28.9.12

cuidado, esta aritmética não é uma simples palhaçada.


Boas notícias são boas notícias; Lê-se no Público: "Os professores do ensino superior vão ficar a salvo dos congelamentos decretados para a função pública e, no próximo ano, a progressão na carreira destes docentes voltará a ser acompanhada dos respectivos aumentos salariais."

Quer dizer: são boas notícias para um certo grupo profissional. Um grupo profissional certamente merecedor - mas não serão os demais grupos profissionais também merecedores? Parece que entrámos numa lógica (melhor: numa falta de lógica) em que o governo corta, corta em alguns e não em todos, iniciando depois uma lotaria de excepções pela qual alguns são brindados, como dádiva, com o prémio de escaparem à facada geral. Pode dizer-se que se trata da velha táctica de dividir para reinar: espera-se que os beneficiados sejam o alvo da raiva dos demais, criando assim uma diversão que momentaneamente faz esquecer o autor da marosca. Julgo, contudo, que se trata de algo mais sério. Os defensores da "pura liberdade contratual" gostariam que o "patrão" não estivesse limitado no seu arbítrio de pagar mais ou menos a qualquer trabalhador, sem tabelas salariais por categorias, sem respeitar contratos colectivos. Poder pagar mais ao José porque ele se dobra com maior diligência e pagar menos à Maria porque ela é arisca, independentemente das tabelas para o sector, é o sonho de qualquer desses pequenos ditadores de bolso que uso tratar por patrões (em vez de empresários). O arbítrio é o mecanismo central do poder pelo poder, do poder desligado da legitimidade, sendo que esse mecanismo é o inferno concreto de muitos trabalhadores neste país (e por esse mundo fora). O que o governo está a fazer, com esta política dos cortes e das excepções, é levar o princípio dessa arbitrariedade para dentro da ilha que se julgava mais protegida dessa praga: os servidores do Estado. A partir de agora (essa é a mensagem), embora havendo regras sobre o que se paga a quem, a aplicação dessas regras depende do "patrão" do momento (o governo). De momento, essa prática só discrimina por grupos, não individualmente, mas se esta moda se consolidar, logo veremos os passos seguintes.

Como se isto não fosse ainda suficientemente mau, o ministro Crato apresenta uma esplendorosa justificação para o "benefício": a legalidade. De novo segundo o Público: "O Ministério da Educação e Ciência (MEC) garantiu na quinta-feira que os professores do ensino superior não terão qualquer regime de excepção no próximo ano e que a valorização remuneratória associada à progressão na carreira decorre de obrigações legais."
Mas como poderia não decorrer de obrigações legais? O ministro não pode decidir pagar isto ou aquilo sem imposição legal! Ah, mas pode o governo cortar contra a lei! Aliás, todos os cortes resultam de derrogações a obrigações legais. Os cortes, de uma forma ou de outra, consistem em virar de pernas para o ar anteriores obrigações legais. Pode discutir-se se isso se justifica, pode até defender-se que se justifica sim senhor: o que não pode um ministro é vir explicar mais uma excepção (que faça bom proveito a quem dela aproveita) com as obrigações legais, porque tudo o que pagam aos funcionários públicos decorre de obrigações legais - com a diferença que está muito na moda ultimamente mandar as obrigações legais às malvas e trocá-las por outras que façam as vezes das "gorduras" que era tão fácil cortar antes de estes senhores chegarem ao governo.