22.2.15

a Grécia e o canto das sereias.



Depois da reunião do Eurogrupo na sexta-feira passada (20/FEV/15), Varoufakis, para explicar o por quê de terem moderado a sua posição, recolheu à grande mitologia grega: "Por vezes, como o fez Ulisses, temos de nos amarrar a um mastro para chegarmos onde pretendemos e evitar as sereias". (Assim conta o Expresso.)

Recapitulemos.
Homero, no Canto XII da Odisseia, apresenta o episódio do canto das Sereias.
As Sereias, na sua ilha, atraíam com um canto irresistível os marinheiros que navegavam ao largo, que assim se deixavam conduzir a uma armadilha mortal. Ulisses, avisado por Circe, sabendo que também ele e os seus companheiros não resistiriam à tentação, preparou-se para a ocasião explicando a situação à sua tripulação, tapando com cera os ouvidos dos seus marinheiros e ordenando-lhes que o amarrassem ao mastro do navio e que o prendessem ainda com mais cordas quando ele pedisse para o soltarem.
Ulisses não expôs os seus companheiros à tentação e garantiu que ele próprio, concedendo-se a oportunidade de experimentar a situação, seria impedido nessa ocasião de tomar a má decisão que nesse momento haveria de querer tomar: aceder ao armadilhado convite das Sereias.
Passou com sucesso a prova, seguiu o seu caminho e conseguiu afinal voltar a casa.

É importante perceber a actualidade desse perigo, que Ulisses contornou com inteligência da situação: as sereias de hoje pertencem a duas sub-espécies. A primeira é a sereia da submissão: "obedecemos e calamos, qualquer que seja o preço". Essa sereia foi evitada quando o povo grego votou contra o empobrecimento como programa. A segunda é a sereia do maximalismo: "fixamo-nos um destino e um caminho e só aceitamos a nossa própria via e os nossos próprios meios". Essa sereia ataca facilmente os partidos que, na oposição, nunca pensam muito nas realidades da governação. Se a Grécia tivesse cedido a essa sereia teria mantido os objectivos iniciais do Syriza e teria chocado de frente com a Europa - e teria sido deixada sózinha. O governo grego percebeu que isso não traria nada de bom para o seu povo e aceitou negociar. Continuando a trabalhar para atingir os seus objectivos essenciais (aliviar a austeridade e começar a recuperação), tenta manter uma rede europeia que lhe faz naturalmente falta.

Aplaudo esse "pragmatismo com princípios" do governo grego. E insisto: se, por cá, o PS fizesse o mesmo, porque quer inverter o ciclo de empobrecimento mas não acredita que isso se possa fazer sem a Europa, há toda uma "esquerda da esquerda" que bramaria "traição" apontando o dedo acusador ao PS. Era bom que a nossa "esquerda da esquerda" se libertasse das sereias do maximalismo e aproveitasse para aprender alguma coisa com o actual governo grego.