porque o novo estilo de Ferreira Leite provavelmente não exclui tentar roubar o discurso "despesista" (com ou sem aspas) à esquerda parlamentar e sindical. Se ainda não se percebeu isto, podemos contar com um argumentário governamental colado com cuspo - talvez para se parecer mais com o simplismo raciocinativo da oposição?!

[Acrescento.]

Portugal no topo das desigualdades da OCDE.


Mas pior do que isso é a nossa social-democracia colada com cuspo: damos passos certos (e não se percebe como alguns não compreendem isso), mas passos curtos e nada protegidos contra os ventos da próxima madrugada. E temos de olhar para aí, sem nos assustarmos com os que conduzem Jaguar e temem que o papo-seco que a criança come tenha sido dado pelo Estado em vez de ganho suando as estopinhas.

atribuições sociais


Em meados dos anos 1940, Fritz Heider e Mary-Ann Simmel (*) mostraram um filme de animação (reproduzido abaixo) a uma série de pessoas e pediram-lhes para descreverem o que viam.





A maior parte dos observadores elaborou teorias acerca do círculo e do pequeno triângulo estarem apaixonados, acerca do triângulo grande que era mau e tentava correr com o círculo, acerca do triângulo que deu luta e permitiu ao seu amado círculo refugiar-se na casa, ...
Esta experiência é pioneira em chamar a atenção para o facto de as pessoas tenderem a usar descrições de comportamentos de interacção recorrendo aos termos que correspondem às nossas interpretações do comportamento social. A nossa capacidade para atribuir estados mentais àqueles com quem interagimos é tão importante na gestão das nossas relações, e fazer isso está de tal modo enraizado nos níveis mais fundamentais do controlo não deliberativo do nosso comportamento, que mesmo para descrever entidades que sabemos perfeitamente que não têm estados psicológicos (como as formas geométricas do filme) usamos termos que remetem para essas atribuições de estados mentais. Isso deve-se também à expectativa de que assim comunicamos melhor a nossa descrição a outras pessoas que dispõem do mesmo mecanismo interpretativo que nós.
Outra maneira de encarar esta questão é dizer que esta experiência demonstra que nós não vemos só aquilo que vemos. Também vemos o que nós próprios colocamos em cena.
Naquilo a que costumo chamar "ciências do artificial", este mecanismo pode ser explorado para darmos nós às máquinas aquilo que elas não têm: nós vemos o que queremos ver, mesmo que elas o não exibam.
Abaixo, outra animação que "brinca" com esta questão.





Noutra ocasião complementaremos esta nota com uma apresentação breve da teoria de Dennett acerca da postura intencional.

REFERÊNCIA:
(*)F. Heider and M. Simmel. "An experimental study of apparent behaviour". American Journal of Psychology, 57, pp. 243–259, 1944.

18.10.08

se não fosses tu, eduardo...

As "correntes" são cansativas. Essa é a verdade. Esta aceito e prossigo por ela vir do Eduardo, que leva anos a navegar no Absorto. Mas é só por seres tu, Eduardo. E obrigado. Pelo, faltava mencionar, pelo "Prémio Dardos" com que me distingues. Que premeia alguma coisa, complexa certamente, para além da minha capacidade de discernimento. Mas prometo esforçar-me para dissipar um pouco o nevoeiro.
A tarefa que resta, dada a aceitação, é nomear outros 15 (quinze!!) blogues. (Juro que nunca mais: quinze?!?!). Aqui vai, por razões várias. Porque concordo, porque tem o condão de me irritar, porque é um bom adversário, porque é um amigo, porque é bem feito, porque é útil, porque é bonito, porque, porque, porque... muitos porques cruzados. E por ordem alfabética.

Ali_se

o amigo do povo

Carlos M. Fernandes - Photography

Ciência ao Natural

Cogir

dúvida metódica

Enxuto

espelho dos sentidos

Homem do Farol

inclusão e cidadania

Ladrões de Bicicletas

mouseland

muita terra

persona

S/a Pálpebra da Página (apesar da pausa)

17.10.08

voilá

Quem mais sabe sobre sexo, mais tarde inicia as relações .


Isso confirma a velha suspeita, muito portuguesa, de que o saber é um impecilho.

a história nos julgará


Pobreza: ainda há 78 milhões de pessoas a viver nos mínimos. Portugal é o país da UE onde a pobreza mais caiu.


Forte recuperação das bolsas europeias e asiáticas suportadas por Nova Iorque.


Já dizia o outro. A história nos julgará. Por fazermos tão pouco. Por desvalorizarmos o que fazemos. E por fazermos tão pouco. E por desvalorizarmos o que fazemos. Em suma: por a política ser, tantas vezes, uma arte do esquecimento.

(filosofia e) história da tecnologia (2/2)


Continuando a relatar um aspecto de uma conferência de história da tecnologia, e depois de ontem ter dado aqui o resumo das três comunicações na sessão "Bio, Nano, Robo – New Challenges for Historians of Technology", passo agora ao comentário que então me coube (uma versão em português, aligeirada).

0. Ouvimos três apresentações, sobre a história da nanotecnologia, da genética como empreendimento económico, da robótica – numa sessão sobre "novos desafios para historiadores da tecnologia". Como não sou um historiador da tecnologia, nem sequer um historiador, mas um filósofo a trabalhar numa equipa de robótica, é dessa perspectiva que tentarei mostrar onde vejo a unidade desses novos desafios – assumindo como ponto de partida as comunicações apresentadas.

