21.2.13

os equívocos dos boicotes.


Que pensar, enquanto democratas, dos boicotes às aparições dos ministros por esse país fora?
Como já escrevi antes, sou por princípio contra esses métodos, embora - assumo a contradição, que é uma contradição entre o lado emocional e o lado racional - às vezes nos falhe a determinação institucional e acabemos por sentir (sublinho: sentir) "toma que é para perceberes".
De qualquer modo, tendo eu expressado publicamente esse estado indesejável em que os princípios são abalados pela voragem da vida ("quem sabe do desespero dos outros?"), não posso agora fugir a acrescentar dois pontos à reflexão sobre os acontecimentos que se têm sucedido.
Em primeiro lugar, a justificação fácil de que "o Relvas é um bom alvo", quer dizer, o ministro Relvas não tem moral para andar por aí a pregar - é uma justificação que fica muito curta quando o procedimento se generaliza. Especificamente, quando o ministro da saúde, Paulo Macedo, também é boicotado, é claro que a justificação "moral" não pega. Pode não se concordar com nada do que ele tem feito, mas o seu perfil político e comportamental é de recorte bem diferente do que se pode imputar a Relvas. Fica à vista, assim, que a "desculpa Relvas" é curta: não resiste à qualidade do alvo. E não resiste à generalização, porque um acto isolado, espontâneo (?), uma fúria que foge ao nosso padrão democrático, pode ser explicada ou entendida - mas a repetição, a insistência, a adopção do boicote como método, é outra coisa e é condenável.
Em segundo lugar, cabe analisar a acusação de que esses boicotes "limitam a liberdade de expressão" do ministro atingido. Parece-me essa acusação perfeitamente disparatada: qualquer um dos ministros boicotados tem muitos meios e locais para apresentar todas as suas opiniões, de forma perfeitamente audível para os auditórios restritos que testemunharam os boicotes ou para auditórios mais vastos. Usar e abusar da acusação de "limitação da liberdade de expressão" é apenas um truque.
O que está em causa, a meu ver, é outra coisa: é o respeito pelos espaços institucionais e sociais de confronto de ideias. Uma canção, uma berraria, uma pateada, uma vaia, podem perfeitamente servir para incomodar, mas não servem para expor a força das ideias alternativas. Eu perceberia melhor se aproveitassem sessões públicas para dirigir, intempestivamente que fosse, perguntas incómodas aos ministros. Obrigar um ministro a responder - ou a exibir a não resposta - a uma pergunta significativa, a uma pergunta que mostre os silêncios da governação sobre aspectos gritantes da realidde, que exponha as contradições entre o pragrama e a prática do governo, que obrigue a pensar nos efeitos da governação e confronte os responsáveis. Acho que isso seria mais democrático, não constituiria nenhum ataque à pessoa do ministro (o que é, de facto, inaceitável), colocaria as questões no plano da cidadania (abrir espaços de debate que não respeitem o formato escolhido pelos governantes para falarem) e, suponho, seria compreendido mais favoralmente pelas pessoas que não querem que o seu desespero seja instrumentalizado como "campanha preparatória" para manifestações ou quaisquer outras acções, por muito legítimas que sejam.
Quando, em 1969, Alberto Martins, presidente da Associação Académica de Coimbra, se dirigiu ao presidente da república a pedir a palavra, em nome dos estudantes, numa sessão solene que não estava para ouvir os estudantes, provocou um efeito duradouro na história da resistencia à ditadura - mas esse efeito não se deveu a nenhuma agressividade no gesto (o seu pedido foi educadíssimo), antes se deveu ao seu sentido profundo e à sua justeza. Não seremos capazes de reinventar gestos de protesto mais claramente relevantes pelo seu conteúdo do que pela agressividade explícita que exibem?