3.2.11

A casta, os carenciados e os desmancha-prazeres do ensino público


Helena Matos publica hoje no Público um artigo de página inteira sobre a escola privada e a escola pública, a defender as escolas privadas com contratos de associação (com o título que dei a este apontamento). Todo o artigo assenta numa falácia básica. Terei todo o gosto em explicar qual, se o Público me der o mesmo espaço e o mesmo destaque. Entretanto, basicamente, e para irem pensando nisso se quiserem, direi desde já que essa falácia consiste em pressupor que as decisões colectivas são meros somatórios de decisões individuais. Adiante, que nos vamos por ora ficar por pormenores.
Há duas frases de Helena Matos que merecem destaque numa galeria de horrores do pensamento.
Primeira. «Eles [os pais cujos filhos frequentam as escolas com contrato de associação] vieram dizer o óbvio: não existe ensino gratuito. O custo real por aluno numa escola pública dita gratuita é provavelmente dos mais elevados do mercado.» Deixando de lado os pressupostos contabilísticos contidos na afirmação, e que não me parecem confirmados pelo números que têm vindo a lume, cabe notar que a frase é um pouco requintado exercício de desonestidade discursiva. Confunde, por um lado, ensino que é fornecido de forma gratuita aos que a ele acedem, com, por outro lado, o facto de o funcionamento do sistema educativo ser pago por todos nós, através dos impostos. Tentar passar essa confusão a ver se ninguém topa - é puro desprezo pelo leitor. Ou Helena Matos julga que alguém está convencido de que o sistema educativo não custa dinheiro?
Segunda. «O Estado português impõe vários anos de escolaridade obrigatória. Ou seja, impõe uma despesa que em boa parte os contribuintes suportam através dos seus impostos.» A escolaridade obrigatória é uma imposição desse papão que é o Estado: o costumeiro discurso, para anarquistas de diversas cores, que diabolizam todas as obrigações que uma sociedade civilizada nos impõe. Mais: a escolaridade obrigatória é, afinal, uma despesa. Não é uma condição de promoção da igualdade de oportunidades, já vimos: é uma imposição. E o que vale? Que é uma despesa.
Haveria mais pérolas a destacar, mas nem vale a pena: a tese é que as famílias é que sabem. É conversa velha: tudo o que seja organização da comunidade para prover as necessidades comuns, é mau. Tudo o que seja "a racionalidade imanente dos agentes maximizando o seu bem próprio" é que funciona bem. Nada lhe interessa que esteja mais do que demonstrado que o mundo real não funciona assim, que isso são estórias da carochinha.
Mas até as estórias da carochinha servem quando se chega ao ponto em que "vale tudo" na apologia de certos interesses.