27.10.16

financiamento dos partidos.

17:35


Temos de falar disto, porque o debate público sobre o financiamento dos partidos evidencia quão persistente é entre nós o pensamento salazarista.

O financiamento público dos partidos é o único caminho para livrar essas instituições das malhas do financiamento privado. Tal como foi uma reivindicação histórica da esquerda que os deputados fossem pagos pelo Estado, para evitar que só os ricos pudessem ser eleitos, também deve haver meios para que os partidos não fiquem dependentes da boa vontade de quem tem dinheiro.

Coisa diferente é o custo das campanhas eleitorais: deve baixar. Não só para poupar dinheiro público, mas também para fazer mais política de conteúdo e menos política de espectáculo.

Já agora: por muitas responsabilidades que tenham os partidos nas coisas que não correram bem, cabe sublinhar que não há nenhuma experiência histórica de democracia sem partidos. Os partidos prestam um serviço público. Como tal, deve ser sempre melhorado esse serviço e melhorados esses partidos. Mas não se percebe que aqueles que rejeitam (e bem) que o Estado pague escolas privadas em concorrência com a escola pública queiram, ao mesmo tempo, que os partidos fiquem dependentes do financiamento privado.

27 de Outubro de 2016

26.10.16

Educação Física e Filosofia.

23:36


Educação Física e Filosofia. Duas questões mais parecidas do que possa parecer. Leiam com atenção este texto da Bárbara Wong: Oh, não! A Educação Física conta para a média… Acaba assim - e cito:

Agora, o Governo decidiu e bem que a nota de Educação Física volta a contar para a média final do secundário. Bem, porque nem a disciplina, nem os seus professores são de segunda. Aliás, a disciplina é de primeiríssima e deveria ser cada vez mais importante porque contribui para que tenhamos filhos com mais saúde, logo, a longo prazo e se se mantiverem os hábitos adquiridos nestas aulas, hão-de ir ao ginásio por sua iniciativa, combinar uns jogos de basquete ou de futebol com os amigos, não terão tantas doenças, envelhecerão mais saudáveis, etc, etc.

Mens sana in corpore sano. E por falar em mens sana, para quando a Filosofia até ao final do secundário em todos os cursos? Sim, porque esta também não é de segunda e contribui para termos meninos menos acríticos e com mais valores. Para uma sociedade melhor. Fica a sugestão.

PS: Eu nunca soube dar um pino, fazia mal a roda, tinha medo do salto sobre o cavalo e, no meu tempo, não se aprendia a dançar, uma pena.

Duas notas, de momento só sobre a Educação Física.
Primeira, claro que "Educação Física" não é "Desporto Escolar": não é para "premiar campeões", não é para dar má nota a quem não consiga um triplo salto mais longo do que a Patrícia Mamona ou não marque mais golos do que CR7. É para educar a nossa relação com o corpo, a coordenação, os bons hábitos dessa base material do ser que não vale menos do que a mente. E quem pergunta "mas os que têm um problema físico vão deixar de entrar em medicina por causa da educação física?" - esses lembrem-se de que não se trata de premiar o desempenho desportivo, mas o empenho na cultura física necessária à formação integral do ser humano. E isso precisam todos, qualquer que seja o físico que tenham. Sendo certo que é preciso repensar as modalidades e as práticas de avaliação da Educação Física, mas...
Segunda nota: se não contar para a avaliação, a Educação Física será "posta à sombra" e desvalorizada. Temos de remar fortemente contra o tal "afunilamento curricular" que pretendia que só interessava o Português e a Matemática.

E da Filosofia falamos outro dia. Mente sã em corpo são!

26 de Outubro de 2016


*** ADENDA***

 
Acrescento esta nota depois de ler algumas das reacções a este texto.

A Educação Física não interessa para alunos que vão para o Ensino Superior fora de áreas de Desporto?! Mas, então, a coordenação sócio-motora, mobilidade e estabilidade corporal não serão necessárias em qualquer profissão - ou melhor dito, em qualquer vida saudável?

