28.11.08

por falar em burocracia...

grandes investimentos em publicidade (IV)



MADE OUT
por Joaquim Castro Caldas, in Convém Avisar os Ingleses, edições quasi



Importámos da Escócia os tatoos militares, o tecido para o cachecol que utilizamos para as cortinas, o whisky falsificado para acender lareiras e a medicina especializada para os filhos dos burgueses.
Importámos de Inglaterra os monóculos dos marechais, os chuis que vão buscar a walter e disparam na mulher se o porco não estiver assado à hora da novela, o cinismo subtil e os folhetins das mulheres a dias da rainha.
Importámos da Irlanda as meias de senhora para os assaltantes de bancos, uma certa desconfiança pela igreja e o terrorismo rafiné.
Importámos do País de Gales as bolas de rugby para os estudantes ricos – os filhos de vidro do Poder – que fazem uma cadeira por ano.
Importámos de França as críticas dos jornais, os nossos próprios emigrantes, a snobeira dos foyers, as obras completas de Victor Hugo só para encher as estantes, os requintes judeus do Eça de Queiroz e a vida privada da Mireille Mathieu.
Importámos do Mónaco a fuga aos impostos e as crónicas femininas sobre os jogadores de ténis à vez das princesas.
Importámos de Espanha os crimes passionais, as frases das portas dos urinóis, as tintas para o cabelo dos punks, o complexo de guerra civil e eventualmente a boa educação.
Importámos de Andorra os blusões para os fogos postos, as botas de ski para as inundações e o contrabando de soutiens.
Importámos da Alemanha Federal o turismo do Algarve, as contas de cabeça do Sr. ministro das finanças, o chichi dos bordéis de cerveja enlatado e o faro dos cães para a droga.
Importámos da outra Alemanha a celulite das atletas do Ginásio Clube, o arame farpado para os jardins-escolas, a tentação da denúncia, material da I guerra para a tecnologia da tropa e as balas da GNR.
Importámos da Bélgica a inteligência, como toda a gente, a água oxigenada para o cabelo das meninas da caixa dos supermercados, as munições que já não servem nas armas que já ninguém usa e a vida privada do Art Sullivan.
Importámos do Luxemburgo os carros alugados para vir um mês de férias mostrar lá na aldeia que se tem automóvel depois de 11 meses de escravo e depois morrer bêbedo na estrada na viagem de regresso.
Não sei de onde é que importámos as casas de banho do avesso com que se anda a espatifar a paisagem por esse Portugal fora.
Importámos da Suíça o civismo dos árbitros para o Benfica-Sporting, os cravos vermelhos de plástico para os aniversários dos golpes de Estado, a reputação de lava-pratos eficazes, as fortunas pessoais dos funcionários dos penhores e eventualmente a pontualidade.
Importámos de Itália a psicose industrial para usar na agricultura, a corrupção política para usar em pequenas doses e com receita médica, as patilhas até ao queixo, a brilhantina dos empregados da CP, s bólides para os meninos queques espetarem nos rallys, as cuequinhas de cera para tapar o sexo das estátuas nas igrejas e eventualmente o falar de mansinho à saída dos jogos de futebol.
Importámos da Grécia o excesso de sensatez das donas de casa e um certo estado de decomposição do património.
Importámos da Holanda quase todo o hard-core 1º escalão e uma percentagem considerável das vacas da Feira do Ribatejo.
Importámos da Áustria os lugares dos mutilados nos autocarros que não servem para nada porque eles não conseguem entrar nos autocarros e a mania de que é chic chegar atrasado meia hora às estreias de teatro.
Importámos da Dinamarca a mentalidade preocupante dos vídeos e penteados dos anos 80.
Importámos da Suécia o mito da boazona e eventualmente a sobriedade alcoólica ao volante.
Importámos da Noruega o infiel amigo e só não importámos nada da Finlândia porque não há lá nada que interesse à nossa amena temperatura.
Importámos da Rússia as medalhas para condecorar os artistas que atinjam uma idónea senilidade, as histórias da Sibéria para massacrar as crianças, os efeitos psicológicos do imobilismo dos jogos de xadrez, os boatos da morte dos governantes e a prepotência dos canhões.
Importámos dos outros países de Leste o sofrimento militar para aliviar o sado-masoquismo civil.
Importámos de Marrocos a grande pedra.
Importámos do cansaço de guerra ultramarino o 25 de Abril sobre o joelho e as fardas para os teenagers se mascararem.
A única coisa relevante que importámos das antigas colónias foi um canibal de Cabo Verde que comeu o fígado de uma criança nos arredores de Lisboa.
Importámos dos países árabes o asseio das retretes dos lugares públicos.
Importámos da Índia um documentário sobre a nossa épica debandada.
Importámos do Japão os pacotinhos de Vinho do Porto em pó para beber nos aviões, os gritinhos das jogadoras de voley, o turismo de massas do hotel ao hotel e do hotel para o hotel, os filmes a mais e o comer a horas mesmo sem fome.
Importámos da América Latina o espectáculo dos bancos dos hospitais, a coca dos barões, o hábito prático de levar a cozinha e a mobília da sala para a praia, partidos políticos do século passado e slogans demagógicos ou inconsequentes.
Somos exportados pela China em Macau onde não temos sorte nenhuma ao jogo.
Importámos do Brasil o dia-a-dia ocioso e fútil das funcionárias do Estado, a língua de trapos das manicures, as brocas dos dentistas, o mau hálito das meninas dos telefones, as sopeiras da TV Globo, a alegria à força e uma dor de cotovelo incestuosa.
E no fim deste estendal ainda fomos obrigados a importar a ingerência externa dos computadores americanos que nos ensinam a lidar com esta gigantesca salada fria de Cultura que não é nossa e que talvez até nos convenha agora, aos poucochinhos, começar a exportar.

