28.5.14

suspender a democracia ?


As autárquicas foram um argumento da direcção de António José Seguro contra uma disputa interna pela liderança. "Deslealdade, esta coisa de quererem disputar a liderança; temos de nos concentrar nas batalhas eleitorais externas, não podemos distrair os socialistas com batalhas internas", diziam.

Os descontentes calaram e esperaram duas eleições: as autárquicas e as europeias. Esperaram, quer dizer: meteram-se nas batalhas, junto com os outros. No caso de António Costa, brilhantemente: foi sua a fatia de leão dos resultados do PS nas últimas autárquicas. Em qualquer uma delas, a direcção do PS viu "grandes vitórias", implicando a continuidade gloriosa do líder. Mesmo quando um mínimo de comparação dos números mostrava que as vitórias não eram tão estrondosas quanto apregoado.

Agora, mais uma vez, a ideia de voltar a discutir a liderança é representada como uma deslealdade, porque é preciso concentrar todas as forças no combate exterior. Pelo menos assim proclamam os mais apressados porta-vozes dos leais conselheiros de António José Seguro. Segundo esse modo de ver, AJS é o bem amado líder da mudança, coisa que todos parecem ver em todos os recantos do universo - embora outros julguem que se está a tentar tapar o sol com a peneira. O que, aliás, será mais fácil se o sol não brilhar mesmo nada.

O argumento, mais uma vez, são as eleições seguintes. Caramba, mas será que é preciso suspender a democracia no país para os socialistas poderem fazer escolhas internas? Nos últimos anos tivemos esta sequência de eleições:

07/06/2009 – Europeias

27/09/2009 – Legislativas

11/10/2009 - Autárquicas

23/01/2011 – Presidenciais

05/06/2011 – Legislativas

09/10/2011 – Regionais na Madeira

14/10/2012 – Regionais nos Açores

29/09/2013 - Autárquicas

25/05/2014 – Europeias

Como poderiam os partidos funcionar e fazer escolhas se precisassem sempre de um ano e tal de "pausa" no debate interno para se mostrarem "fortes e preparados" para os combates externos?

É tempo de os partidos compreenderem que a democracia se reforça praticando-se. Que a democracia precisa de partidos vivamente democráticos, que não fogem aos seus próprios problemas, que não tentam resolver burocraticamente as diferenças internas. A democracia não se renova com exércitos de leais seguidores. A democracia no país precisa de democracia nos partidos, não de arregimentação.

Os portugueses percebem isto. Tentar enganar os portugueses, contando-lhes histórias cor de rosa para os entreter, não resultará.

Não será preciso suspender a democracia no país para que os socialistas possam fazer, maduramente, as suas escolhas internas. Aquelas escolhas internas de que o país precisa. Sim, porque não se pode continuar a falar contra "o populismo" e continuar a dar-lhe argumentos (como escrevi aqui).