20.11.13

defender a nossa liberdade.


Pedro Tadeu escreveu ontem um artigo de opinião no Diário de Notícias, intitulado "César das Neves não pode ficar calado", onde, embora declarando partilhar a maior parte das críticas ("mesmo as mais violentas") ao núcleo central das opiniões de JCN, se posicionava contra as movimentações para o "tirar da antena". Concretamente, criticava as iniciativas do tipo abaixo-assinados ou grupos do Facebook que defendem, por exemplo, "Correr com o César das Neves do DN, TV, Rádio e UCP". Uma citação basta para retomar o essencial da tese de Pedro Tadeu: «Recuso alinhar em carneiradas que investem, cegas, contra a liberdade de expressão. Indignam-me estes abaixo-assinados ou grupos no Facebook, cada vez mais frequentes, que pretendem silenciar A, B ou C. A História já ensinou vezes sem conta que quem ganha com isso não são nem os explorados nem os oprimidos.»

Pareceu-me um artigo de básico bom senso, mas, como o bom senso é a coisas mais em falta no mundo (Descartes, pelo menos aí, estava redondamente enganado), decidi partilhar o artigo no Facebook. Fi-lo hoje de manhã, acompanhado de um destaque da conclusão e da declaração de que a subscrevo. E fiquei surpreso com a reacção de alguns amigos: que seria incongruente defender a liberdade de expressão e criticar o respectivo exercício por parte dos que pediam a "erradicação" de JCN.

Decidi trazer para aqui este debate por ele me parecer fundamental e por nele se imiscuirem erros comuns. O tema, do meu ponto de vista pessoal, tem aqui excelente aplicação prática, nomeadamente (i) porque JCN é dos políticos-comentadores que mais volta ao estômago me dão e (ii) porque faz escola numa casa (a UCP) que deu provas muito concretas (comigo pessoalmente) de ter uma concepção de "liberdade de expressão" muito particular (para dizer o menos). Assim sendo, queria aproveitar para clarificar um ou dois pontos do que quero dizer com tudo isto.

Em primeiro lugar, é absolutamente vital que critiquemos o uso da liberdade de expressão para tentar limitar a liberdade de expressão. Usar a liberdade de expressão para pedir que se cale outra opinião? Isso não é o uso de um direito, é tentar usar um direito para dar cabo dele. A polícia é necessária para a segurança, mas não pode ser usada para criar insegurança. Os tribunais são necessários para fazer justiça, mas não podemos deixar que se tornem instrumentos de denegação de justiça. A liberdade implica responsabilidade e a maior irresponsabilidade é usar a liberdade para atacar a liberdade.

Em segundo lugar, precisamos compreender melhor as instituições que fazem da nossa civilização uma civilização. Um aspecto essencial para compreender as sociedades civilizadas é que as instituições têm várias "camadas". Usar a liberdade de expressão (camada = exercer um direito) para tentar limitar a liberdade de expressão (camada = definir os direitos) é jogar o jogo das liberdades para as destruir. Isto não quer dizer que eu gostasse de proibir as opiniões proibicionistas: quer dizer, isso sim, que quero mobilizar a opinião dos cidadãos contra as demandas proibicionistas. Não vejo que Pedro Tadeu peça a proibição dos abaixo-assinados, parece-me que escreve para dar combate ao que eles representam de errado - e parece-me incorrecto confundir isso com qualquer ataque à liberdade de expressão. Defender a liberdade de expressão inclui a responsabilidade de combater os maus usos da liberdade de expressão, designadamente, o dever de combater os que falam para pedir que calem outras opiniões.

Vimos aqui com estas questões básicas - porque a necessidade de defender "os fundamentos" faz parte das urgências de hoje. É por causa de estas coisas básicas não estarem claras para toda a gente que ainda é possível fazer a campanha suja que por aí anda contra a Constituição e o Tribunal Constitucional. Porque falta compreender bem a tal "teoria das camadas" acerca da realidade institucional.