grandes investimentos em publicidade (III)


Bo Bartlett, Assumption, 2001


Fenprof pede demissão da ministra e apela a greve de cem por cento dos docentes.


Isto é disfarçar que mais uma vez chegamos a sexta-feira e não aparece a proposta sindical para outro modelo de avaliação, "aquela" avaliação que querem mesmo, já que só não querem "este" modelo? Ou será que "este modelo" é uma nova expressão para "qualquer modelo que esteja efectivamente em cima da mesa"?

grandes investimentos em publicidade (II)


Bo Bartlett, Habeas Corpus, 2006


Portugueses consideram que há discriminação dos doentes com sida, mas também discriminam.


E continua o Público: «Quase todos os portugueses consideram que as pessoas com Sida são vítimas de discriminação, mas quando confrontados com perguntas concretas, metade acha "natural" que estes doentes tenham dificuldades em progredir profissionalmente, revela um estudo da Universidade Católica.»

Grandes são os pecados dos outros. Isto dizem os outros. E nós somos os outros dos outros.

27.11.08

governança sindical

Passo a citar.

«O pano de fundo, um caso real, explica-se em poucas linhas: um sindicato de profissionais de educação é réu numa acção. Como testemunhas, o sindicato arrola dez pessoas. Em audiência, as testemunhas são, todas elas, impugnadas pela parte contrária, por pertencerem à direcção do mesmo sindicato e, nessa medida, se encontrarem impedidas de depor enquanto tal.

Para decidir o incidente, o tribunal ordena a junção aos autos de cópia dos estatutos do sindicato e do elenco da sua direcção.

Juntos estes elementos, apura-se que a direcção é o órgão executivo máximo do sindicato, sendo composta por 667 membros efectivos (2,9 vezes o número de deputados à Assembleia da República) e oito suplentes!

Entre os 667 lá estavam as testemunhas impugnadas, que não foram admitidas a depor.

(...) Que razão ou razões terão ditado a opção por uma mega-estrutura para um órgão de gestão que se quer activo, eficiente e eficaz? (...)

O Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício (...).

Mas mais interessante é o que determina o artigo 12.º daquele diploma: as faltas dadas pelos trabalhadores membros dos corpos gerentes para o exercício das suas funções consideram-se justificadas e contam, para todos os efeitos legais, como serviço efectivo, salvo quanto à remuneração. Mas, apesar desta ressalva, esses membros têm direito a um crédito de quatro dias remunerados por mês para o exercício das suas funções. O que isto significa é que, ao prever e eleger 667 membros na sua direcção, este sindicato (e haverá outros, estou certo) conseguiu que o Estado-empregador suporte o encargo do pagamento de 32.016 dias de trabalho em cada ano sem que dos seus funcionários receba a correspondente prestação de trabalho.

A história, evidentemente imoral, não acaba aqui.

É que o artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei n.º 84/99 permite que aqueles créditos de faltas de cada membro dos corpos gerentes de uma associação sindical possa, por ano civil, ser acumulado ou cedido a outro membro da mesma associação, ainda que pertencente a serviço diferente.

Se cada membro dos corpos gerentes tem quatro dias pagos por mês, são precisos 7,5 membros para cobrir um período de 30 dias e, por conseguinte, 90 membros para assegurar um ano de salários – ou 105 se considerarmos o subsídio de férias e de Natal. Para assegurar a seis membros verdadeiramente executivos o seu vencimento integral, basta ter, além deles, mas 630 membros na mesma direcção. Os números não batem exactamente, mas não ficam quaisquer dúvidas.

Ou seja, na prática, dos 667 funcionários do Estado que integram formalmente a direcção do sindicato, só uma meia-dúzia é que efectivamente exerce as funções executivas necessárias à governação. Os restantes limitam-se a dar o nome e a ceder os seus créditos para que os primeiros possam dedicar-se em permanência à sua nobre missão sindical (...).»

Excertos de um artigo de Filipe Fraústo da Silva, intitulado Trade union governance, no Jornal de Negócios

Texto integral no Jornal de Negócios Online, aqui.

A pista veio do COGIR.

grandes investimentos em publicidade (I)

26.11.08

os labirintos do costume


Lisboa: Sá Fernandes defende "união à esquerda" para as próximas autárquicas.


PS acusa BE de fazer purga e de perseguir Sá Fernandes por delito de opinião.


Ruptura consumada ontem. Sá Fernandes acusa Bloco de Esquerda de pôr os interesses do partido acima dos da cidade.



A esquerda da esquerda da esquerda perde-se nos mesmos labirintos de todos os outros.
O BE, um partido que podia ser útil, porque junta primos desavindos, porque dá uma certa consistência programática a sectores da esquerda que tradicionalmente se estão a borrifar para a governabilidade, porque podia ajudar a reanimar uma procura de soluções de que o PCP desistiu por pensar (e bem) que as fórmulas velhas continuam a render eleitoralmente - o BE, um partido que podia ser útil, seria talvez capaz de sobreviver ao irritante jeito moralista-sacerdotal de Louçã.
Mas o BE não sobreviverá certamente a esta insistência em se perder nos mesmos labirintos do poder que todos os outros usam. Não estranha, sabendo que velha esquerda lidera o Bloco, que o Bloco ponha o partido acima de tudo. Mas não podiam esperar um pouco mais antes de mostrar isso tão claramente?

Timor-Leste, a ilha insustentável


O artigo de Pedro Rosa Mendes, ontem no Público, com o título acima - pelo desassombro do conteúdo e pela qualidade da escrita - até faz pensar, por um dia, que Portugal tem uma grande imprensa.

não é um caso de polícia, mas de política


BPN tem ligações a deputados do PSD da Madeira.


