11.3.11

porque isto não é uma guerra de gerações



Vicente Jorge Silva (VJS) lembrou, uma destas noites no Expresso da Meia Noite, que criou a expressão “geração rasca” em comentário a uma manifestação do ensino secundário onde tinha havido exibição de rabos e genitália. É coisa em que nem vou entrar: para mim é evidente que mostrar “as partes” numa manifestação não releva de nenhuma imaginação contestatária – já que ter ou não ter razão para protestar não tem pescoço a ver com a idiotia gratuita dos métodos escolhidos. Quando faltam as ideias, sobra o espalhafato. Mas também não é por causa de alguns, que se excedem, que o protesto deixa de ter sentido. Contudo, se é a partir de VJS que quero falar, não é exactamente sobre este ponto.

Nessa mesma noite e programa, VJS, já não sobre a “geração rasca”, mas sobre a “geração à rasca”, disse, suponho que pondo nessa afirmação algo de autobiográfico, algo do género: “a liberdade também se paga com precariedade”. Não quero abusar das palavras dele, tentando fixar-lhes uma interpretação a que não estou autorizado, já que ele não se espraiou muito sobre o assunto. Mas entendi-as num modo que se me aplica perfeitamente. Explico-me.

Podemos na vida fazer opções maximamente guiadas pela estabilidade. Por exemplo, podemos assentar em certo ninho onde, com um mínimo de juízo na cabeça e tento na língua, temos cadeira para sentar o rabinho para o resto da vida. Tive essa oportunidade no passado: cabendo-me escolher, passei a minha vez a outrem. Não me arrependo.

Podemos, às vezes, optar pelas ocupações que maximizem a nossa capacidade de "vencer" (“vencimento”: salário; ganho; ordenado; honorários; proventos). Em alternativa - assegurado que ninguém cuja dependência esteja à nossa responsabilidade vai passar mal por nossa causa - voar é possível. Aquilo que faço hoje, que muito gozo me dá, resulta da opção por sair dos trilhos mais prometedores e regressar às minhas preocupações de sempre. Depois de ter mudado várias vezes de "ramo", de tal maneira que tenho para apresentar algo mais próximo da "experiência variada" do que de "uma carreira". Isso paga-se com um grau de precariedade. Desse grau de precariedade não suspeitam por um segundo os pregadores de esquina, que se julgam os famélicos da terra e compraram licença para distribuir créditos revolucionários pelos que lhes dizem amén e esconjuros pelos que não vibram com o seu verbo inflamado.

Quer isto dizer que os trintões de hoje não têm razões para descontentamento? Não quer dizer nada disso. É verdade que o mercado de trabalho (tal como a vida), se tornou muito mais selvagem, pelo menos para certas camadas que têm, legitimamente, mais exigência. É claro que deve ser difícil quando alguém percebe, por experiência própria, que a ascensão social não é linear dentro de uma família. Mas também é verdade que esta geração foi poupada a muitas coisas que as anteriores experimentaram sem alegria: para já não falar na guerra, nem sequer na tropa (essas coisas deixaram de ser tragédia antes do meu turno), pergunto: com que idade pensam que comecei a trabalhar, como ocupação principal, com os estudos em segundo turno? Por outro lado, também é verdade que esta geração está a pagar o preço do seu conformismo: achavam que a política, e muitas vezes o associativismo, era perda de tempo e agora é que percebem que deixaram outros decidir por si. E, essa história de que os jovens estão à rasca: como pensam que estão os "velhos" de 50 e poucos anos que já são tratados como se não valessem nada, comparados com o viço guerreiro dos recém-chegados?

Nada disto importa à canção, é claro. A pressa da rua prefere os raciocínios lineares. Os anátemas precisam de vozearia que acompanhe – e a precariedade que paga a liberdade não é coisa que interesse ao levantamento.

Precário também eu sou. E (já) não tenho 30 anos. Felizmente, à minha indignação não apela o novo chefe da oposição, com quartel-general em Belém, porque nesse caso eu iria explicar-lhe a responsabilidade que ele tem nisto tudo.