4.6.12

um sintoma de uma doença grave.


Nesta história dos espiões que continuam a ser espiões quando saem das secretas, mantendo-se em comércio carnal com os colegas que ficaram para trás a fazer parcerias público-privadas com o segredo de Estado, estão a descobrir-se muitas carecas. Claro que alguns julgam tapar a calva com uns capachinhos de segunda mão, mas espero que tarde ou cedo uma revoada de vento deixe ao léu o que já se cheira com grande intensidade. E fede.

Entretanto, enquanto esperamos para saber se a blogosfera lava-tudo se impõe como o padrão moral desta maioria ou se um arrepio de decência se impõe a algum primeiro-ministro em exercício que sonhe ainda vir a descobrir-se como homem de Estado, enquanto esperamos para saber isso, algumas coisas foram entretanto ficando claras. Pequenos sintomas de graves doenças. Exemplifico, que para isso peguei agora na pena.

Segundo foi noticiado, o espião estatal que, embalado pela ideologia dominante, veio a decidiu empreender ser espião empresarial - embora, como muitos outros "empreendedores" em sectores menos chocantes, achasse conveniente ser empreendedor à custa dos serviços do Estado - tinha umas ideias acerca da relação desejável entre os serviços secretos e a democracia. E escrevia mensagem curtas a esmo espraiando as suas teorias. Segundo notícias, terá enviado uma mensagem a Relvas a queixar-se de que Teresa Morais, então membro do conselho de fiscalização dos serviços de informações, era uma chata e, em consequência, devia ser removida. Quando Relvas foi a ministro, pouco depois, com a tarefa de mandar em Passos Coelho e em mais meio mundo, Teresa Morais subiu a secretária de Estado. Relvas desmente categoricamente que isso tenha sido uma forma de atender ao pedido do espião metediço - e não tenho nenhum dado que me permita afirmar que, aí, Relvas esteja a mentir. (Um mentiroso nem sempre está a mentir, também precisa do seu descanso.)

Assim sendo, aceitamos a palavra de Relvas e vamos descansados? Nem por sombras: aceitamos a palavra de Relvas e não vamos nada descansados. Explico-me.

Que eu tenha tido oportunidade de ler ou ouvir, Relvas negou que tenha levado Teresa Morais para o governo para a remover da fiscalização das secretas, mas não negou que o espião maravilhoso tenha suscitado a chateza da senhora para a pretensão de a ver removida. Segundo alguns relatos, Relvas até terá discutido as datas daquela diligência do espião e a data do convite da sua secretária de Estado, evidenciando assim que o espião fez tal diligência quando Relvas já estava a instalar-se como guarda-chuva do governo. Ora - e é este o meu ponto -, a queixa de que Teresa Morais era uma chata como fiscalizadora, como tentativa de a afastar, teria despertado a desconfiança de qualquer pessoa bem formada. Qualquer pessoa com um módico sentido de Estado perceberia a gravidade de uma tentativa tão clara de afrouxar os mecanismos de fiscalização dos serviços de informação. Isso faria soar todas as campainhas na cabeça de qualquer político democrata. Relvas, face a essa situação, deveria ter logo cheirado o esturro - e, mais, deveria ter ido logo alertar o PM para as situações graves que deveriam ocorrer num serviço que alguém estava a tentar eximir ao controlo democrático. Relvas, pelo contrário, engoliu e seguiu, não fez nada do que devia ter feito. Neste caso, nem é preciso perguntar se fez algo que não devia: basta saber que não denunciou a tentativa de furtar os serviços secretos ao escrutínio dos representantes do soberano.

Não é que Relvas seja a única flor desta estufa onde crescem estes comportamentos anti-institucionais, onde medram estas espertices de furar os controlos democráticos com recurso a palavrinhas pessoais e a amiguismos espúrios. Aliás, Relvas nem se dá conta da gravidade de não ter percebido o sinal. Um sinal tão claro como um tipo telefonar para a esquadra e perguntar faça a fineza senhor guarda diga-me por favor se a ronda hoje passa em tal rua a tal hora que a mim dava-me jeito saber cá por coisas. Relvas não é o único e o grave é que estes fenómenos não são raros fenómenos do Entroncamento e, pelo contrário, parecem bastante espalhados.

Espero que os partidos democráticos, incluindo os partidos da maioria, não tratem assunto tão grave como mais uma refrega mediática em torno de um actor de momento. Espero que percebam que eles começam sempre por levar os outros. Até um dia.