O que cabe aos tribunais, julguem os tribunais. Mas isto cabe aos cidadãos: a mistura entre a representação política e o dinheiro, que se suspeita mas nem sempre se prova, é o resultado "natural" de uma concepção profundamente errada da vida pública. O que esta em causa é uma ideologia. A ideologia do dinheirismo: o dinheiro (de cada um que o pode arrecadar) é o máximo bem público ("público" porque em teoria qualquer um pode arrecadar). E julgavam que isso não tinha consequências?

24.11.08

super-visão tem alguma coisa a ver com super-homem?


Os continuados e demagógicos ataques ao governador do Banco de Portugal, na base da ideia "se ele não descobriu (mais cedo) a fraude (no BPN) é porque não faz o seu trabalho", equivalem a afirmar que "se se cometem crimes em Portugal, a polícia devia demitir-se toda". Os iluminados que sabem sempre tudo, melhor do que todos, parecem esquecer que vários casos em vários países mostram que a supervisão do sistema financeiro não tem como ser mais omnisciente do que os próprios deuses - porque operações escondidas são isso mesmo: escondidas. Mas há sempre, num país onde falta emprego, quem só se sinta bem quando se emprega a lançar lama sobre quem está. Quanto mais não seja porque isso serve de entretenimento aos que gostam de circo. E são muitos. Porque o circo entretém a falta de pão.

Entretanto, um conselho a Vitor Constâncio: tentar dar alfinetadas subtis a Judite de Sousa, do género como quem diz "se não entendeu devia ter estudado", não merece a pena. Perdem-se pelo caminho...

por qual razão Judite de Sousa...


... faz mais perguntas a Vitor Constâncio em cinco minutos de entrevista do que todas as que fez a Dias Loureiro em toda uma "grande entrevista"?
Um conselheiro de Estado inspira-lhe mais temor do que o governador do Banco de Portugal?
Ou percebe mais de assuntos de supervisão financeira do que percebe de gestão de empresas privadas, gostando mais de perguntar de coisas que sabe do que sobre coisas que não sabe?!

Poema para Galileu, de e por António Gedeão


No Dia Nacional da Cultura Científica.




Também pode ver e ouvir cientistas portugueses a ler o Poema para Galileu, no sítio do Público, aqui mesmo.

as guerras são dos homens


« (...) Nasci na índia e sou cornaca, Cornaca, Sim senhor, cornaca é o nome que se dá àqueles que conduzem os elefantes, Nesse caso, o general cartaginês também deve ter trazido cornacas no seu exército, Não levaria os elefantes a lado nenhum se não houvesse quem os guiasse, Levou-os à guerra, À guerra dos homens, A bem dizer não há outras. O homem era filósofo.»
José Saramago, A Viagem do Elefante, Caminho, 2008, p. 217

projectar a cidade pública


Tapume frente ao Palácio de S. Bento
(Montagem de fotos de telemóvel. 23-11-08. Clicar para aumentar.)

22.11.08

Diz que era uma espécie de inquérito...


Agora que acabou o “inquérito” que promovemos durante seis dias sobre a crise da avaliação dos professores, vou aqui fazer uma leitura pessoal dos respectivos resultados.

Em primeiro lugar, uma palavra aos que escreveram a insultar-me por causa do mesmo. Uma mensagem de correio electrónico até dizia que eu devia ter tirado o título de investigador por fax, porque o inquérito não era científico. Um, também por e-mail, até insiste que escreve por eu andar a atacar a profissão da esposa - e manda-me links brasileiros para me explicar que incorro em responsabilidade criminal. Ainda há cavalheiros, hã!? Há quem pense que ser “investigador” é um “título que se tira”. Há quem pense que todos os investigadores têm como trabalho fazer “inquéritos científicos”. E também há quem ignore que nem todos os inquéritos têm de ser “científicos”. Esses precisariam aqui de uma explicação de todas as razões pelas quais este “inquérito” não é científico – para ficarem com uma ideia mais concreta do que significam as palavras que pronunciam. Mas não somos nós quem lhes pode fazer esse “regalo”.

