13.7.10

Conselho Nacional de Juventude: Juventude sem Memória?


Segundo se diz no seu sítio oficial, o Conselho Nacional de Juventude (CNJ) é a Plataforma representativa das organizações de juventude de âmbito nacional, abrangendo as mais diversas expressões do associativismo juvenil (culturais, ambientais, escutistas, partidárias, estudantis, sindicalistas e confessionais).
Nesse mesmo sítio oficial do CNJ, e em outros dos seus meios institucionais, afirma-se que foi criado a 15 de Julho de 1985. Parece que até se preparam para comemorar esta semana os 25 anos. Bonita data, sem dúvida. Não fora… que a história não está nada bem contada. Vejamos.



A primeira data que o CNJ inscreve no seu historial, tal como ele consta por exemplo do seu sítio oficial, é apresentada deste modo:
15 de Julho de 1985 - Ano Internacional da Juventude - Realiza-se, no Hotel Diplomático, em Lisboa, a Assembleia Constituinte do Conselho Nacional de Juventude, São eleitos os primeiros titulares dos órgãos estatutários: Carlos Coelho, da JSD, Presidente da Mesa da Assembleia Geral; António Eloy, dos Amigos da Terra, Presidente do Conselho Fiscal; António José Seguro, da JS, Coordenador do Secretariado Executivo, que conta ainda com representantes da ACM, AEP, CKIE, Intercultura, JC e JSD.

Então, o que está errado?
É "apenas" isto: a 27 de Janeiro de 1983 – portanto, mais de dois anos antes da “constituição-agora-oficial” - , foram subscritas as Bases Gerais de Constituição do Conselho Nacional de Juventude pelas seguintes organizações: Juventude Socialista, Juventude Comunista Portuguesa, Juventude Centrista, Juventude Monárquica, Juventude da União de Esquerda para a Democracia Socialista, Juventude de Acção Social-Democrata, Departamento de Juventude da CGTP-IN, Departamento de Juventude da UGT, Movimento Católico de Estudantes, Juventude Operária Católica, Juventude Agrária e Rural Católica, Corpo Nacional de Escutas, Associação Guias de Portugal, Amigos da Terra.
Esse acto, subscrição das Bases Gerais, resultou de um intenso e produtivo trabalho preparatório. A primeira reunião desse processo teve lugar a 3 de Junho de 1982 e, em apenas nove encontros em tão poucos meses, foi possível um acordo tão alargado como aquele que reflecte a lista de organizações subscritoras acima apresentada.
Nas mencionadas Bases Gerais, o CNJ, além de se declarar autónomo do poder político, pretendendo permanecer independente de qualquer organismo estatal, enunciava como seus objectivos fundamentais constituir um espaço de intercâmbio entre as organizações de juventude portuguesas, ser um instrumento para dar corpo e voz às aspirações da juventude portuguesa, contribuir para o desenvolvimento do associativismo juvenil, assumir-se como interlocutor perante os poderes públicos, assumir a troca de experiências com organizações congéneres de outros países.

Entretanto, por razões que genericamente acho poder descrever como ligadas à luta política entre organizações de juventude partidárias e à luta política dentro de certas organizações de juventude partidárias, alguém decidiu refundar o que já estava fundado. O que, de caminho, ajudou a compor o CV de “herói da juventude” a algum ou alguns dos sempre-jovens da nossa praça. O que, enfim, é algo a que hoje alguns parecem estar habituados. Parece que até o Presidente da República vai apadrinhar, com a sua presença, os 25 anos de um CNJ que tem mais de 25 anos e que não nasceu como nos dizem que nasceu. Um CNJ com uma história oficial e uma história não-oficial escondida pelos pequenos estalines que abundam, agora armados de Photoshop para compor a história ao jeito.

Declaração de interesses. Fui um dos subscritores das Bases Gerais de Constituição do Conselho Nacional de Juventude, a 27 de Janeiro de 1983, integrando a representação da organização que tinha tomado a iniciativa de convidar as organizações de juventude para um processo de constituição do Conselho Nacional de Juventude. Não procuro reconhecimento, até por ter tido pessoalmente um papel mais do que modesto no processo, mas sinto algum enjoo pela persistência nesta falsificação da história. Tenho razões para crer que há, ou houve até há pouco tempo, dentro do CNJ, quem saiba desta história. Quem tenha inclusivamente lido os documentos que lá existem (existiam?) a evidenciar o verdadeiro processo de lançamento do Conselho Nacional de Juventude, a esclarecer o que esquecerem estes “jovens sem memória”. Entretanto, a construção persiste. Talvez seja preciso fazer a pré-história do CNJ...