A obesidade já deixou de ser um problema? Ou estará mesmo a precisar cada vez mais de ser combatida nos seus fundamentos, que estão ao nível da falta de educação física, de educação para o equilíbrio alimentar e para estilos de vida saudáveis? Ou já se esqueceram dos discursos que fazem acerca dos excessos da vida sedentária? Serão esses problemas só daqueles que vão para cursos de Desporto?

Era bom que ninguém, traumatizado/a com más recordações da "ginástica" de há 40 anos, deixasse de pensar em que mundo vive e o que pode significar "educação" nos dias de hoje.



23.10.16

O beco do PSOE.

12:25


Olhando para a situação do PSOE face ao país, ocorre-me o seguinte. Faltou a Sánchez um elemento fundamental de compreensão dos desafios que enfrentava, o que faz uma grande diferença face ao que ocorreu em Portugal.
António Costa, em Portugal, disse claramente desde a noite eleitoral que não inviabilizava o governo da direita se não tivesse uma alternativa. Sánchez, pelo contrário, desligou as duas variáveis fundamentais da equação, ao afirmar que não deixava passar Rajoy sem ter garantida uma alternativa. Desse modo, Sánchez fez com que fosse o PSOE a pagar a grande factura do impasse, aparecendo como responsável por não haver nem governo à esquerda nem governo à direita - quando, na verdade, está longe de ser o único responsável. Mas ilibou o Podemos das suas responsabilidades, ao ser pouco prudente e ao não ter sido claro nos seus limites.
Sánchez também falhou a compreensão do tempo: note-se que o PS só embarcou na moção de rejeição do programa de governo de Passos Coelho II depois de ter assinados os acordos das esquerdas, o que estabeleceu um limite temporal claro para a assinatura desses acordos.
Agindo com pouco esclarecimento, Sánchez acabou por colocar o PSOE num beco onde a saída que vai impôr-se como recurso (deixar passar Rajoy) é um enorme risco - apesar de ser o que alguns sempre quiseram. Infelizmente, apesar do processo português ter sido anterior ao processo espanhol, Sánchez não quis ou não soube compreender o que se passou por cá - talvez por ter passado ao lado da complexidade do que por cá se fazia. É uma pena, porque teria sido importante ter um governo de esquerda em Espanha.

23 de Outubro de 2016

19.10.16

Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares

16:29


(O texto que se segue foi produzido pelo Ministério da Educação, nesta data, a propósito do estudo “Desigualdades Sócio-económicas e Resultados Escolares II”. Parece-me de interesse relevante para compreender alguns aspectos da realidade da educação em Portugal - essa é a razão para o colocar aqui.)



A Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC) acaba de publicar o estudo “Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares II”, que foi jáapresentado em reunião do Conselho das Escolas. O documento surge na sequência dapublicação, em fevereiro último, da primeira parte deste trabalho (relativa aos alunosdo 3.º ciclo).

Neste estudo são relacionados os resultados escolares dos alunos com as qualificações académicas das suas mães e com o nível socioeconómico dos agregados familiares,apurado através do escalão da Ação Social Escolar, desta vez utilizando os dadosrelativos aos alunos do 2.º ciclo do ensino público.

Na generalidade, as conclusões relativas aos alunos de ambos os ciclos são semelhantes, sendo de destacar:

  • No total nacional, o nível socioeconómico dos agregados familiares é um preditor do sucesso escolar, na medida em que os alunos oriundos de famílias de baixos rendimentos apresentam taxas de sucesso mais baixas;
  • No total nacional, as habilitações académicas das mães são um preditor do sucesso escolar, na medida em que os alunos que têm mães com menores qualificações apresentam taxas de sucesso mais baixas;
  • Persiste, ainda assim, uma variação regional e local nos resultados apresentados, sendo detetáveis assimetrias entre distritos e conjuntos de escolas, evidenciando que, para os mesmos níveis de rendimentos dos agregados e de qualificações das mães, é possível encontrar taxas de sucesso mais elevadas em alguns distritos e conjuntos de escolas;
  • Esta observação mais uma vez evidencia que há outros fatores que influenciam o sucesso escolar dos alunos, fatores esses que interessa explorar, e que contrariam a relação causa/efeito entre o contexto socioeconómico e o sucesso escolar dos alunos, genericamente comprovado.

