12.11.21

Sair da crise

Deixo aqui, para registo, o artigo de minha autoria que o Público deu à estampa ontem (11 de Novembro) na sua edição em papel.
 
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1. Os partidos têm o dever de se focar no que entendem ser o interesse nacional. Creio ser do interesse comum que os partidos ofereçam alternativas democráticas à cidadania, permitindo escolhas claras de rumo e de equipa. Essa continua a ser a principal razão pela qual, fora de situações de emergência nacional, reputo de indesejável uma solução governativa assente no chamado bloco central, porque dificulta a construção de alternativas sólidas. Isso seria preguiça democrática, optar pela tranquila mediania em vez da construção de alternativas. Coisa diferente é a necessidade de um diálogo estruturado e produtivo com o PSD, não só para fazer funcionar a maioria constitucional, mas ainda para dar horizonte às políticas públicas que só dão frutos a longo prazo.
 
2. A solução política iniciada em 2015, liderada pelo PS, a que prefiro chamar Esquerda Plural, tirou o país das mãos da direita que se desculpou com a troika para aplicar um programa radical, devolveu direitos e rendimentos, retomou o investimento no Estado social, acabou com o conceito antidemocrático de arco da governação, devolveu credibilidade ao país na Europa – fez, pois, um grande trabalho. Ao PS evitou que tivéssemos ficado numa abstenção violenta que nos levaria para a mesma situação desastrosa do Pasok. E, note-se, com grande sentido de responsabilidade perante o país: o PS só contribuiu com o seu voto para derrubar o governo de Passos Coelho depois de assinados os acordos à esquerda que garantiam uma alternativa. Contudo, a atual crise política mostra que o formato dessa Esquerda Plural tinha fragilidades, às quais precisamos responder. 
 
3. A democracia portuguesa conseguiu desenvolver o país em pluralismo, dando representação às grandes narrativas com peso na sociedade, tirando espaço às alternativas violentas. Recentemente, tem conseguido adaptar-se razoavelmente à emergência de diversas narrativas alternativas, através de uma representação parlamentar mais fragmentada. Esse fenómeno exige uma resposta inteligente, porque a fragmentação parlamentar implicará ingovernabilidade se cada partido entender que o mandato que o voto popular lhe confere requer que todas e cada alínea do seu programa seja inegociável. Se todos assim entenderem, só pode haver soluções políticas monocolores, que é precisamente o contrário daquilo que a fragmentação exige para lidarmos com ela de forma democrática. As forças políticas têm o dever de encontrar mecanismos para a composição de soluções que representem compromissos equilibrados entre programas diferentes, mas não antagónicos. O compromisso tem má imprensa, mas é indispensável numa democracia pluralista num mundo complexo.
 
4. Por isto, o PS deve dizer ao país que pretende governar com base numa maioria parlamentar que apoie explicitamente um programa de governo, escrito e claro, para que os portugueses saibam com o que contam, e esse compromisso de programa e de suporte deve ter o horizonte de uma legislatura. Consoante os resultados eleitorais, esse programa será o do PS ou o que resulte de um acordo escrito e de legislatura entre partidos. Devemos procurar esse acordo à esquerda e exigir que seja claro, para todas as partes, em que condições esse caminho será barrado, como foi agora com o chumbo do OE. Esta clareza é necessária, porque o país não pode perder mais tempo, temos de nos concentrar no trabalho pela recuperação social e económica, precisamos de uma legislatura de estabilidade e progresso, o país não precisa de mais surpresas como aquela que trouxe esta crise política. E, como fizemos em 2015, só impediremos um governo de direita democrática se existir alternativa de esquerda pronta a assumir a governação: nunca agiremos no sentido do vazio governativo. 
Só esta ambição e esta clareza permitirá à Esquerda Plural construir uma resposta sólida aos desafios de um país que queremos mais desenvolvido e mais justo.
 
Porfírio Silva, 12 de Novembro de 2021 
 
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2.11.21

Questões ao PCP.

 
 
Para registo, deixo aqui o pedido de esclarecimento que tive estar tarde a possibilidade de fazer, na Assembleia da República, ao Deputado António Filipe, no seguimento da sua Declaração Política em nome do PCP.
 
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Senhora Presidente, Senhores Deputados, Senhor Deputado António Filipe,
 
Concordamos num ponto fundamental: há uma ligação entre a situação económica e social, aquilo que há a fazer no país, e a situação política, sendo ou não sendo capaz de lhe dar resposta. Há uma ligação, portanto, entre termos orçamento ou não termos e sermos ou não sermos capazes de nos concentrarmos agora na recuperação económica e social do país. E, portanto, no fundo, há uma questão na sua declaração política, na declaração política do PCP, que também é nossa: qual é o sentido, qual é a racionalidade, de chumbar um Orçamento de Estado que melhora as políticas públicas, que não tira nada do que era bom e estava a funcionar e que acrescenta coisas boas, designadamente algumas que o senhor deputado citou.
 
Podia achar-se que era natural o grupo parlamentar do Partido Socialista pensar assim, mas nós não somos os únicos a pensar assim. Em Maio passado, um distinto deputado e dirigente do PCP escreveu assim, em público: “Tenho ouvido frequentemente as intervenções de dirigentes, antigos dirigentes e deputados do BE, a justificar o facto de terem votado contra o OE para 2021, com críticas duras ao dito OE. Por irónico que possa parecer, se podem fazer esse discurso, devem-no à atitude responsável do PCP.” (Que o tinha deixado passar.) “É que, se o PCP tivesse feito o mesmo…” – e, depois, vêm várias consequências: o país ficava a viver com duodécimos, os 300.000 trabalhadores em lay-off ficavam com menos um terço do salário, o SNS ficava mais à míngua, os reformados sem aumentos… “e sabe-se lá com que Governo”, também dizia… o senhor Deputado António Filipe, na sua página pessoal no Facebook.
 
Ou seja: aqui há uns meses, o PCP era responsável, porque tinha deixado passar o Orçamento, e o BE era irresponsável, porque não tinha deixado passar o Orçamento. E agora como é que é? É que não era só a questão das medidas concretas, era também a questão do “sabe-se lá com que Governo”, ou seja, havia uma questão de governabilidade, na questão que o senhor Deputado colocou – enfim, o senhor Professor António Filipe, porque pode sempre invocar que não é o deputado que escreve no Facebook –, mas a minha pergunta, a nossa pergunta, é esta:
 
Nós não somos voluntaristas, nós não acreditamos em soluções de geração espontânea, como talvez os liberais acreditem, nós não acreditamos que o Estado Social seja um helicóptero, que basta lançar dinheiro quando estamos aflitos; o Estado Social é organização, é estruturação da sociedade, da comunidade, em função do bem comum, e portanto, precisamos de ferramentas políticas. Tendo o PCP feito aquilo que fez, que ferramentas políticas está o PCP disposto a oferecer ao país para não perdemos tempo para trabalhar para a recuperação social e económica que tão urgente é?
 
Porfírio Silva, 2 de Novembro de 2021 
 
 
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