1. Christian Kehrt desafiou definições habituais de nanotecnologia e sugeriu aumentar a nossa compreensão do campo com uma análise mais atenta às “visões” dos actores envolvidos. O ponto é que são as “visões“ dos agentes que lhes permitem abrir novas áreas de investigação, fornecer novos recursos simbólicos e ampliar os campos de possibilidades, potenciando assim novos desenvolvimentos tecnológicos. Uma das visões centrais da nanotecnologia, a ideia da engenharia molecular, fundamenta o grande empreendimento de ultrapassar os limites da natureza e a aspiração a tornarmo-nos deuses ex-machina utilizando componentes moleculares e átomos.
Cabe perguntar: o que há de novo nessa visão? Já em 1637 Descartes, no “Discurso do Método”, escreveu que a ciência nos pode dar o conhecimento prático necessário para nos tornarmos “senhores e donos da natureza", numa declaração que é um manifesto da ciência moderna, habitualmente entendida como um programa dirigido principalmente para as disciplinas científicas que lidam com o mundo físico externo. No entanto, Descartes acrescentou que tornarmo-nos senhores da natureza é um resultado desejável "especialmente para a preservação da saúde". E usava um conceito amplo de saúde e de medicina: a saúde é o primeiro e fundamental de todos os bens da vida, "porque o próprio espírito está tão intimamente dependente da condição e relação dos órgãos do corpo que, se qualquer meio pode ser encontrado para tornar os homens mais sábios e mais hábeis do que até aqui, creio que é na medicina que deve ser procurado".
Então, a grande visão da ciência moderna, a de tornar-nos senhores da natureza, é dirigida, desde o início, para os nossos próprios mecanismos internos, para os mecanismos corporais e mentais dos seres humanos. Ainda assim, como disse Christian Kehrt, uma das principais visões da nanotecnologia é ultrapassar os limites da natureza. Esta é, talvez, em comparação com Descartes, um "visão” nova. Só que traçar uma distinção clara entre “transgredir” e “respeitar” os limites da natureza pode revelar-se difícil.

2. A apresentação de Sally Hughes pode ser tomada precisamente como uma prova de que existem pessoas e empresas a lutar para modificar as próprias noções de “respeitar” ou “ultrapassar” os limites da natureza.
Falando-nos da Genentech, a primeira empresa totalmente dedicada à engenharia genética, que enfrentou muitos obstáculos até atingir o estatuto de uma das mais bem sucedidas empresas de biotecnologia do mundo, Sally menciona problemas com a tecnologia, com a lei, com a política e com a regulamentação. Um desses problemas foi uma intensa disputa legal sobre a questão "podemos patentear a vida?". A Genentech, apesar do alto nível de risco e incerteza que caracterizou o ambiente inicial dessa empresa, fez uma estreia espectacular na bolsa de Nova Iorque em 1980. Portanto, num certo sentido, a Genentech conseguiu com sucesso modificar o estatuto da pergunta "o que é respeitar a natureza". E fizeram-no em grande parte de fora dos muros das instituições científicas: em tribunais, nas empresas, nos media para alterar o estado da opinião. A construção social das ciências da vida não é só para cientistas. Como podemos lidar com isso? Como podemos sequer compreender isso?

3. Kathleen Richardson apresentou-nos os robots na qualidade de entidades inventadas, ou reinventadas, nos anos 20 do século passado por Karel Capek, como um meio para provocar a reflexão sobre as sociedades humanas, sobre o que é que significa ser humano. De acordo com Kathleen, os alvos da crítica de Capek eram certas práticas políticas e ideologias bem conhecidas.
Ligados aos robots encontramos quer elementos utópicos quer distópicos. Os elementos utópicos dizem respeito à visão de uma sociedade futura onde as máquinas trabalham e os seres humanos só fiscalizam. Os elementos distópicos relacionam-se com as cadeias de produção onde os operários são ferramentas para as máquinas.
Tanto os elementos utópicos como distópicos que Kathleen refere como inspiradores da peça de Capek dizem respeito à organização colectiva das sociedades humanas: qual é o lugar reservado aos trabalhadores no seio das estruturas de produção, qual é a organização social mais desejável. Ainda precisamos da questão "o que é isso de ser humano" para melhor compreendermos o significado de uma linha de tecnologias que têm o potencial para alterar a resposta precisamente a essa pergunta. No entanto, hoje em dia, tanto os elementos utópicos como distópicos deslocaram-se em larga medida do nível colectivo para o nível do indivíduo. Esperamos que os medicamentos e próteses possam dar-nos um corpo melhor, talvez uma mente melhor, um novo rosto, a possibilidade de substituir uma perna ou uma mão que perdemos. Alguns esperam viver mais tempo, outros poder escolher filhos com certas características. E alguns de nós querem que essas oportunidades sejam apenas uma questão de opção individual.

4. Então, temos estado a ver que certas visões centrais na nanotecnologia sonham ir além dos limites da natureza, fazendo-nos deuses ex-machina – mesmo que não estejamos certos sobre o que "natureza" significa. Empresas dedicam enormes esforços em muitas frentes de batalha para garantir, não só que podemos ser engenheiros de entidades vivas, mas também que possamos patentear os resultados. Os (agora fora de moda) receios sobre os robots como criaturas com um estatuto ambíguo estão a dar lugar à esperança de acesso a novos corpos e mentes novas para nós e os nossos filhos. Como fazer sentido de tudo isto com um enquadramento unificado? Como colocar as actividades das empresas, como a Genentech; as actividades científicas e tecnológicas, como as que foram sendo desenvolvidas sob a bandeira do “nano”; e actividades culturais e políticas, como as relacionadas com a peça de Capek – como colocar tudo isso em conjunto e como compreender tudo isso com uma visão coerente? Sugiro tentar utilizar o conceito de "ciências do artificial" para o efeito. E vou pedir emprestada a Herbert Simon a ideia principal (“As Ciências do Artificial”, primeira edição 1969).

