23.2.11

as revoluções árabes, a diplomacia e a demagogia do parlamentarês

 
Arabian Peninsula and northeast Africa as seen from Gemini 11 spacecraft



Luís Amado acusa Ana Gomes de distorcer as suas declarações sobre a Líbia
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Parece inevitável que o debate político se esteja a transformar aceleradamente numa farsa. Uma farsa é uma situação em que uma variedade de planos, que coexistem na realidade-real, são rebatidos num único nível, como se a realidade tivesse uma única camada, como se todos falassem das mesmas coisas, tivessem os mesmos papéis a desempenhar e as mesmas responsabilidades. Uma farsa resulta de os actores falarem como se a realidade fosse assim plana, quando os que observam sabem e compreendem que as coisas não se passam assim.

As revoluções árabes têm sido mais uma janela de oportunidade para se manifestarem os sintomas de farsa na política.
Há quem faça de conta que todas as revoltas que por aí andam darão, em linha recta, novos 25 de Abril, no seu mais puro fruto, sem 28 de Setembro, sem 11 de Março, sem 25 de Novembro, apenas com o dia inaugural a durar sempre. Ficam escandalizados com quem também vê riscos no que se está a passar, com quem conta com os fundamentalismos que aproveitam a democracia para a matar. O reconhecimento de que os povos merecem melhor do que aquilo que têm não é equivalente a pretender que qualquer mudança será boa, ou que a mudança não comporta perigo algum.
Há quem pense que Portugal devia ter uma diplomacia pura, unicamente orientada pelo combate sem tréguas pelos direitos humanos, que devíamos renunciar ao comércio internacional com todos aqueles que não tenham certificado de qualidade para os seus regimes. A esses não interroga o facto de nenhuma nação fazer isso, não lhes passa pela cabeça que todos os países democráticos esperam pelo tempo em que o afastamento face a um regime pode produzir efeitos reais, esses anjos do bem julgam que a política internacional marcha ao rufar dos desejos, quando ela marcha ao som das forças - e não vale de nada desperdiçarmos as nossas enquanto não se desenhar uma conjugação que possa fazê-las valer.
Há quem esqueça que as diplomacias têm de cuidar do escudo que representam para os seus cidadãos que se vêem apanhados por instabilidades várias fora de portas: um parlamentar pode barafustar à vontade contra Khadafi, mas um ministro dos negócios estrangeiros tem de pensar nos seus concidadãos que esperam ser retirados do turbilhão.
O exemplo corriqueiro da demagogia banal nestes casos é publicar fotos de governantes portugueses com ditadores em desgraça e com isso querer significar que o nosso país é um aliado do mal - mas, claro, omitindo os milhares de fotos desses mesmos ditadores em desgraça com inúmeros outros dirigentes de nações democráticas e civilizadas. O exemplo sofisticado da mesma demagogia é pretender que os governos podem ter o mesmo tipo de actuação, e de opinião oficial, que têm parlamentares individuais, comissões parlamentares, ou parlamentos inteiros - quando as responsabilidades respectivas são bem diversas.

É o acumular destas confusões de papéis e de planos que transforma um certo tipo de reivindicação de superioridade moral numa farsa.