19.3.11

há quem só goste de eleições tipo primavera marcelista


Henrique Monteiro, na última página do caderno principal da edição de hoje do Expresso, no seu estilo ultimamente habitual de escrever banalidades convenientes com tom de grande sabedoria. São "sete perguntas sobre a crise" e as esplendorosas respostas de HM.
Então, qual é a receita? «As eleições são o modo natural de em democracia ultrapassar impasses. São a melhor saída.» Sim senhor, uma opinião perfeitamente democrática: é em eleições que se fazem as grandes escolhas. Mas quais escolhas? Escolhas nenhumas, escreve HM: «Há alternativas ao PEC? Não há alternativa em termos gerais.» Mas, se não há alternativa política, servem para quê as eleições? Talvez para se escolher quem governa, será essa a ideia de HM? Não, nada disso, porque as eleições não podem ser ganhas por qualquer um, mas apenas por aqueles que HM aprove. Escreve ele: «E se Sócrates ganhar as eleições? Nesse caso, o país merece a crise que tem.»
Quer dizer: Henrique Monteiro acha necessárias eleições, desde que as eleições dêem a vitória a quem ele "escolhe" e com o programa que ele "escolhe". Este era o modelo das "eleições" da primavera marcelista: fazemos um voto mas condicionamos quem pode ser eleito (mais vale, então, condicionar logo quem se candidata) e quais os programas admissíveis. HM até acha inevitável o PEC proposto por Sócrates (logo, que ninguém se atreva a propor políticas alternativas), mas quer outro "estadista" para o aplicar. Falta a Henrique Monteiro o último passo para aplicar a sua receita ao país: ele deveria ser autorizado a escolher também os líderes e os programas das oposições, para a peça ser mais controlada.
O que é trágico é que um jornalista que até já foi director do Expresso escreva estas coisas com ar de quem dá lições de democracia ao país. Quando, afinal, raciocina no pressuposto de que a democracia só pode produzir a solução, programática e de equipa, que ele próprio preconiza. Tantos anos depois, os aspectos piores do raciocínio marcelista acerca da democracia. E parece difícil de explicar que estes simplismos coloridos são precisamente um dos ingredientes da nossa crise.