11.2.20

A esquerda depois do orçamento



Deixo aqui, para registo, o artigo de opinião que publico hoje no Público online, com o título "Saldo orçamental" e subscrito como vice-presidente do grupo parlamentar e secretário nacional do PS. Não costumo fazer estas partilhas no próprio dia; faço-o hoje por ter saído inicialmente uma repetição do meu artigo de 5 de Janeiro, só estando corrigido o texto a meio da manhã.

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SALDO ORÇAMENTAL

Aprovado o OE 2020, há uma reflexão a fazer sobre o significado político desse processo.

Rui Rio, cuja suposta moderação ainda não se tornou um fenómeno observável, mostrou faltar-lhe o entendimento de que ser o maior partido da oposição exige tanta responsabilidade como ser governo.

O PCP, que hoje divulga com orgulho a extensa lista de propostas suas que foram aprovadas, tratou de fazer com que a proposta do governo fosse melhorada. Foi o que também procuraram fazer os deputados do PS. O resultado não entusiasmou o PCP a mais do que uma abstenção. Aí discordamos, mas, sem dúvida, fez-se um caminho.

O BE também apresentou na especialidade várias boas propostas, mas, globalmente, esteve fortemente condicionado pelas correntes internas que querem forçar uma rutura com os parceiros da anterior legislatura. O BE definiu o objetivo de transformar este OE numa estrondosa derrota para o Governo e o PS, adotando para o efeito a tática de trabalhar com o PSD para aprovar uma baixa do IVA da eletricidade que estourasse com o equilíbrio orçamental (não apenas de 2020, mas também dos próximos anos). A manobra, gorada pela já tradicional cambalhota do PSD, foi possível, como alguém disse, porque Rio “montou esta encenação calçado nos sapatos do BE”.

Na verdade, partilhamos o objetivo de combater a pobreza energética, como demonstra o alargamento da tarifa social de eletricidade de menos de oitenta mil para oitocentas mil famílias. E continuamos a trabalhar para baixar o preço que os consumidores pagam pela energia. O BE sabe disso – até porque o Governo, nos bastidores, foi propondo alternativas para atacar o problema. Só que o BE foi negando a existência dessas aproximações para poder prosseguir a operação em curso.

Este comportamento do BE tem um racional: querem fazer pagar caro ao PS não ter havido uma segunda “Geringonça” só a dois. Estão, para isso, dispostos a emparceirar com a direita se o PS não ceder a todas as suas exigências. Importa, pois, dizer o seguinte. Não houve “papéis passados” com o BE para o horizonte da legislatura, porque o BE o tornou impossível apresentando condições prévias à abertura de um processo negocial. Essas condições prévias incluíam mudar já em 2020 uma legislação laboral que tinha acabado de ser revista, tentando impor ao PS a humilhação de mudar em poucos meses de posição, contra o seu programa. E incluíam também uma forma de reservarem para seu crédito, até ao fim da legislatura, matérias que são sempre bandeiras também de outros partidos de esquerda. Mas o ultimato não incluía a baixa do IVA da eletricidade…

Acordos escritos dariam mais estabilidade à governação e seriam mais cómodos para o PS. Contudo, teríamos andado mal aceitando, à esquerda, a existência de parceiros de primeira (de papéis passados) e parceiros subalternos. Isso envenenaria a cooperação futura na esquerda plural, minando a responsabilidade perante os portugueses que partilhamos e devemos continuar a assumir.


Porfírio Silva, 11 de Fevereiro de 2020

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