Sabendo, como este estudo também revela, que o sucesso escolar é condicionado por fatores externos, o papel da Escola é crucial. Assim, a colaboração e responsabilidade da comunidade, a nível local e regional, são essenciais à construção do sucesso escolar e ao compromisso com o ensino e a valorização da aprendizagem. De facto, neste âmbito, importa sublinhar uma das afirmações constantes da nota introdutória do estudo agora apresentado:

“as estatísticas apresentadas no estudo sugerem também que o nível socioeconómico não equivale a destino, ou seja, não determina de forma inapelável o desempenho escolar dos alunos. […]. Existem portanto outros
fatores importantes em jogo, além do nível socioeconómico, fatores que importa investigar localmente e de forma mais aprofundada” (p. 3).


Nesse sentido, os resultados obrigam a que se continue a centrar a ação naquela que constitui uma das funções primordiais da escola pública: o nivelamento de oportunidades entre crianças oriundas de diversos meios socioeconómicos e a promoção da mobilidade social.

A intervenção tem, pois, de continuar a ser o resultado de uma combinação coerente entre políticas educativas, de formação e de âmbito social alargado. Só assim é possível, como tem sido feito, promover o apoio aos primeiros sinais de dificuldade, numa lógica de proatividade assente no princípio de que são as comunidades educativas que melhor conhecem os seus contextos, dificuldades e potencialidades.

É, por isso, importante um compromisso social em torno do sucesso escolar e a necessidade de uma apropriação coletiva que conduza a uma estratégia concertada de melhoria dos resultados, assente num recentrar da ação na melhoria das aprendizagens.

Deste modo, destacam-se algumas medidas já em curso:

  • .O convite às escolas para elaborarem planos de ação estratégica com o objetivo de que sejam elas próprias a construir soluções locais tendo em vista a melhoria das aprendizagens dos alunos. Deste convite resultaram 663 planos num total de 2936 medidas;
  • A dinamização de formação contínua de apoio à elaboração dos planos de ação estratégica e à sua implementação que, com a colaboração dos Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), se prevê que envolva 35.000 docentes em dois anos;
  • A promoção do envolvimento das Comunidades Intermunicipais (CIM) na dinamização destes planos. Desta forma, é potenciada a convergência entre as iniciativas das CIM no domínio da Educação e os planos elaborados pelas escolas, tendo como finalidade a melhoria das aprendizagens, a diminuição do insucesso e do abandono escolar;
  • O reforço dos mecanismos de acompanhamento individualizado dos alunos, em concreto, através da implementação do Programa de Tutorias no Ensino Básico, que abrangerá cerca de 25 mil alunos, num total de 10 mil horas semanais.


(O Estudo “Desigualdades Sócio-económicas e Resultados Escolares II” pode ser
consultado no site da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência)

19 de Outubro de 2016

16.10.16

a sociedade do ruído.



Temos ideias feitas sobre muitas coisas correntes. Às vezes, as ideias feitas são erradas. Outras vezes, estão certas mas não temos modo fácil de as testar. De vez em quando, é possível confirmar pequenas coisas.

A crítica (uma das críticas) que muitos fazem às "redes sociais" é que elas são pasto para a superficialidade numa forma extrema. Sendo certo que colhemos muita informação relevante nas ditas redes, é fácil descartar aquela crítica dizendo que "há de tudo, como na mercearia". Só que, na realidade, a febre com que muitos se comportam nas ditas redes pode ser ilustrada de muitas maneiras.

