6.6.11

balanço e contas


(Emmeric James Konrad, Innocence Lost)


1. Apoiei o PS nas eleições de ontem, é sabido. Estou, portanto, entre os derrotados. Nada que, pessoalmente, me aflija. O meu ponto é o país e a democracia, disso falo a seguir.

2. O PS perdeu, o que não é muito de estranhar na crise que se vive por todo o lado. Sócrates estava no governo há seis anos, é um período após o qual é normal que o poder mude de mãos, especialmente em tempo de vacas magras, como se tem visto em outros países. Nada de trágico. Contudo, isso não explica tudo, nem dispensa reflexão.

3. Esta derrota começou a acontecer quando o PS e Sócrates, a seguir às anteriores eleições, fizeram de conta que convidavam todos os outros partidos para uma "maioria total", quando, na verdade, estavam apenas a justificar a opção por um governo minoritário. Não era preciso saber mais do que somar 2 com 2 para perceber que governar em minoria no meio da tormenta é ficar à mercê dos adversários; era evidente que querer enfrentar uma crise desta magnitude sem um governo sólido era uma temeridade que se haveria de pagar caro. Como pagou. O PS e o país. Infelizmente, entre os socialistas é muito popular a teoria do "orgulhosamente sós". Obviamente, os demais partidos, designadamente o BE e o PSD, agradeceram intimamente que o PS não fizesse nenhum esforço real para os obrigar a optar. O PSD aproveitou a circunstância, o BE nem por isso, mas essas são outras contas.

4. Em todo o caso, o PS e Sócrates perderam também por causas mais próximas. Faltou, nos últimos tempos, humildade democrática: era preciso ter assumido que, em tempos de grande incerteza, é fácil cometer erros, é fácil falhar previsões, não está tudo nas mãos dos governantes, nem sequer nas mãos do país. Sócrates tentou convencer o país que, quando era pequeno, caiu no caldeirão da poção mágica, como o Obélix, e detinha, em consequência disso, poderes extraordinários. Só que, nestes tempos conturbados, já ninguém acredita muito nas estórias de Astérix. O PS deixou-se apanhar na armadilha do Memorando de Entendimento com a troika: ao mesmo tempo, deixou que se desse a ideia que estava a esconder coisas ao país (a novela das pseudo-versões do Memorando), e deu a ideia que não tinha nenhuma ideia de governo para além do compromisso com os emprestadores. O PSD, apoiado nessa fraqueza do PS, colocou-se, ao mesmo tempo, e paradoxalmente, na posição de quem prometia ser o melhor executor do Memorando e de quem mais fazia de conta que podia fazer maravilhas apesar do Memorando. O PS devia ter tomado a seu cargo a tarefa política de explicar em mais detalhe o que estava em causa e ser mais frontal quanto aos aspectos em que havia e não havia margem de manobra – mas falhou esse exercício.

5. A homenagem devida a Sócrates – foi um grande lutador durante estes seis anos – sabe a amargo nesta ponta final, porque a determinação se tornou, em certa medida, teimosia: repetir “vamos ganhar estas eleições” é, provavelmente, a afirmação mais desprovida de sentido que um líder político pode fazer em campanha eleitoral, porque é confundir as causas com os efeitos de uma acção. Mesmo assim, Sócrates fez o melhor discurso da noite eleitoral, despediu-se em grande, sublinhando que não quer dificultar os necessários compromissos, nisso dando uma lição aos líderes da direita que recusaram qualquer entendimento com ele. Sai por baixo, mas convém não esquecer que, daqui para a frente, aqueles que o criticaram com excessiva facilidade terão de comparar-se com os indicadores dos seus anos de governação – e talvez descubram que não será tão fácil brilhar nesse ponto como julgavam quando estavam na oposição.

