11.5.13

uma espécie de fábula sem graça nenhuma.


O autocarro, apesar de ter já alguma idade, estava em razoável estado de conservação, mas seguia carregadinho de passageiros, a subida era longa e bastante inclinada, estava vento e aquele troço do caminho de montanha não estava em bom estado. A dado momento, o motorista parou a máquina, levantou-se e virou-se para os passageiros, passando a anunciar: “Isto assim não sobe. Alguns terão que sair e empurrar.” O dia estava bonito, havia muitos jovens com o sangue na guelra entre os viajantes, vários se ofereceram logo para a tarefa. Com o motor de novo em funcionamento, os primeiros voluntários esforçaram-se com vigor, mas sem resultado: o autocarro subia demasiado lentamente. O motorista apelou à colaboração de mais passageiros, o que permitiria, de um só golpe, ter menos peso dentro do veículo e mais força braçal a acrescentar energia para a subida. O lote dos jovens já estava todo em uso, avançaram os de meia-idade. Só homens; as senhoras ficavam sentadas e faziam-se levezinhas interiormente, numa tentativa metafísica de colaborar com o músculo dos cavalheiros. O autocarro subiu mais um pouco, ainda lentamente, mas o reforço não parecia suficiente: prometia não chegar ao destino naquele estado. Após mais um apelo do motorista, com muitos protestos exaltados pelo meio (todos os passageiros tinham pago o seu bilhete a tempo e horas, não para empurrarem o carro, mas para seguirem sentados no mesmo), acabaram por sair todos, até os mais velhos, homens e mulheres, empurrando os que tinham alguma reserva de forças e os demais simplesmente seguindo a pé. O certo é que, resmungando ou não, estava tudo apeado, apesar de ter pago o preço exigido pelo bilhete (foi a companhia de transporte que formou o preço, não foram os passageiros) e aquele passeio estava muito diferente do previsto e do prometido. A maioria, mesmo assim, fazia cara alegre e pensava que, quando chegassem ao topo, poderiam voltar a montar no autocarro e gozar a paisagem da descida. Não foi isso que aconteceu. Chegados ao cimo, o motorista anunciou: “Estão com sorte, não vão ter de empurrar mais. O autocarro segue vazio, porque está visto que não tem força para levar os senhores passageiros. Espero que não demorem muito a descer a montanha. Lá em baixo há uma estação de comboio, aproveitem para se dirigirem para vossas casas. Às vossas custas, claro.”

(Leia-se este texto como antevisão do que a nossa “classe dirigente” espera fazer aos que foram apeados do autocarro com o argumento da crise – quando a crise passar e “eles” começarem de novo a fazer dinheiro. Vamos ver a quem aproveitam os sacrifícios.)