Quanto às 361 respostas (não necessariamente equivalentes a 361 respondentes), apraz-me comentar como segue.


Sentido geral das afirmações propostas


As sete afirmações disponíveis representavam, a meu ver, o seguinte:

- 2 representam posições de fundo de muitos professores: “Os professores devem ensinar e não perder tempo com outras tarefas, tais como avaliar os colegas” e “O modelo de avaliação deve garantir que todos os professores possam chegar ao topo da carreira”.

- 2 representam posições favoráveis a uma acção radical contra a contestação dos professores: “O governo não deve negociar com os representantes dos professores se estes não participarem nas estruturas de acompanhamento que concordaram criar para analisar dificuldades” e “Os professores que arranjarem maneira de não ser avaliados têm de ser prejudicados na carreira”.

- 1 representa uma posição “interpretativa” muito desfavorável à posição dos professores, mas não contendo qualquer apelo à acção contra eles: “A maior parte dos professores quer uma avaliação sem consequências, por isso nunca se manifestaram contra o modelo antigo”.

- 1 apontava uma solução global (política) radical: “Estas querelas resolviam-se todas com a entrega da gestão das escolas a entidades privadas”.

- finalmente, 1 e só 1 era única num sentido próprio: era a única com um tom positivo e com uma “linha de futuro” que nem sequer tomava partido por qualquer das partes em confronto: “Devia ser dada muito maior autonomia às escolas em todos os aspectos, incluindo a avaliação”.


Os resultados e as reflexões que me suscitam

Das duas afirmações que pretendiam representar dois tópicos da posição de muitos professores, uma delas foi a mais escolhida [“Os professores devem ensinar e não perder tempo com outras tarefas, tais como avaliar os colegas”], com 200 votos. A outra foi bastante escolhida [“O modelo de avaliação deve garantir que todos os professores possam chegar ao topo da carreira”], 142 votos – mas tinha um problema lógico (uma ambiguidade) muito grave. Explico-me sobre isso abaixo.
Posso concluir que uma parte significativa dos que visitaram o blogue nestes dias discordam de aspectos centrais da minha posição. Contrariamente ao que se possa pensar, acho isso interessante: se o que escrevo só atraísse os convencidos da justeza das minhas ideias, estaria a chover no molhado. E, por outro lado, isto justifica perante mim próprio o meu esforço em explicar-me nessas matérias.

Duas afirmações traduziam o desejo de uma reacção radical do governo face à luta dos professores. Era claramente o caso com [“O governo não deve negociar com os representantes dos professores se estes não participarem nas estruturas de acompanhamento que concordaram criar para analisar dificuldades”], que teve 74 votos. Outra frase também traduz algum radicalismo, mas presta-se a outra interpretação: [“ Os professores que arranjarem maneira de não ser avaliados têm de ser prejudicados na carreira”], com 84 votos. Alguns podem ter entendido esta frase como uma constatação, como se dissesse “serão prejudicados”, porque de facto sem avaliação não progridem. Mas, como estava redigida, parece-me traduzir também um desejo de “partir a espinha” à contestação. Será que alguns leitores julgam que essa é também a minha posição?

É curioso comparar o número dos que concordariam com uma linha de acção radical contra a contestação (frases acima) com o número dos que fazem uma crítica de fundo à posição dos professores: os 118 que escolheram [“A maior parte dos professores quer uma avaliação sem consequências, por isso nunca se manifestaram contra o modelo antigo”] estão a endossar uma interpretação do problema que muitos professores detestam ouvir. Mas estes “críticos de fundo” da posição dos professores são muito mais numerosos do que os “radicais” das afirmações anteriores. Sinto-me confortado, por esta ser em parte a minha ideia: muitos professores têm motivações erradas para a luta, mas isso não nos obriga a querer que o governo radicalize a sua própria posição.

Uma afirmação marcadamente ideológica destacou-se como a menos preferida pelos respondentes: [“Estas querelas resolviam-se todas com a entrega da gestão das escolas a entidades privadas”] teve apenas a preferência de 29 respondentes.