5. De acordo com Simon, não podemos compreender o que significa ser artificial como oposto ao natural. Já que “o mundo em que vivemos hoje é muito mais um mundo feito pelo homem do que um mundo natural", definir artificial como “feito pelo homem” tem uma utilidade decrescente. Como Henry Petroski uma vez escreveu: "Tirando o céu e algumas árvores, tudo o que eu vejo do sítio onde estou sentado é artificial. A secretária, os livros e o computador que estão à minha frente; a cadeira, o tapete e a porta atrás de mim; a lâmpada, o tecto e o telhado acima mim; as estradas, carros e edifícios que vejo pela janela – tudo foi feito desmontando e montando de outro modo partes da natureza."
Então, temos de assumir uma forma diferente de pensar o artificial. As coisas artificiais, os artefactos, não são apenas coisas feitas pelo homem. Simon sugere definir um artefacto como uma interface entre um ambiente interior, a organização do artefacto em si, e um ambiente exterior. Se o ambiente interior é apropriado ao ambiente exterior, ou vice-versa, o artefacto é adaptado à sua finalidade.
Agora, entidades artificiais, ou artefactos, são "todas as coisas que podem ser consideradas como adaptadas a alguma situação". E, e este é um ponto crucial, de acordo com esta definição, temos de considerar "sistemas vivos que foram evoluindo através das forças da evolução orgânica" como artefactos ou coisas artificiais.
Vejamos exemplos de Simon. O "homem económico" é um sistema artificial. O interior do sistema “homem económico” está adaptado ao ambiente económico externo, o seu comportamento tendo evoluído por pressão do ambiente económico.
Em termos psicológicos, os seres humanos também são criaturas artificiais. "Os seres humanos, vistos como sistemas comportamentais, são muito simples. A aparente complexidade do nosso comportamento ao longo do tempo é em grande parte um reflexo da complexidade do ambiente em que nos encontramos”. A psicologia, o estudo desse processo adaptativo, deve ser visto como uma das ciências do artificial.

6. Se artefactos são todos os tipos de coisas que se adaptam a uma situação, podemos perguntar como fazer artefactos, como fazer coisas com as propriedades que desejamos. A resposta para essa pergunta é o que Simon chama "a ciência do design ", o estudo da criação do artificial.
Os engenheiros são designers profissionais. Mas os médicos que prescrevem remédios para curar um paciente doente também são designers. Um gestor que elabora um plano de vendas para uma empresa é um designer. Um líder político que concebe uma política social para um Estado é um designer. As escolas de engenharia, de arquitectura, gestão, educação, direito e medicina, todas estão envolvidas com o design.
Se estás a trabalhar na elaboração de cursos de acção que visam transformar situações existentes em outras situações, por preferires estas, estás a fazer design. "As ciências naturais estão preocupadas com a forma como as coisas são. (...). O design, por outro lado, está preocupado com a forma como as coisas devem ser (...) ".

7. Ora, a minha sugestão é que todas as apresentações nesta sessão poderiam ser vistas como diferentes estudos do artificial, de diferentes aplicações das ciências do artificial; como abordagens diferentes para o grande design de seres humanos, das sociedades humanas e da cultura humana, na qual hoje os artefactos preenchem quase todos os significados.
Falando das "ciências do artificial" não estou a propor uma nova disciplina científica, nem novos departamentos universitários. A sugestão é que precisamos de uma nova perspectiva: como é que estamos a construir o futuro das sociedades humanas ao “engenheirar” tantos aspectos de nós próprios e das nossas comunidades. E como poderão historiadores, biólogos, físicos, cientistas da computação, cientistas sociais e filósofos trabalhar em conjunto sobre esta nova perspectiva. Por exemplo, tentando compreender como as considerações tecnológicas estão a liderar este processo. E tentando perceber se está certo que o nosso futuro seja moldado principalmente pelas possibilidades tecnológicas, por vezes sem uma reflexão suficiente sobre o que é que significa ser humano.

Poderá esta visão das "ciências do artificial" fazer sentido para os historiadores da tecnologia?

16.10.08

(filosofia e) história da tecnologia (1/2)


Tal como aqui mencionei brevemente há dias, aconteceu em Lisboa, na semana que corre, a conferência anual da Society for the History of Technology, este ano comemorando os seus 50 anos. Não sou historiador e, normalmente, não seria chamado para aquelas bandas. Contudo, sendo que uma das sessões era sobre “Bio, Nano, Robo – New Challenges for Historians of Technology”, fui chamado a moderar essa sessão e a produzir um comentário às três comunicações que aí seriam apresentadas. Dou aqui, hoje, breve conta do que disseram os apresentadores. Posteriormente darei nota da linha do meu comentário.

Christian Kehrt, do Deutsches Museum em Munich, apresentou a primeira comunicação, intitulada “Writing the history of nanotechnology? Challenges and impasses of contemporary science and technology” .

Em resumo, o que Christian assinalou foi que não é muito esclarecedor tentar definir (ou compreender o que é) a nanotecnologia a partir de critérios como a escala das entidades com que se lida, ou os instrumentos que se usam, porque esses critérios não traduzem o que realmente está em causa. (Por exemplo, no caso do apelo à escala como elemento definidor, ela não funciona como tal porque há fenómenos à mesma escala que são estudados noutras disciplinas.) E acrescentou: o que pode ajudar a compreender a nanotecnologia é olhar para as visões partilhadas pelos seus praticantes. E isso implica estudar a construção social desse campo, bem como as estratégias e motivações dos actores envolvidos.
O ponto é, então, as visões. As visões levam os investigadores para lá do estabelecido, induzem a abertura de novas possibilidades de investigação, fornecem recursos simbólicos novos – e, por essa via, estimulam mais desenvolvimentos especificamente tecnológicos.
Christian quer, então, identificar visões da nanotecnologia. E entende que uma das visões centrais da nanotecnologia é a ideia da engenharia molecular, a ideia de ultrapassar os limites da natureza, de chagarmos a ser como um deus ex machina usando componentes moleculares e átomos.
Para compreender essa visão, disse-nos ainda, é preciso dar atenção ao conjunto de ciências e tecnologias que, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, prometeram à sociedade a possibilidade de mudanças fundamentais – nomeadamente nos campos disciplinares da biologia e da micro-electrónica.