Acabei de fazer um teste. Não no ambiente frequentemente agressivo do Twitter, mas no mais pacato Facebook. Publiquei a imagem acima, acompanhada da seguinte mensagem: «Os comentários a este "anúncio" são bem o retrato de muita coisa que se passa no FB... Há quem diga que é mentira, que a mudança de hora não é este fim-de-semana, que já bastam as mentiras dos políticos... Quer dizer, muito mais "opiniães" do que gente a ler e a interpretar o que lá está.» Quer dizer: o texto, basicamente relatando o que tinha visto na página de outra pessoa, já apontava para a armadilha, não a explicando, mas assinalando a sua existência. Mesmo assim, muitos comentários vieram fazer a caridade de me expplicar que a hora não mudava este fim-de-semana... Julgo poder concluir que muita gente não percebeu o jogo da imagem... e que, do mesmo modo, muita gente nem leu o texto de acompanhamento (ou não o entendeu).

Dispenso-me grandes considerações. Sem excessiva teoria, este pequeno experimento mostra o jogo de aparências em que vivemos nestas "redes de nodos esburacados", nodos pelos quais passa muita informação que não deixa nada de consistente. Qualquer dia explicarei melhor como enquadro isto no problema "redes vs. instituições".

16 de Outubro de 2016

15.10.16

Nobel da Literatura 2016.

10.10.16

uber, táxis... e opções complexas.

15:22


Não sou um fanático das novas tecnologias sem critério. Não quero que voltemos a destruir as máquinas, por elas ameaçarem a ordem presente, mas as máquinas podem vir melhorar as coisas ou servir principalmente para as piorar. Não depende das tecnologias, depende de nós e das nossas decisões.
Vejo que uma plataforma electrónica pode ajudar a prestar melhor serviço - e tanto que estamos necessitados de melhor serviço de táxi! Há taxistas excelentes, mas continuamos à mercê da sorte ou do azar de apanhar um perfeito imbecil que acha que nos está a fazer um favor e que pode tratar-nos como um saco de lenha. É preciso acrescentar transparência, controlo, inteligência e flexibilidade ao serviço de táxi ou o que se lhe aparente. E as plataformas online têm meios que podem servir para isso. E o serviço de táxi tem de aprender com essas possibilidades.
Mas uma plataforma electrónica como a UBER também pode servir para precarizar ainda mais uma profissão. A técnica é velha: transforma-se toda a gente em "trabalhador por conta própria", pode até chamar-se-lhe "empresário" para que ele não possa pedir certos direitos, faz-se com que o "patrão" desapareça atrás da tecnologia e, a partir daí, é o salve-se quem puder. O mercado passa a ser "mais livre", todos podem lançar-se à aventura, ninguém cuida do que acontecerá quando forem mais os prestadores de serviços do que os clientes e quando for difícil monitorizar as práticas.
Era capaz de ser bom aproveitar o aparecimento de plataformas como a UBER para modernizar todo o sector dos que prestam serviços similares. Principalmente a pensar na qualidade do serviço. Eu, por exemplo, gostaria de ficar com um registo electrónico das viagens, para demonstrar a irracionalidade de certos percursos que nos são propostos. Gostaria de saber quem é o condutor e de o poder referenciar. São exemplos. Exemplos de possibilidades que, bem aproveitadas pelos táxis, poderiam renovar o interesse pelo serviço e limpar o campo, deixando a maioria de gente decente e atirando para canto os que dão má fama ao sector. Isso seria útil para todos.
Agora, uma coisa é certa. Um dos espinhos que tem de ser arrancados é a possibilidade de alguns, em nome da profissão, fazerem de uma classe uma tropa de choque, comportando-se como se tivessem direito a sequestrar o espaço público e a ameaçar a liberdade e segurança das pessoas.
Pelo menos enquanto não passarmos de vez aos automóveis sem condutor...

10 de Outubro de 2016

6.10.16

o erro de Assis.

20:33


Mais uma coluna de Francisco Assis sai hoje no Público.

