Penso que a questão do concreto (vs. abstracto) é uma questão central na responsabilidade que temos em relação aos outros: os outros na sua concretude e não "os outros" como representação de um qualquer "todo" (sociedade, Deus, utopia, ...). É aí que está a imoralidade de certas formas de viver as ideologias.
Para tentar explicitar, socorro-me de Thomas De Koninck, de quem, na introdução a A Nova Ignorância e o problema da cultura (Edições 70), respigo algumas frases.
«O que é novo [na ignorância] é o espírito de abstracção (...). [D]evemos [nessa matéria] acusar a falha central da cultura moderna: o erro de tomar o abstracto pelo concreto, a que Whitehead chamava, com razão, "o sofisma do concreto mal colocado" (...). Concreto (de concrescere, "crescer conjuntamente") significa "o que se formou juntamente". Nesse sentido, uma árvore, ou qualquer outro ser vivo, é propriamente concreta, ao passo que um relógio ou qualquer outro artefacto o não é, já que as suas partes foram juntas por um agente externo e são indiferentes umas às outras (...). [T]odas as disciplinas têm a revelar algum aspecto indispensável do ser humano, mas cada uma delas, ao fazê-lo, só apresenta uma parte ínfima dele. Entretanto, acreditar-se-á que ao somar todos estes aspectos, todas estas partes, se pode obter um todo que, por fim, seja o próprio ser humano? Isso significaria não ter percebido nada e, além disso, seria uma magnífica ilustração da nova ignorância . (...) As antropologias científica, filosófica e teológica "manifestam uma total indiferença recíproca" [Scheler]. (...) Falta a unidade, que só pode ser dada pelo concreto. (...) O espírito de abstracção, porém, continua a reinar tanto na ordem prática como no plano teórico. Esquecendo, ou ocultando deliberadamente, as omissões metódicas que ele torna possíveis, comete devastações no agir individual e colectivo.»