Sally Smith Hughes, da Universidade da California em Berkeley, apresentou a segunda comunicação, intitulada “Genes, Genentech, and the rise of commercial biotechnology” .

Sally apresentou uma certa história da primeira empresa inteiramente concentrada na engenharia genética, a americana Genentech. Enunciou, como objectivo da sua comunicação, usar o caso da Genentech para corrigir uma percepção comum da biotecnologia segundo a qual ela constituiria um desenvolvimento mais ou menos linear (inevitável e não problemático) a partir de descobertas ao nível científico fundamental em biologia molecular e bioquímica.
A Genentech foi criada na Califórnia em 1976 e talvez seja hoje a empresa de biotecnologias com mais sucesso em todo o mundo. Mas enfrentou diversos tipos de problemas.
Desde logo, o professor universitário de bioquímica, Herbert Boyer, que se associou a um jovem investidor com capital de risco para criar a empresa, foi criticado duramente pelos seus pares por violar os padrões éticos e culturais predominantes nas escolas de medicina nos anos 1979, devido à forma como misturava actividades empresariais e académicas. (Como os tempos mudaram…)
Depois, em termos estritamente tecnológicos, nessa altura havia muitas incertezas. A (então recente) invenção do ADN recombinante permitia recolher material genético de diferentes fontes, juntá-lo e cloná-lo ou reproduzi-lo em bactérias. Isso abria um vasto campo de aplicações: usar a engenharia de genes para produzir proteínas úteis em medicina, agricultura e várias áreas industriais. Contudo, não havia nada de mais incerto do que saber se isso poderia transformar-se em processos industriais viáveis. Designadamente, não se fazia ideia se bactérias muito simples, próximas do nível mais baixo da escala evolutiva, seriam capazes de “ler” a informação carreada pelos genes de organismos superiores. Apesar de sucessos iniciais, continuava a não se saber se a tecnologia do ADN recombinante seria capaz de produzir moléculas de proteínas úteis na prática médica, como a insulina ou a hormona do crescimento. Em 1978, a Genentech conseguiu clonar e expressar insulina humana, começando a dar passos decisivos para vencer a dificuldade tecnológica.
Depois, foi a dificuldade legal. A polémica que a comunicação social apresentava na forma da questão “podemos patentear a vida?”, relacionada com a protecção da propriedade intelectual, estava a seguir os seus trâmites no sistema judicial americano no caso Chakrabarty vs. Diamond. Quando o caso chegou ao Supremo Tribunal, em 1980, a Genentech foi uma das entidades que apresentou um parecer, no sentido da necessidade de criar as condições para o desenvolvimento das biotecnologias nos EUA, dada a sua importância económica na competitividade da economia americana. Nesse ano, o Supremo decidiu, por 5 contra 4 votos, que organismos vivos podiam ser patenteados.
Havia ainda aquilo a que Sally chama a dificuldade política e com a regulação governamental. A opinião pública estava preocupada com a possibilidade da técnica do ADN recombinante permitir a produção de bactérias “engenheiradas” que pudessem escapar ao controlo dos seus engenheiros e viessem a saúde humana ou o ambiente. Em 1977, os legisladores americanos estavam a considerar uma série de iniciativas legislativas para restringir o uso de tais possibilidades técnicas. A Genentech contribuiu para mudar a onda da opinião pública, e assim a onda dos legisladores, ao conseguir clonar com sucesso genes de interesse médico e comercial: começando a acenar com resultados em termos de saúde humana que eram publicidade positiva para a engenharia genética. E associando cada vez mais as farmacêuticas a esse movimento – bem como mais capital de risco.
Segundo Sally, a Genentech enfrentou muitas dificuldades mas venceu-as: no Outono de 1980 teve uma entrada triunfante na bolsa de New York, com o preço das acções acima de todas as expectativas.

Kathleen Richardson, da Universidade de Cambridge, apresentou a Terceira comunicação, intitulada “Robots and Futuristic Fantasises of Destruction” .





Kathleen elaborou sobre a introdução do termo “robot” na cultura do século XX pela mão do checo Karel Capek, em 1921, na peça R.U.R. – Rossum’s Universal Robot. Fez isso procedendo ao estudo do pensamento desse autor, expresso em termos directamente políticos e ideológicos em outras obras, e analisando a recepção da peça nos anos 20 e 30 do século XX.
Para além da apresentação de elementos interessantes da própria peça, que não vamos tentar aqui introduzir (isso terá de ser feita pela leitura de uma das traduções, que estão disponíveis à distância de uma busca na internet), há dois elementos centrais de interesse nesta comunicação.
Primeiro, Capek era um crítico quer da direita capitalista quer da esquerda comunista, considerando que os regimes inspirados tanto numa ideologia como noutra conduziam à mecanização do humano e à desvalorização da sua individualidade. É que, como expressamente mencionou Kathleen, Capek introduziu a questão dos robots, não para discutir as máquinas, mas para discutir a condição dos humanos e a organização das suas comunidades.
Segundo, há uma transformação significativa da noção de “robot” a partir da peça de Capek. Na própria peça, e nas primeiras encenações, os robots não eram máquinas. Os robots eram feitos dos mesmos materiais biológicos que os humanos, e tinham a mesma aparência que estes. Mas eram “feitos” de maneira diferente: numa linha de montagem. Posteriormente, em novas encenações da peça, é que começou a emergir uma nova apresentação dos robots, em que estes já têm aspecto de máquinas que se distinguem visualmente dos humanos de forma clara. Essas entidades de estatuto ambíguo tinham, por isso mesmo, trazido a ambiguidade como operação para o campo das fronteiras entre o humano e a máquina.