Brevemente, Assis refere-se a um artigo que publiquei há dois dias. (Clicando aqui pode aceder ao texto desse artigo.)

Escreve Assis:

«Porfírio Silva, homem de inequívoca densidade intelectual, dedicou-se a escrever um texto a todos os títulos surpreendente. Depois de um congresso do BE marcado quase exclusivamente por uma algazarra antieuropeia — que teve o seu corolário patético na proposta de realização de um referendo sobre a permanência de Portugal na UE em função da eventual aplicação de sanções ao nosso país —, e nas vésperas de um conclave comunista que não deixará, por certo, de fazer do projecto europeu o bombo da festa da inflamada vozearia marxista-leninista, vem apelar a uma convergência de posições das várias esquerdas sobre a União Europeia. Ou estamos no campo da candura ou já chegamos ao domínio do delírio. Não é que Porfírio Silva não tenha razão naquilo que diz — o problema é que aquilo que ele pretende está em contradição quase patológica com a realidade.»

Obviamente, o que tenho a criticar no que Assis escreve não é que ele me critique. Contrariamente ao próprio Assis, nunca me queixei por ser criticado por outros camaradas. Não sou daqueles que gostam da sua liberdade de expressão, e de poder criticar, mas têm ataques de urticária quando os outros exercem a mesma liberdade. Portanto, nada contra que Assis me critique.

Contudo, Assis denuncia-se a cometer um erro essencial. Assis critica o meu artigo como se o meu artigo fosse um texto de um comentador. Eu estaria a descrever a realidade - e a realidade descrita por mim não seria nada do que eu via.

O erro - crasso - de Assis é que eu não sou um comentador. Eu não faço comentário político. Eu não sou repórter, relator, observador. Nada disso.

Eu faço política. Defendo o que acho que deve ser. Proponho pelo que devemos lutar. Faço combate político. Portanto, o meu artigo, tal como tudo o que escrevo como político, é uma determinação de trabalhar para que aconteça. E, sim, muito daquilo que um político empreende é sobre uma realidade que não existe - mas que queremos fazer acontecer.

O erro básico de Assis é não perceber que eu, como deputado e dirigente do PS, não me limito a descrever a realidade. Razão pela qual não escrevo como cronista. Escrevo como militante por causas e por caminhos em que acredito.

É surpreendente que Assis, sendo também deputado eleito pelo PS, não perceba a diferença. Esse é um erro politicamente muito relevante.

(Para ler na íntegra o artigo de Assis, pode clicar aqui.)

6 de Outubro de 2016

5.10.16

Parabéns, ONU !

17:15

o cientista Marco António Costa.

11:46


Marco António Costa veio afirmar que o estudo "Desigualdades de Rendimento e Pobreza em Portugal", coordenado por Carlos Farinha Rodrigues, seria um “inaceitável embuste”. A deputada Teresa Morais veio também atacar o estudo, dizendo que é enviesado. Devemos dar os parabéns a Marco António Costa e a Teresa Morais por terem recentemente desenvolvido novas competências científicas e de investigação, a ponto de se terem tornado pares científicos dos autores do estudo, capazes de o avaliarem seriamente?

Isso seria um notável avanço na qualificação da política. "Seria" - mas não me parece que seja. Afinal, esses políticos não usam, para fundar o que dizem sobre o estudo, as metodologias que usariam os que estudam propriamente. Nem por um minuto se detêm a pesar o facto de os autores usarem as metodologias correntes em instituições internacionais de referência (como a OCDE ou o Eurostat) quando estudam estes mesmos problemas.

O que querem é outra coisa. A cientista Teresa Morais, seguindo as pisadas do cientista Marco António Costa, quer que o editor aplique "um filtro"! A deputada do PSD avisa a Fundação Francisco Manuel dos Santos para que tenha cuidado e não publique estudos com conclusões inconvenientes... Apelo à censura? Caramba, onde esta gente chega.

