6.11.12

"Boa noite, um dia eu estarei morta."



A "Companhia Maior" foi criada em 2010 e integra profissionais da área do teatro, dança e música com mais de 60 anos. Numa sociedade onde ser jovem é que é bonito, onde os velhos estão a incomodar imenso porque a sua longevidade dá cabo da sustentabilidade da segurança social e porque mostram uma vida que já não depende necessariamente da agitação, eles e elas fazem teatro porque querem fazer teatro e por não quererem parar no cantinho bem comportado que era para lhes estar guardado.


Desta vez, cativaram Mónica Calle para encenar "Iluminações", que está no CCB até hoje à noite, no pequeno auditório. Calle pega em textos vários sobre o envelhecimento e cria um espectáculo poderoso para esta companhia que é um feito da imaginação criadora e de resistência tão apenas por existir. A inconveniente alma da Casa Conveniente habituou-nos a um teatro visceral, um teatro material, físico, sujo, com o corpo dos actores a vibrar no nosso próprio corpo pelas entranhas, numa estranha acção a distância, um teatro que incomoda e não deixa muitas pontas onde possamos ancorar algum apaziguamento. Como faria ela isso com os corpos dos sexagenários? Lá estamos nós, com medo de lhes chamar velhos, a alinhar nesse pudor. Como faria ela isso com os corpos dos velhos, porque é como velhos que eles aqui são personagens, mesmo que alguns não sejam assim tão velhos como isso como actores?


Falar da morte é falar da vida. A morte pode ser uma merda, porque a vida pode ser uma merda. A morte pode ser a passagem para a outra página, porque a vida pode ser uma obra escrita em inúmeras páginas de um incessante trepar ou escavar. Este espectáculo é vida por ser de quem não renuncia à vida. É uma ternura, porque mostra como continuar a ser quem sempre se foi sem se deixar intimidar por ser o mundo composto de mudança. É forte e intenso, como teria de ser com Mónica Calle, mas é contido, apesar de ser um espectáculo de Mónica Calle. É talvez, face ao mundo actual, demasiado contido no tratamento da violência sobre os velhos - e entre os velhos. A violência sobre os velhos está lá, mas com um manto de distância, apontamentos dispersos num percurso que é a maior parte do tempo dominado pela ternura, onde a tristeza quase nunca passa além da melancolia.

Um espectáculo comovente, que nos modifica um pouco por dentro. Um espectáculo contra a desistência: isso é para nós, espectadores. Um espectáculo de celebração sem cerimónias: isso é para eles e elas, actores e actrizes. Mónica Calle disse algures que o espectáculo estava para lá das idades, mas esse é um pudor excessivo e que poderia até resultar encobridor: assuma-se que o espectáculo vale também pelas magníficas idades da maioria dos seus intérpretes, por ser um olhar sobre a velhice, sobre o caminho para a morte, sobre a possibilidade da desistência que é uma possibilidade que não tem de se concretizar.
Vai andar por aí: apanhem-no onde puderem.


Mais informação: Companhia Maior no CCB.

(Fotografias de Bruno Simão, excepto a primeira, que é da LUSA.)