18.4.11

quando certas coisas me cansam a mim, que devoro literatura negra, nem imagino quão devastador seja o seu efeito sobre cidadãos de alma pura


Ontem ouvi umas declarações do secretário-geral do PS sobre o "caso Nobre". Uma inutilidade - essas declarações. Já toda a gente percebeu o que se passou. E quem não percebeu é porque não quer perceber. Voltar a "explicar" tudo tintim por tintim é tratar os cidadãos como incapazes de perceber o que está à vista de todos. Que o líder do partido do governo desperdice tempo de antena com essas novelas, nesta altura do campeonato, como se fosse preciso mostrar às pessoas o que elas já viram, arrisca-se a ser interpretado como sinal de não ter nada de mais substantivo a dizer ao país. As pessoas não gostam disso. E está muito bem que não gostem.

É preciso largar a retórica do costume. O episódio pouco Nobre de um recente candidato presidencial embrulhado nas suas próprias fraquezas não passa, afinal, de uma amostra de um pecado generalizado na vida pública portuguesa (não só na política): o exercício voluptuoso da arrogância. Diz-se mal com demasiada pressa, faz-se de conta que a vida comum é fácil de levar e só corre mal por os outros serem tontos. Faz-se assim crer que "se fossemos nós" tudo seria fácil e escorreito. Nobre, com o seu discurso anti-partidos, e com este repentino volte-face, ilustra bem a coisa: os demais são culpados de todos os pecados; eu, se me puser no lugar deles, tenho, pelo contrário, direito a todas as interpretações favoráveis. É este emaranhado de arrogâncias que tem alimentado o fedor a ódio que tresanda na vida pública portuguesa.

Sócrates, que tem sido o principal alvo - vítima - da política de ódio que invadiu a vida pública portuguesa, pode ter a tentação de responder na mesma moeda. Até admito que tenha o direito de o fazer, já que não se lhe pode exigir que ofereça a outra face e é compreensível que queira que os outros provem uma gota que seja do veneno que lhe têm despejado em cima como dilúvio. Contudo, a meu ver não é disso que o país precisa nesta altura. O país precisa de quem seja capaz de reinventar a palavra no espaço público. Não a palavra de aparência poética mas sem conteúdo útil. Não a palavra da destruição, que essa está já em uso corrente. É preciso reinventar a palavra capaz de refrescar o laço social, a palavra capaz de virar os nossos olhos para o futuro comum, para o sonho concreto que seja possível. As próximas eleições, e a próxima campanha, não deveriam ser um ritual de desistência de nós próprios, mas um refrescamento das nossas cabeças e disposições.

Só poderá ganhar as próximas eleições quem perceba e pratique isso.