17.2.12

direito de defesa.


Suspeito de triplo homicídio em Beja morreu enforcado com lençóis na prisão.

O lugar supostamente mais vigiado do mundo, estar dentro de uma cela, não é suficientemente vigiado: um homem chega a uma cela e nessa mesma noite consegue matar-se sem que nada nem ninguém se lhe oponha. Já alguém da polícia tinha alertado para essa possibilidade, mas não foi precisa mais de uma noite para cansar a vigilância e afrouxar o cuidado. Talvez alguns pensem que um homicida não merece tais cuidados.

Estes casos mostram sempre os limites da nossa sofisticação. Já tinha sido aflorado, a propósito deste mesmo homem, o problema da sua defesa. Não quero ajuizar das razões da advogada que pediu dispensa do papel de defensora, papel para o qual tinha sido nomeada oficiosamente. Não quero ajuizar por não conhecer (nem pretender conhecer) as razões verdadeiras do pedido de dispensa. Não posso, contudo, impedir-me de comentar, genericamente, a questão da defesa de qualquer pessoa, por mais hediondo que seja o crime que tenha cometido.
Já descontando o facto de que a defesa não tem necessariamente de arguir a inocência, para algumas pessoas parece difícil de entender que qualquer pessoa merece defesa. Defender é fazer valer o ponto de vista do arguido; é mostrar que o mundo não tem só um lado, apesar de ser redondo; é explicitar, num contexto argumentativo, a palavra de uma das partes; é iluminar aqueles recantos do mundo que mais ninguém visitou e têm por vezes tudo a ver com a desordem desencadeada; é manter a rugosidade da realidade, mesmo quando a violência é tanta que só vemos uma planície de maldade; é manter a pessoa como pessoa, não a reduzir à bestialidade, mesmo quando tenha cometido actos bestiais. E, claro, é fazer valer a possibilidade de que as coisas não tenham sido o que parecem ser, mesmo em caso de confissão, mesmo em caso de flagrante delito. Por isso, todos merecem ser defendidos. Defender o que parece, aos olhos do povo, indefensável - é prestar serviço à justiça. Mas é um grau de sofisticação das nossas instituições que talvez nem todos os seus servidores compreendam facilmente. Que talvez nem todos os seus servidores suportem.

Neste caso, já nada disto conta, claro.