Posto isto, perguntei-me eu, que comentário posso eu produzir ao conjunto destas três comunicações? Amanhã (talvez…) darei conta disso.

[Continua aqui.]

15.10.08

Para uma economia política institucionalista

Nestas alturas os dias passam depressa. No já longínquo dia 30 de Setembro p.p., no Ladrões de Bicicletas, um dos "ladrões", José M. Castro Caldas, escrevia uma pequena nota onde sugeria a leitura de um texto e dava o link. Mas avisava logo: o texto é longo (primeira dificuldade) e está em francês (dificuldade intransponível para a maioria das [muitas] gerações mais novas do que eu). Li o texto e achei imediatamente que não era permitido deixá-lo escondido no biombo daquelas duas inconveniências. Então, numa manobra concertada, fiz um resumo e tradução para português, aceitando J.M. Castro Caldas fazer a revisão científica. O que muito lhe agradeço - em seu nome, caro leitor! E aqui deixamos o "quase manifesto institucionalista". No final damos a ligação para o original. Serviço público, passe a imodéstia. É que é preciso recomeçar a pensar. A menos que pensem que "a crise" foi um carnaval e já estamos em quarta-feira de cinzas...

Introdução
Comparando diferentes abordagens não ortodoxas à economia verificamos que é mais importante o que têm em comum do que aquilo em que divergem. Procuramos aqui registar e clarificar essas convergências, na convicção de que só uma economia política institucionalista pode dar um quadro de referência coerente e potenciador dessas diferentes abordagens. Não se trata de afrontar a ciência económica standard, mas de encontrar um compreensão de muitos progressos analíticos realizados dentro desse quadro.

A. Princípios gerais

1. Economia política versus ciência económica
A prioridade não deve ser dada à ciência económica (entendida como uma ciência mecânica), mas sim à economia política – entendida como um ramo da filosofia política, em si mesma entendida como a forma mais geral das ciências sociais. A ciência económica só faz sentido como momento analítico da economia política.

2. Um institucionalismo político
Para o institucionalismo entendido num sentido amplo, a proposta central é que nenhuma economia pode funcionar na ausência de um quadro institucional adequado. As condições para um bom funcionamento da economia residem tanto na existência de um sistema institucional claramente definido como na dinâmica global da sociedade civil. Uma economia política Institucionalista (EPI) não separa a análise dos mercados da reflexão sobre o pano de fundo político e ético de uma economia. Ela acredita que as instituições económicas estão entrelaçadas com as normas políticas, jurídicas, sociais e éticas, e todas elas devem ser estudadas e pensadas ao mesmo tempo.

3. Um institucionalismo situado

Uma economia política institucionalista não pode ser meramente especulativa, tem de ter em conta o contexto histórico e social de uma economia específica. Os seus conceitos, sendo necessariamente conceitos abstractos, como todos os conceitos, não serão nunca hipostasiados.



B. Princípios teóricos, teses e resultados

Posições críticas

4. Para além dos paradigmas standard e alargado
Todas as escolas institucionalistas são críticas tanto das hipóteses do Homo economicus (informação perfeita, racionalidade maximizante paramétrica e egoísta) como da teoria clássica do equilíbrio geral, que afirma que a livre coordenação entre esses agentes leva espontânea e automaticamente a um óptimo económico. O que pode ser chamado paradigma standard alargado procura responder aos defeitos dessas hipóteses apoiando-se na teoria dos jogos e na ideia de uma racionalidade estratégica: o agente económico afinal não calcula a utilidade que pode retirar do seu consumo de bens e serviços, mas sim a utilidade que pode resultar de cooperar ou não com outros agentes económicos. Mas esta abordagem permite concluir que, nesse quadro, não é possível alcançar mais do que coordenação local e equilíbrios sub-óptimos. Mesmo esses equilíbrios são, afinal, puramente tautológicos. A economia política institucionalista pretende que nenhuma cooperação viável e sustentável pode ser alcançada e estruturada apenas por via da racionalidade instrumental, seja paramétrica ou estratégica. Qualquer coordenação, para ser efectiva, envolve em maior ou menor grau a partilha de certos valores e a existência de uma regulação política.

5. Para além da dicotomia mercado / Estado

O institucionalismo enfatiza a incompletude e as falhas da regulação apenas pelo mercado, mas não preconiza a sua substituição por uma economia estatizada. Tanto as formas de regulação pelo mercado como pelo Estado devem ser combinadas para que sirvam a coordenação social em sentido lato – e, mais do que isso, é preciso contar com a própria sociedade civil e associativa e com as diversas formas de feixes de relações sociais.

Resultados

6. Três modos instituídos de circulação e não apenas um único
Como mostrou Karl Polanyi (e outros), os bens e serviços não circulam apenas pelo sistema de mercado, mas também por via da redistribuição, implementada por algum tipo de centro (hoje, o Estado), de acordo com um princípio de centralidade, e por via da reciprocidade, de acordo com um princípio de simetria. A reciprocidade é o que dá impulso ao que Marcel Mauss, no Essai sur le don, chama a tripla obrigação de dar, receber e partilhar. Como nenhum destes três modos de circulação pode realmente existir sozinho, a articulação entre mercado, redistribuição e reciprocidade – diferente de contexto para contexto – não ocorre espontaneamente. Deve ser instituída.

7. Não existe
the one best way em matéria de instituições (perspectiva sincrónica). A dependência da trajectória (the path dependency)
Uma das principais conclusões da economia política institucionalista é que não existe “a melhor de todas as receitas” para um arranjo : é preciso ter em conta o contexto e a dependência da trajectória para qualquer sistema económico. Por isso a economia política institucionalista se opõe ao chamado Consenso de Washington, segundo o qual o mercado é a solução única válida sempre e em toda a parte independentemente do contexto político e institucional pré-existente.

