17.5.10

salle des fêtes



Tu queres festa, tu queres excitação, queres empurrar as hormonas até elas ficarem aos saltinhos, tu queres a bíblia em livro aos quadradinhos, e o manifesto do partido comunista e o capital do carlos marques explicado às criancinhas, e exiges redacções sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo como t.p.c. dos gestores da PT, e queres vodka com qualquer elixir logo ao pequeno-almoço e drageias de aloé vera à ceia, tu queres festa que nunca acabe, mas esta dança está há que tempos sem intervalo. E então vais ter de te portar bem, vais ter de andar na linha, vais ter de conhecer as convenções dos novos tempos, o formal do informal, o preparado do casual, vais saltar mas saltas ao ritmo da música e a música é a da casa, pula agora, pára agora, pula, pula, pula, pára, pára, pára, ah, tu nunca tinhas ouvido falar da mobilização infinita, tu nunca tinhas sentido o cansaço de tanto descanso e o aborrecido de tanto divertimento, tu nunca tinhas tido tempo para a ressaca, muito menos para pensar na ressaca, pois, a mobilização infinita, é aquele tipo “do leste” que fala nisso, filósofo, o sacana, mas isto era para ser só música, ou não? Não?!

É isto, afinal, que temos em Salle dês Fêtes, espectáculo de teatro de Macha Makeïeff e Jérôme Deschamps, da Deschiens et Compagnie, agora no Festival de Otoño en Primavera (Teatros del Canal). Esta criação quer expor-nos à experiência da excitação contínua que necessariamente se esgota e tem de deixar-nos com uma sensação de vazio. O vazio civilizacional em palco. Deschamps, que até é sobrinho de Jacques Tati, aplica a receita Tati nessa demanda, com alguns momentos bem sucedidos de absurdo moderno. Mas, tal como em Tati, podemos apenas rir-nos, sem perceber mais nada, ou podemos num dado momento dar-nos conta de que nem tudo o que dá vontade de rir é alegre. Supostamente, chega sempre o momento de “cairmos em nós” e acusarmos o toque. Mas não é verdade: esse momento de verdade não chega sempre. Neste caso, não chegou. Já por isso ser difícil quando alguns paizinhos levam as criancinhas (neste caso, por ser uma rara possibilidade de lhes oferecer teatro em francês em Espanha) e querem convencê-las de que aquilo é só circo, à custa de palminhas e risota infantilóide. Já por o próprio espectáculo não dar nenhuma chave para passarmos da mobilização infinita para o reconhecimento de que esse é o estado de coisas idiota. Em resumo: vi a coisa como uma promessa falhada.