6. O PSD com o CDS fazem maioria absoluta, uma maioria coerente. Isso é bom, para eles e para o país. O PSD não foi tão longe como poderia ter ido nas actuais circunstâncias, Paulo Portas cresceu pouco para as ambições que tinha. Nenhum pode rir-se do outro, isso deve facilitar a coligação. Paulo Portas é um líder pragmático, sabe que o que lhe cabe mostrar é que não cria problemas. E não vai criar. Passos Coelho tem sorte em não ter maioria absoluta, porque nesse caso teria a responsabilidade absoluta. Seria melhor para a direita que precisassem do PS para fazer maioria, porque seria mais fácil para o PSD e o CDS se pudessem meter o PS no mesmo barco, coisa que assim não acontecerá. Nos próximos dois anos, o PS terá de ir pela sombra, porque assinou o Memorando que será a base do programa de governo. E ninguém compreenderia que o PS fizesse à direita a mesma coisa que a direita fez ao PS: fazer de conta que apoia, mas aproveitar todos os pretextos para dificultar! Mas, daqui a dois anos, se não estivermos na desgraçada situação dos gregos, o capital de queixa que entretanto se terá acumulado será grande e aquilo que Portas ontem chamava, com grande hipocrisia, "o novo PS", estará em plena navegação oposicionista. Teria sido melhor para o PSD e o CSD que ambos tivessem dito, durante a campanha, que o PS era necessário ao governo do país: mas não disseram e diabolizaram os socialistas, que, agora, agradecem. De qualquer modo, espero que Passos Coelho se mostre bem melhor como PM do que como candidato: o pais precisa disso e quero acreditar que será o caso.

7. Quanto à esquerda da esquerda, ninguém se acusa de nada. O PCP está muito contente com os resultados, não cheguei a perceber muito bem por quê. O BE atingiu todos os objectivos que a sua acção política teria logicamente de provocar: levar a direita ao poder, derrotar o PS, mostrar que este Bloco é uma inutilidade política. A derrota do BE não terá nenhuma consequência; pelo menos Louçã tudo fará para que assim seja, já que os deuses nunca se enganam, só os seus profetas: o facto de ele ser ao mesmo tempo o deus e o profeta do seu mundo permite-lhe esconder-se ora atrás de uma condição, ora atrás da outra. O que quer dizer que a esquerda radical desperdiçou dez anos de vida política do país, onde poderia ter ganho um papel na governação e, afinal, se revelou uma parideira de maiorias de direita.

8. Entretanto, todos os grandes debates estão por fazer. Nada há que se possa fazer numa óptica puramente nacional, todos os debates são europeus, todas as possibilidades de acção consequente estão ao nível europeu. Ora, o próximo governo PSD/CDS será o governo dos amigos da senhora Merkel, que só tem dados tiros no pé da Europa desde que a crise começou. O PCP e o BE continuam a ser, fundamentalmente, partidos anti-europeus, incapazes de pensar a nível global e sem qualquer contribuição prática para mobilizar forças progressistas na Europa para uma governação alternativa (continuando a deixar escapar os descontentamentos para o Rossio e outras praças inorgânicas). O PS, com os socialistas europeus, é – são – hoje, a nível internacional, um cão que ladra mas não morde: estão na oposição em praticamente todos os países europeus.

9. De todos os modos, espero sinceramente que toda a classe política tenha aprendido alguma coisa com os últimos anos. A classe política formal e a classe política escondida: no final do discurso de Sócrates na noite eleitoral, uma jornalista perguntou a Sócrates se ele esperava que, deixando de ser PM, viria a ter novos problemas com a justiça. Estava aí, passado todo este tempo, um resquício exemplar da política de ódio que foi, desde sempre, a arma de uma certa classe política contra Sócrates, política do ódio que teve numa certa comunicação social a marionete (pouco inocente) de serviço. Se estas eleições tiverem servido para acabar com essa guerra civil fratricida, já não será mau.

10. Vêm aí tempos difíceis. E, agora, nem os dinamarqueses nem os americanos podem deitar para cima de Sócrates a culpa pela recessão global. A grande desculpa terminou. Um alívio.