8. Não existe
the one best way em matéria de instituições (perspectiva diacrónica). Da impermanência de todas as coisas
Pelas mesmas razões, nenhum esquema institucional, por melhor que se mostre para um determinado período histórico, pode durar eternamente. O equilíbrio entre mercado, redistribuição e reciprocidade deve evoluir, porque o equilíbrio entre os diferentes grupos ou classes sociais, entre as esferas do privado, do público e do comum, tal como entre os níveis nacional, infra e supranacional, pode não permanecer estável.

9. Uma teoria da mudança institucional. A autonomia relativamente à trajectória. Continuidade e descontinuidade

O pressuposto funcionalista, segundo o qual todas as instituições existentes são necessariamente bem adaptadas à sociedade onde se inserem, pelo simples motivo de que existem, é totalmente errado. Uma das mais urgentes investigações a empreender diz respeito aos critérios para determinar quando uma dada arquitectura institucional deve ser mantida ou modificada.

Programa de Investigação

10. Uma análise multinível
A economia política tem de desenvolver uma análise institucionalista para todos os níveis de acção (micro, macro, meso, etc.).

11. Uma outra teoria da acção

A economia política institucionalista necessita desenvolver uma teoria própria da acção social e económica. Residem aí provavelmente as maiores divergências entre diferentes escolas institucionalistas. Mas, defendendo todas a análise multinível, não podemos confiar em qualquer individualismo metodológico ou holismo simples. O indivíduo capaz de agir não pode ser considerado apenas isolado e centrado em si próprio, mas também como membro de uma família, de um grupo de pares, de diversas organizações e instituições, de uma ou mais comunidades de cariz social, político, cultural ou religioso. Nenhum agente económico pode ser considerado apenas como calculador maximizador: todos tentam também encontrar significado no que fazem. E temos de ter isso em conta.

C. Propostas normativas

12. Antes de mais, construir uma comunidade política
Não pode haver eficiência económica durável sem uma comunidade política e ética sustentável, que partilhe um certo número de valores fundamentais e um sentido de justiça. E, portanto, sem ser também uma comunidade moral.

13. Construir uma comunidade democrática

Nenhuma comunidade política moderna pode ser construída sem referência a um ideal democrático. Havendo concepções múltiplas e divergentes acerca da democracia, não se entra aqui nesse debate. Diga-se, contudo, que uma sociedade democrática procura os meios efectivos para desenvolver as capacidades (empower) do maior número possível de pessoas.

14. Construir uma comunidade moral e justa

Nenhuma comunidade política pode perdurar sem a partilha de certos valores fundamentais e sem que a maioria dos seus membros estejam convencidos de que a maior parte entre eles (especialmente os líderes) os respeitam realmente – porque esse sentimento é o primeiro cimento da legitimidade política.

15. Generalizar John Rawls

Se a existência e a sustentabilidade da comunidade política não são dadas como garantidas por si mesmas, mas como algo que deve ser produzido e reproduzido, então é necessário alargar a teoria da justiça de John Rawls. O estabelecimento de uma comunidade política implica tanto lutar contra a riqueza privada excessiva e ilegítima como contra a pobreza extrema.

16. Generalizar Montesquieu

Se não virmos a democracia apenas como um sistema político-constitucional, mas também em termos da de capacitação (empowerment) das pessoas, então não basta pensar os mecanismos de equilíbrio de poderes dentro do sistema político (que são necessários), mas pensar também no equilíbrio de poderes entre o Estado, o mercado e a sociedade, e, do ponto de vista estritamente económico, entre o mercado, a redistribuição estatal e reciprocidade social.

Conclusão

17. Uma abordagem normativa e comparativa das instituições
A economia institucionalista, recusando quer as pretensões de enunciar soluções teóricas de aplicação supostamente universal, quer a pretensão relativista de que todos os arranjos institucionais existentes se justificam pelo mero facto de existirem, fica com uma tarefa em mãos: compreender quais os critérios que permitam determinar, em cada caso, qualquer a melhor arquitectura institucional para uma dada sociedade num dado momento. Isso só pode ser alcançado por via de uma abordagem normativa comparativa.

18. Rumo a uma teoria gradualista reformista-revolucionária da evolução

Uma das principais conclusões da economia política institucionalista é que aqueles que pretendem transformar as instituições existentes devem, em geral, ser tão modestos quanto prudentes. Os efeitos complexos de qualquer mudança institucional não facilitam as previsões sobre o seu resultado final. É por isso que as reformas progressivas, e não impostas de fora, são mais seguras do que as reformas radicais. Mas isto não é defender um reformismo tímido? É defender reformas que, uma vez postas em marcha, ninguém quer travar (assim resistindo, por exemplo, a mudanças eleitorais). Assim é que se podem conseguir reformas basculantes (shifting reforms). Reformas tímidas que podem ser revolucionárias. Mas a situação política pode ser de tal ordem que só uma revolução, uma brusca mudança de regime político, seja capaz de iniciar tais reformas.

***
NOTA : O presente texto é uma versão resumida e traduzida do francês para português por Porfírio Silva, com revisão científica de José M. Castro Caldas. O texto mantém a mesma estrutura do original (em parágrafos numerados) para facilitar a consulta directa da versão integral.
O texto original foi redigido por Alain Caillé e conta com vários signatários publicamente assinalados, entre os quais Robert Boyer, Olivier Favereau, Jose Luis Corragio, Peter Hall, Geoffrey Hodgson, Marc Humbert, Ahmet Insel, Michael Piore, Ronen Palan, Paul Singer. E, das fileiras da sociologia económica : Bob Jessop, Jean-Louis Laville, Michel Lallement, Philippe Steiner, François Vatin.