Sim, porque não se trata, certamente, da qualidade científica do estudo. A qualidade científica não é medida pelos comentários dos deputados, mas sim pelo historial dos investigadores e pelo escrutínio dos pares, dos outros cientistas, de quem queira e possa trabalhar no mesmo plano e com métodos escrutináveis. A direita portuguesa mais oficial está a pegar na moda de escolher qual a investigação que interessa em função das suas opiniões. Qualquer dia estão a defender que o criacionismo é tão científico como a teoria da evolução.

Não devia surpreender. A Direita não é toda igual, e não quero com isto ofender a Direita decente. Mas a Direita que temos a mandar nos seus partidos (pelo menos no PSD, de quem falamos neste caso) é assim: despreza o conhecimento, despreza a investigação e só gosta de propaganda. Quando o saber pode ser usado para a propaganda, até podem fazer de conta que gostam. Mas, no fim de contas, não querem saber do conhecimento para nada e preferem a política dos chavões. E, é sabido, adoptam a seguinte linha: quem não tem vergonha, todo o mundo é seu.

A alguma direita custa a aceitar que os cientistas não são avaliáveis pela primeira ave que decide "opinar" sobre o seu trabalho: porque eles têm CV, percurso, estão inseridos em instituições, são avaliados por outros cientistas, se escreverem disparates serão penalizados por isso. Já era tempo de deixarem de confundir a lama que atiram com argumentos verdadeiros. E, já agoram, respeitarem a liberdade de investigação e o conhecimento como elemento essencial na compreensão pública do bem comum.


5 de Outubro de 2016 (Viva a República!)

4.10.16

Uma esquerda para a Europa.

18:02


(O meu artigo de hoje no DN. Coloco-o aqui já hoje pela simples razão de que, tendo um erro de escrita - facilmente identificável para quem tenha a necessária sensibilidade política -, pede uma versão escorreita e preferi fazê-la já. O original está aqui.)

Há um ano, dia por dia, os eleitores depositaram decisões importantes para a governação do país nas mãos dos deputados eleitos. O PS e os demais partidos parlamentares de esquerda viriam a assumir a responsabilidade de dar resposta à larga maioria de eleitores que queriam interromper a estratégia da direita para desestruturar até à violência a nossa vida coletiva. Os acordos das esquerdas deram à democracia portuguesa, além de respostas políticas concretas, uma profunda renovação da representação política: um milhão de portugueses entram pela primeira vez no bloco social de apoio a um governo constitucional. E reafirmou-se que a democracia tem sempre de oferecer escolhas. Feito o muito que tem sido possível, olhemos para o futuro. Os acordos à esquerda mostram pluralidade, diferença, preservação das identidades. Mas a governação já tem exigido a construção de novas confluências para além das posições conjuntas. É preciso aprofundar o método original, de valorizar as convergências em lugar de sublinhar as divergências: sem pretender anular a diferença, alargar as convergências em domínios estratégicos. Adicionar novas camadas de visão conjunta, novas soluções comuns para desafios centrais.

O papel de Portugal na União Europeia é, sem dúvida, um estaleiro essencial na renovação do diálogo à esquerda. Uma divisão de tarefas onde, por um lado, o governo do PS trata de encontrar o caminho estreito da defesa do interesse nacional no quadro comunitário e, por outro lado, a esquerda da esquerda, embora solidária com o governo, sistematicamente reflete em voz alta acerca da inevitabilidade de empurrar o governo para o confronto com as instituições europeias, é a prazo insustentável.

Sem dúvida que todos queremos uma UE onde se pratique a igualdade entre países, a convergência económica, onde a coesão social e territorial se concretize. Sem dúvida que temos de contrariar as forças que, dentro das instituições europeias, tentam bloquear o governo de Portugal. Recusamos a receita recorrente de privatizações e desregulação social. Mas, para uma estratégia de longo prazo para Portugal, importa compreender que a crítica da globalização é inconsequente se ignorar que só podemos contrariar os seus efeitos perversos com cooperação regional mais forte, nunca com ilusões de soberania isolacionista.