A única afirmação positiva que estava disponível, [“Devia ser dada muito maior autonomia às escolas em todos os aspectos, incluindo a avaliação], foi escolhida por menos de metade dos respondentes, 162 votos, mas, mesmo assim, foi a segunda mais escolhida. Olhamos para a metade vazia do copo (os respondentes só tinham uma opção “positiva” e mesmo assim não a escolheram maioritariamente) ou olhamos para a metade cheia do mesmo copo (no meio de tanta tensão, ainda há quem pense em termos positivos)? Não sei.


Um esclarecimento

Disse acima que a afirmação [“O modelo de avaliação deve garantir que todos os professores possam chegar ao topo da carreira”] contém uma grave ambiguidade. Vejamos. Tal como está formulada, essa afirmação é, na prática inócua, uma vez que todos os professores podem chegar ao topo da carreira – no sentido de que qualquer professor pode chegar ao topo da carreira, tanto no modelo antigo como no novo. Isso só não seria o caso se houvesse algum impedimento a que cada um dos professores pudesse singrar até ao topo. Por exemplo, se houvesse uma regra segundo a qual os professores do género feminino não poderiam ser titulares.
O que traduziria correctamente uma crítica frequente ao actual desenho da carreira seria uma frase diferente, do tipo “O modelo de avaliação deve garantir que os professores possam chegar todos ao topo da carreira”. Quer dizer: todos podem (qualquer um pode) chegar ao topo, mas não podem chegar todos.
Devo confessar que só me dei conta deste problema depois de ter colocado o “inquérito” no blogue – e, a partir daí, só poderia corrigir o erro apagando o próprio inquérito. Decidi deixar andar, até para ver se alguém me assinalava o defeito. Nenhum dos que escreveram a insultar-me acerca do inquérito chamou a atenção para isto. Provavelmente por pena de mim. Para não me perturbar. Ou com receio de que eu não compreendesse tamanha subtileza. Fico-lhes grato pela caridade.

E agradeço aos que participaram.

E “desagradeço” aos que me escreveram a dizer que não participavam por, alegadamente, o “inquérito” traduzir uma visão a preto e branco do problema. Foi por causa desses que agora coloquei alguma "cor" neste apontamento.

E pronto. Vamos "partir para outra".

21.11.08

liberdade, sempre, sem dúvida - acima de toda a divergência




(Milão, Outubro 2008, manifestações contra o ministério da educação)

os inimigos do capitalismo

grafitos da praia grande do rodízio


Montagem de fotos de telemóvel. Novembro 2008. Clicar aumenta.

governo concorda com sindicatos


Manifestação da função pública junta 50 mil pessoas.


O Ministro das Finanças assomou à varanda da Assembleia da República para comunicar de viva voz aos manifestantes da função pública que concorda com eles relativamente ao irrealismo da proposta de aumento de 2,9% para 2009. O Ministro comunicou ainda que irá rever essa proposta em linha com a inflação agora prevista. O Ministro informou ainda, com um pedido de desculpas aos manifestantes, que tinha proposto aumentos de 2,9% por "achar giro" esse número ser aplicado em 2009: "era só tirar os zeros do meio", explicou o ministro dos Santos.

[Agora a sério: Modernizar as relações laborais.]

serviço público e ciência


No excelente blogue Ciência ao Natural, recentemente premiado no concurso Super Blog Awards, onde foi o vencedor na categoria Educação e Ambiente (Parabéns, Luís), está agora uma posta que é um exemplo de várias coisas. Nomeadamente, de como as instituições públicas tantas vezes deixam passar ao lado o interesse público (também há interesse público em matéria científica, ou achavam que não?); mas também de como há pessoas (cientistas, neste caso) atentas, mesmo sem que lhes paguem para isso. A posta é O Museu e o Mercador e merece ser visitada (ela e "as colegas").

recuo


Conselho das Escolas deverá manter pedido de suspensão do processo de avaliação.