O texto integral original em francês encontra-se em linha em


Vers une économie politique institutionnaliste


começo a recear


Teixeira dos Santos entregou no Parlamento proposta do OE para 2009.


Com tantas boas notícias orçamentais (com ou sem aspas, como preferirem) começo a recear.
Será que o governo, que governou patrioticamente nesta legislatura, mas precisa de governar melhor na próxima (mais longe do pensamento único, a caminho de maior equidade social estrutural e sustentada, com uma concepção nova de diálogo social, por exemplo) - será que o governo e o PS, à boleia da crise (e à boleia das oportunidades que criaram com as suas boas políticas), acharão que já não precisam de pensar muito bem no que há para fazer na próxima legislatura?
Tenho medo. Muito medo. Mas, de momento não vou dizer isso a ninguém.

Para José Sócrates o “Orçamento responde às dificuldades internacionais”.

de quem é esta crise?

Bolsas europeias continuam optimistas com plano europeu para salvar sector bancário.


Eu, como sou tímido, espanto-me frequentemente com o descaramento de certas pessoas. Isso acontece de novo a propósito desta crise de uma forma particular de capitalismo em que a alavanca é o financeiro-virtual.
É que, entre aqueles que sempre estiveram contra a presença do Estado na economia, que sempre pediram mais desregulação, que defendiam que "o mercado é que sabe", que muitas vezes equacionavam desregulação com democracia - é precisamente entre esses que agora nasce a nova flor do cardo. Dizem eles: quem falhou foi o Estado, não foram as empresas, os bancos, o mercado. Foi o Estado que falhou, porque não fez o que devia. Têm uma certa razão: mas não no sentido que tentam dar-nos a engolir.

Realmente, esta é uma crise política, não é uma "crise comercial". Esta é a crise dos Estados que foram capturados pela ideologia de que o capital é a seiva e a alma das comunidades humanas. Aqueles que pugnaram por essa captura, e que ainda há dias pediam mais desregulação, vêm agora dizer que foi o Estado que falhou. Sim, falhou por lhes ter dado ouvidos. Mas bastava a esses "desreguladores" terem um módico de honestidade intelectual para não virem agora com essa conversa: isso é o autor moral do crime a apontar o dedo ao autor material do mesmo crime.

petição para acabar com as casas de favor em Lisboa


Acho legítimo, normal, se calhar mesmo saudável, que se discorde do sistema discricionário de atribuição de casas à disposição do município lisboeta.
Por causa disso está na rede uma "petição para acabar com as casas de favor em Lisboa". Trata-se de uma excelente oportunidade para ilustrar o princípio de que um disparate, lá por existir, não justifica todos os disparares que sejam feitos ou ditos a coberto de uma reacção ao anterior.

A título de exemplo do que quero dizer: a mencionada petição dirige-se ao presidente da Assembleia da República para exigir, entre outras coisas, «Que todos os Presidentes e Vereadores da CML que tenham participado na atribuição das "casas de favor" sejam inibidos de se candidatar a cargos públicos durante três anos». Portanto, nada menos do que a exigência de uma restrição de direitos cívicos (candidatar-se) a título retroactivo. Além, claro, de se pedir legislação da República para um caso especial, o de Lisboa: portanto, legislação especial.

Eu até poderia dar-me ao trabalho de explicar quais as razões de fundo que me levam a considerar levianas algumas das opiniões expressas acerca desta matéria, por vezes com tiques justicialistas. É que acho leviano tudo aquilo que, mexendo com a dignidade das pessoas envolvidas, mistura situações muito diferentes no mesmo saco. Mas acho que fazer isso associado a uma petição tão iluminada como esta - nem vale a pena.

De qualquer modo, como acredito que os leitores deste blogue sabem pensar pela sua própria cabeça, sempre deixo dito que a petição se encontra aqui.

é preciso ler, noite dentro se preciso for



Por razões diferentes, aparentemente. Mas pela mesma razão, no fundo. Por ambos serem pura poesia. Pelo menos no sentido em que William Rowan Hamilton considerava que o trabalho de Joseph-Louis Lagrange de simplificação da descrição dos sistemas dinâmicos através da análise diferencial era "um poema científico". Espero que nenhum dos visados se ofenda...

Tudo isto para recomendar estes dois blogues:

S/a Pálpebra da Página

Chemoton § Vitorino Ramos’ research notebook

Tomem tempo e balanço. E vão.

13.10.08

história da tecnologia


Por estes dias estou menos assíduo aqui. É que, a propósito de história da tecnologia, ando aí por uma conferência internacional sobre história da tecnologia, onde tive de jogar um pequeno papel. Um destes dias conto como foi.

a senhora tem uns dias de atraso


Ferreira Leite anuncia disponibilidade do PSD para colaborar com o Governo no combate à crise financeira .


A presidente do PSD, bem como outros dos companheiros que falam pela casa, ensaiaram várias tentativas de cavalgar a crise. Esperavam que o capitalismo mal gerido fizesse por eles aquilo que eles não sabem fazer. À falta de argumentos e de alternativas, esperavam assar Sócrates na fogueira do capital internacional. Perceberam agora que essa táctica lhes poderia correr mal. Será que esperaram pela bolsa para decidir o novo rumo? Não chego a saber se também perceberam que isso era pouco patriótico. E estou para ver se, com estes dias de atraso, nasce daqui para eles alguma esperança de não terem entornado o caldo de vez. É que a pequenez, uma vez destapada, é maleita que custa a sarar.
Faz tanta falta ao país uma oposição de centro-direita que não seja apenas uma colecção de papagaios...