Soubemos recentemente que a Comissão Europeia pretende que a Apple devolva à Irlanda, por impostos por cobrar graças a concorrência fiscal desleal, uma quantia superior à despesa pública anual desse país em saúde. Outros casos (Starbucks na Holanda, Fiat no Luxemburgo, dezenas de multinacionais na Bélgica) espoletaram ações europeias destinadas a bloquear alguma forma de paraíso fiscal. Claramente, nenhum país isolado tem os meios para se opor a estes efeitos nefastos da globalização. É na UE que o podemos fazer.

Não podemos enfrentar com eficácia e humanidade a questão dos refugiados, nem a ameaça terrorista, agindo cada um por si. Nem regular seriamente a banca e a finança. Não podemos enfrentar o desafio da segurança energética sem uma União da Energia. Sem uma União Digital desperdiçaremos o potencial de um espaço comum de criação e fruição online. São desta ordem as razões do europeísmo dos socialistas.

A esquerda não pode trocar o internacionalismo pelo nacionalismo. Não podemos entrincheirar-nos: discutir as regras comuns não passa por reduzi-las às categorias de imposição e chantagem. Recentemente, cinco países nórdicos insurgiram-se contra o ostensivo desrespeito da Hungria pelas suas obrigações relativas aos refugiados e apelaram à UE para que aja contra o prevaricador. Devemos aceitar que Viktor Orbán se oponha aos valores e regras comuns tratando-as como imposições e ingerências? Não. Na defesa do Estado de Direito, em causa por exemplo na Polónia, desejaríamos até que as instituições europeias fossem mais rápidas e mais determinadas. Falamos de situações diferentes, claro. Mas o ponto é que não podemos desqualificar o debate político europeu com simplificações soberanistas. Até porque esse debate político europeu é necessário para aprofundar a democracia na UE e para acrescentar legitimidade às suas instituições.

A maioria plural das esquerdas renovou a representação democrática em Portugal e permitiu uma viragem política que recusa a estratégia de empobrecimento e o aumento das desigualdades. Vale a pena trabalhar por uma sociedade decente. Por esse mundo fora, para lá da divisão direita/esquerda, perpassa uma divisão sistema/antissistema. Não podemos continuar a empurrar para fora da democracia os que há muitos anos não têm um aumento real do salário. Os que continuam absolutamente precarizados, na incerteza quotidiana. Devemos transformar a indignação em política, em governação alternativa, em democracias mais democráticas. Devemos ser capazes de fazer isso também na Europa. A maioria plural das esquerdas tem de trabalhar para acrescentar coerência estratégica às suas convergências em matéria de UE.

Porfírio Silva
Membro da Comissão Permanente do PS

4 de Outubro de 2016

2.10.16

para o currículo de Kristalina David Georgieva

12:22


Segundo o dito por Mário David na TV na sexta-feira, há dois anos que Kristalina Georgieva o convidou para trabalhar com ela na candidatura a Secretária-Geral da ONU.
Olhando para os calendários, isto quer dizer que a senhora Georgieva aceitou entrar para a Comissão Europeia com a intenção de abandonar esse órgão passado pouco tempo. Terá ela dito isso nas audições prévias que, no Parlamento Europeu, precederam a votação que lhe permitiu tornar-se Comissária? Ou ocultou um dado essencial para compreender a sua vontade política no quadro europeu?
O que declarou esse português grande apoiante de Georgieva significa ainda outra coisa: o "atraso" na apresentação da candidatura (vamos chamar-lhe assim) não foi um acaso, nem uma falta de premeditação do interesse da própria no lugar. Terá sido um olímpico desprezo pelo processo de escrutínio público das candidaturas?
Neste sentido, ao desprezo pelo Parlamento Europeu junta-se o desprezo pelos procedimentos de transparência da ONU. Belo currículo.

2 de Outubro de 2016