25.10.12

carta de Zagreb.


O biógrafo e o biografado, no lançamento do livro, a 23/10/2012. (Foto: LUSA)


Post convidado. Publico hoje um texto que não é da minha autoria, mas que foi escrito propositadamente para este blogue. Que seja um texto de um Amigo, é verdade mas é coisa que só me interessa a mim (e a ele, Autor, suponho). Que seja um texto de um intelectual croata, professor universitário, ex-embaixador do seu país em Portugal, já julgo interessar aos leitores. Trata-se de uma nota de leitura sobre uma obra que acabou de sair, que deve justificar o vosso apetite pela mesma.

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"A" (e não "uma") biografia de Jorge Sampaio, de José Pedro Castanheira

Jorge Sampaio - Uma biografia, da pena de José Pedro Castanheira é a uma obra que provoca a admiração. No fundo, não se trata apenas de uma biografia. É uma obra historiográfica ímpar sobre um período da democracia portuguesa, entremeada com o papel que o biografado nele desempenhou.

Devem escassear, no mundo, obras semelhantes, para além de algumas sobre estadistas "históricos", dos grandes países. E nem todos. Dos países pequenos, nem se fale. Por exemplo, Tito não tem uma biografia feita com o mesmo rigor historiográfico, neutro do ponto de vista ideológico.

A obra impressiona tanto pela abrangência das fontes quanto pela meticulosidade do autor no seu tratamento, pelo trabalho nos arquivos, pelo exame crítico e pela confrontação das fontes, pelas várias interpretações possíveis e pelas conclusões. E tudo isso vertido numa linguagem suculenta, de fácil leitura, estilisticamente nivelada sempre no mesmo - e alto - nível.

É uma biografia "autorizada", facto que, a priori, poderia criar um certo desconforto. Mas, explicando na Introdução como trabalhou e como o ex-Presidente da República cooperou com ele, José Pedro Castanheira soube dissipar qualquer dúvida que possa surgir a partir desse facto. Lá coloca a questão de uma maneira tão transparente que acalma até os leitores mais desconfiados, que porventura possam pensar, a ver que se trata de uma biografia autorizada, estar perante uma hagiografia encomendada e dirigida, como há tantas.

A obra é muito mais do que uma biografia. É simultaneamente o testemunho sobre Jorge Sampaio, mas também sobre a sua geração e um período histórico que a sua geração atravessou. Frequentemente, as biografias dos homens políticos têm a contextualização histórica como mera moldura para a fotografia. Nessa, o contexto social e político é entrelaçado com a vida pública e privada do biografado, no período escolhido que termina com a eleição de Jorge Sampaio para o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

A outra mais-valia, a que atribuo muita importância, é a insistência do autor, para não dizer obsessão, de documentar o mais completamente possível aquilo que, na época, tinha a sua importância e influência no fluxo político – público e privado - e que, apresentado no livro, adquire um significado novo, ou renovado: falo da apresentação dos discursos na íntegra, vários documentos inéditos, abaixo-assinados completos com os nomes dos subscritores, testemunhos dos actores que testemunharam pela primeira vez, etc.

Face a pormenores que José Pedro Castanheira desenterrou da poeira dos arquivos e a dados que conseguiu reunir sobre várias personalidades ou factos da vida deles, até sem falar do próprio biografado, há de se parafrasear Onésimo Teotónio Almeida a comentar, impressionado, uma tese de doutoramento, minuciosa e exaustiva: realmente, nas 1.060 páginas de Jorge Sampaio – Uma biografia (só o Índice onomástico tem 37 páginas!) faltam só os números de telefone dos protagonistas…

Creio que a muitos leitores, na política e fora da política, se abrirão os olhos perante determinados episódios descritos e explicados, ou pelo menos a imagem já feita obterá novas pinceladas e novas cores. E os leitores mais jovens poderão melhor compreender várias situações políticas em que Jorge Sampaio participou após a época examinada nessa primeira parte da biografia.

O biógrafo é conhecido como um escritor e repórter de raça, mas nesse livro revela-se como um historiador de raça também. E que historiador! Nas estantes abundam vários livros dos historiadores de profissão, até reputados, que nem metodológica nem estilisticamente poderiam chegar à altura dessa obra de José Pedro Castanheira. Esperemos que a historiografia "oficial" e os historiadores "de carteira" encontrem a força de lhe reconhecer o mérito.

Želimir Brala
(Antigo Embaixador da Croácia em Lisboa)