11.10.08

os ricos que paguem a crise


"Porque é que devemos pagar pela crise deles?" lê-se nos cartazes amarelos. A dúvida pode atravessar a Europa e os Estados Unidos, mas em Londres os estudantes estão à espera de uma resposta. Primeiro à frente do banco de Londres, depois pelas ruas do bairro financeiro. As perdas nos mercados mundiais aumentam o sentimento de insegurança, já começaram as manifestações. Fotografia: Luke MacGregor/Reuters
[O Público]

10.10.08

The Trap: What Happened to Our Dream of Freedom, Episódio 3



The Trap: What Happened to Our Dream of Freedom é um documentário de Adam Curtis que passou pela primeira vez na BBC em Março de 2007. O documentário faz uma viagem por algumas ideias "bizarras" (embora muito "científicas") que estão presentes em ferramentas muito aceites como úteis para pensar a sociedade dos humanos. Trata-se, por exemplo, de reflectir sobre a "teoria dos jogos" como modelo da natureza humana em sociedade.
O documentário passou em três sessões de cerca de 60 minutos cada. Estamos aqui a divulgar, um de cada vez, esses três episódios (cada um dividido em 6 peças de cerca de 10 minutos cada). A publicação de cada episódio incluirá uma "introdução" ao mesmo, editada a partir daqui.

Estamos a fazer isto espaçadamente, porque sabemos que os nossos leitores têm mais que fazer do que passar horas frente a este blogue.
Divulgámos aqui o primeiro episódio. E aqui o segundo.
Hoje é a vez do terceiro e último episódio. Fica para o fim de semana, certo?



Terceiro episódio: "We Will Force You To Be Free" (25 de Março 2007)


O programa final centra-se nos conceitos de liberdade positiva e de liberdade negativa introduzidos na década de 1950 por Isaiah Berlin. Curtis explica como a liberdade negativa poderia ser definida como “estar livre de coacção” e a liberdade positiva ser definida como “a possibilidade de prosseguir um potencial”.

O programa gira à volta deste tema, revisitando a opinião de Berlin segundo a qual a liberdade negativa era a mais segura das duas e mostrando como muitos grupos políticos recorreram à violência em nome da conquista da liberdade.

Por exemplo, a Revolução Francesa levou ao Terror, tal como a revolução bolchevique na Rússia acabou num regime totalitário.

Passa-se depois ao revolucionário africano Frantz Fanon, que elaborou a tese do existencialista Jean-Paul Sartre segundo a qual o terrorismo era uma arma terrível, mas a única à disposição dos pobres.

Também é analisado o uso dado ao conceito de liberdade económica na Rússia pós-soviética e os problemas decorrentes. Um conjunto de políticas conhecidas como " terapia de choque " destruíram os mecanismos de segurança social que existia e produziram um "genocídio económico", assim chamado devido ao grande número de pessoas sem recursos sequer para comer. Ieltsin reagiu a este tipo de críticas tornando-se cada vez mais autocrático e, ao mesmo tempo, vendendo propriedade estatal a empresas privadas por uma fracção do seu valor real.

Curtis também analisa a agenda neo-conservadora da década de 1980, que fez com que, em nome da liberdade, os neo-conservadores tenham, por exemplo, apoiado fervorosamente o regime policial de Augusto Pinochet no Chile, que utilizava a máxima a violência para esmagar adversários virtuais.

O programa analisa ainda a acção americana contra o governo Sandinista da Nicarágua, o apoio americano ao Xá do Irão e o apoio de certa esquerda à revolução xiita de Khomeini.
Afinal, este programa questiona a razoabilidade da preferência pela concepção negativa da liberdade – sugerindo a necessidade de dar mais atenção à concepção positiva da liberdade.



The Trap #3 - We Will Force You To Be Free (1 de 6)




The Trap #3 - We Will Force You To Be Free (2 de 6)




The Trap #3 - We Will Force You To Be Free (3 de 6)




The Trap #3 - We Will Force You To Be Free (4 de 6)




The Trap #3 - We Will Force You To Be Free (5 de 6)




The Trap #3 - We Will Force You To Be Free (6 de 6)





descontrair por um momento






Mler Ife Dada - "Zuvi Zeva Novi"

ilusão de óptica



O Mundo da Verdade diz que isto é publicidade a um motel brasileiro. Se calhar até é...
(Clicar na imagem para verificar a fruta.)

sabedoria do mercado



Estava-se no outono e, os índios de uma reserva americana perguntaram ao novo chefe se o inverno iria ser muito rigoroso ou se, pelo contrário, poderia ser mais suave. Tratando-se de um chefe índio mas da era moderna, ele não conseguia interpretar os sinais que lhe permitissem prever o tempo, no entanto, para não correr muitos riscos, foi dizendo que sim senhor, deveriam estar preparados e cortar a lenha suficiente para aguentar um inverno frio.

Mas como também era um líder prático e preocupado, alguns dias depois teve uma ideia. Dirigiu-se à cabine telefónica pública, ligou para o Serviço Meteorológico Nacional e perguntou: "O próximo inverno vai ser frio?" -"Parece que na realidade este inverno vai ser mesmo frio" respondeu o meteorologista de serviço.

O chefe voltou para o seu povo e mandou que cortassem mais lenha. Uma semana mais tarde, voltou a falar para o Serviço Meteorológico: "Vai ser um inverno muito frio?" "Sim," responderam novamente do outro lado, "O inverno vai ser mesmo muito frio".

Mais uma vez o chefe voltou para o seu povo e mandou que apanhassem toda a lenha que pudessem sem desperdiçar sequer as pequenas cavacas. Duas semanas mais tarde voltou a falar para o Serviço Meteorológico Nacional: "Vocês têm a certeza que este inverno vai ser mesmo muito frio?" "Absolutamente" respondeu o homem "Vai ser um dos invernos mais frios de sempre."

"Como podem ter tanto a certeza?" perguntou o Chefe. O meteorologista respondeu "Os índios estão a aprovisionar lenha que parecem uns doidos."

(Recebido por e-mail.)

Bolsas europeias em queda

Bolsa de Lisboa afunda mais de sete por cento