8.11.13

coisas da democracia formal.


Há uma certa maneira de encarar os regimes políticos que se caracteriza por desprezar o lado formal da democracia. Lembram-se, claro, do desprezo "revolucionário" pela democracia formal, como se a formalidade fosse um adereço sem importância, talvez até mesmo prejudicial - algo que empatava o "avanço da história". Das coisas que, mais cedo na minha vida, me fizeram perceber que eu não passava de um "pobre de um social-democrata" (para não dizer como o outro, "um merdas de um moderado") foi, precisamente, aderir à ideia de que sem "formalismos" a democracia não resistiria muito tempo em lado nenhum: morreria às mãos dos apressados, que sempre aparecem para impor o seu último entusiasmo brilhante e tresloucado a todos os cépticos que não querem jogar a única vida que têm numa roleta russa.

Esse desprezo do formal sobrevive: aliás, continua muito vivaço. Em larga medida, por causa de uma persistente e generalizada incompreensão de um facto central da vida pública: para que haja democracia, não basta que a maioria mande. É preciso que "mande" segundo as regras. O tal "formal". Ora, precisamos, cada vez mais, de dar atenção às tais regras "formais" e respeitá-las.

Um exemplo recente. O PS diz que só aceita debater a tal ideia do "compromisso nacional" no parlamento. Alguns comentadores (ou entrevistadoras...) passam por essa questão como cão por vinha vindimada, como se isso não tivesse importância nenhuma. Assim como quem diz "mas se ele quer chegar a acordo, porque precisa de o negociar no parlamento?". Pois, nesse elemento "formal" vai enorme substância. Em primeiro lugar, que se discuta no parlamento faz com que se discuta à frente do país, permite à cidadania acompanhar e intervir: aspecto muito importante neste tempo actual de desconfiança generalizada face aos representantes. (Isto não quer dizer que eu descarte, sempre ou por princípio, negociações discretas; não descarto.) Em segundo lugar, uma discussão centrada no parlamento não poderá ser limitada ao PSD, ao CDS e ao PS - como pretendem os que fazem uma fronteira entre o "arco da governação" e a esquerda da esquerda parlamentar, impondo uma restrição à democracia que não se pode aceitar. Portanto, um requisito formal apresentado pelo PS - que o debate de um "compromisso nacional" se faça no parlamento - é um requisto carregado de substância e muito relevante para a defesa da democracia, hoje muito atacada por forças que fazem dos "formalismos" (nomeadamente legais) uns berloques irrelevantes na óptica das suas cruzadas ideológicas.

Pena é que o PS não tenha sido tão previdente, nesta matéria, na anterior edição da rábula do compromisso nacional, tendo, então, negociado fora do quadro parlamentar. Felizmente, desta vez lembrou-se a tempo do "formalismo". (Alguém se lembra de quem, na altura da anterior edição desta história, disse com clareza que o PS devia exigir o enquadramento parlamentar para a negociação, acrescentando que não devia aceitar a exclusão a priori do PCP e do BE?)