Reunião entre BE e professores termina com insistência na suspensão da avaliação.


Analistas vários dizem, sobre as medidas tomadas ontem pelo governo em matéria de avaliação dos professores, e em particular pela Ministra da Educação, que se trata de um "recuo". E, acrescentam alguns, por isso a Ministra ficou "fragilizada". Este raciocínio diz tudo sobre a concepção de democracia que vai nestas cabeças: deve-se negociar, ou não? devem reconhecer-se os problemas, ou não? devem procurar-se soluções, ou não? Se se reconhecem os problemas e se identificam soluções, o que se deve fazer: esconder as soluções na gaveta para evitar reconhecer que nem tudo é perfeito - ou propor as soluções que se conseguiram desenhar?
Quem chama a qualquer tentativa de aproximação de posições uma cedência, ou um recuo, tem uma noção muito pobre do que deve ser a governação. No fundo, a bitola desses comentadores ainda continua a ser o pior de Salazar: a convicção de que o poder não negoceia, não cede, não discute - porque isso enfraquece. A Ministra da Educação, pelo contrário, como governante democrática, fez um esforço para compreender e responder às dificuldades práticas reais envolvidas no modelo de avaliação - e apresentou caminhos que mostram essa atitude.

Contudo, há outra tese, a que deitam mão alguns um pouco mais elaborados - mas não menos errados. Protestam alguns: "mas a Ministra devia ter pensado nesses problemas todos antes". Esses acham que a obrigação de um governante é ser um iluminado. A esses sempre digo, repetindo-me:

«Nenhum modelo é perfeito, logo tentar eliminar um modelo por ele não ser perfeito equivale a tentar matar antecipadamente todos os modelos que venham a ser tentados. Mais: nenhum modelo pode ser aperfeiçoado apenas em teoria, pelo que é na prática que ele vai mostrar os ajustamentos necessários e, nunca passando à prática, nunca chegamos a apurar nenhum modelo. (“Faz-se caminho ao andar.”)» (Excerto da Quarta das 10 teses sobre a crise da avaliação docente.)

Estão errados aqueles que pensam que qualquer reforma deve fazer-se em duas fases nitidamente distintas: primeiro, pensar à exaustão o que fazer, determinando todas as possibilidades em termos de consequências e, assim, gizar o plano perfeito; depois, simplesmente aplicar o plano perfeito. Essa visão hiper-racionalista e idealista da acção é um tremendo erro: o nosso poder de cálculo não é suficiente para lidar com a complexidade do mundo ao ponto de eliminar toda a incerteza dos nosso planos. O que temos é de nos dotarmos de mecanismos para ir-pensando-enquanto-aplicamos, de modo a fazer interagir a teoria (o plano de acção) e a prática (a sua concretização).

De passagem: aquela teoria errada da acção foi uma das grandes dificuldades do projecto da Inteligência Artificial. E uma das principais causas dos seus fracassos. Só que em ciência às vezes aprende-se com os erros. Em política (mesmo em política sindical) parece mais difícil.

pensem no país


Ontem, chegado a casa mesmo a tempo de ouvir a Ministra da Educação ser entrevistada, e verificando depois na imprensa electrónica o que o governo tinha anunciado sobre a avaliação docente, logo vim aqui ao blogue apoiar genericamente o que se tinha feito. E criticar a reacção maximalista de certas organizações de professores, que se comportam mais como guerreiros de uma batalha campal do que como partes numa negociação civilizada, na qual estão em causa interesses de toda a comunidade. E mantenho tudo o que disse. Mas, e volto a isso, comecei o primeiro post de reacção às novidades com as palavras "Continuo a manter o que defendi nas 10 teses sobre a crise da avaliação docente, nomeadamente nas últimas três sobre a forma de relançar as negociações". Para que fique claro, aqui repito a Oitava das 10 teses sobre a crise da avaliação docente:

«Uma negociação que aspire ao sucesso (acordo substancial e sustentável) tem de centrar-se nos verdadeiros problemas que preocupam as partes – e não restringir artificialmente o cardápio dos problemas ou das soluções, porque isso empurra as partes para posições de fachada, destinadas apenas a evitar adiar um prejuízo temido. Dotar as negociações de um cardápio de verdade pode implicar reabrir dossiers considerados fechados, por muito que isso desagrade ao ME. Por exemplo, a percepção de que o preenchimento dos lugares de professor titular deu lugar a injustiças, seja em muitos ou poucos casos, é um factor de envenenamento de todas as situações conexas. Questões ligadas à autoridade dos professores na escola, por exemplo, podem também ter de ser invocadas. Pode ser necessário alargar o âmbito da negociação actual, de forma a colocar em jogo todos os factores que realmente pesam nas posições de fundo das partes, condição indispensável para uma negociação em bases verdadeiras.»

Se fosse eu a ter de optar, teria ido mais longe. Estou convencido de que o processo de titularização, em si mesmo necessário para modernizar a carreira, cometeu injustiças relativamente a alguns professores, provavelmente afectando alguns dos melhores. E isso repercute-se negativamente na autoridade do ME em todo o processo e afecta mecanismos importantes ligados à própria avaliação. E seria preferível corrigir já essas injustiças, em vez de manter este fogo que já nem é brando. Manifestamente, os governantes não lêem este blogue... (uff...para eles e para mim...)

Ministra da Educação discute hoje com pais e professores as medidas anunciadas ontem.

20.11.08

arrogância


Ministra da Educação vai “zelar” para que professores não adiem avaliação dos alunos .


A Ministra mostrou estar atenta aos problemas e querer resolvê-los. Mostrou inteligência, humildade, coragem e dignidade. Os que a acusam de arrogante estão já por todo o lado a mostrar que eles próprios é que são arrogantes. Os que acusam a ministra de não ouvir os professores estão já a mostrar que não lhes interessam os professores, mas apenas as suas lutas político-sindicais, o seu penacho. Não duvido de que o país compreenderá isto: quem realmente se interessa pela educação não precisaria de pensar pelo menos três ou quatro horas acerca da utilidade das propostas da ministra, em vez de se precipitar logo para o microfone a fazer novas ameaças?

sermão do mandato




Hoje, a começar às sete da tarde (e a acabar quase às nove da noite), Luís Miguel Cintra subiu ao púlpito da Igreja de S. Roque em Lisboa para dizer (não me parece que deva chamar-lhe "pregar", mas seria interessante discutir esse ponto) o Sermão do Mandato do Padre António Vieira. O grande pregador deu esse sermão no dia da Encarnação no ano de 1655, tendo-o pregado na Misericórdia de Lisboa, às 11 da manhã.

O sermão não é dos que eu mais aprecio. É de temática muito religiosa: trata do amor de Deus aos homens, comparando-o com as fraquezas e forças do próprio amor humano. Prefiro outros sermões cujo conteúdo "social" acaba por continuar actual e tocar mais as minhas preocupações. Mas, de qualquer modo, também este é um grande texto e Cintra disse-o, como sempre, maravilhosamente. A igreja, que é grande e bonita, não estava cheia, mas estava composta. Vieira não arrasta as multidões que arrastava no seu tempo, quando se faziam filas para arranjar lugar de o ouvir. Mas ainda delicia alguns privilegiados que tomam conta das notícias destes eventos comemorativos no Ano Vieirino: assim se chamam, em 2008, as comemorações do IV centenário do nascimento do Padre António Vieira.

as máscaras agitam-se


Sindicatos descontentes com simplificação da avaliação dos professores .


Ministra não suspende mas simplifica avaliação dos professores.


Oposição diverge sobre simplificação do modelo de avaliação docente.


Continuo a manter o que defendi nas 10 teses sobre a crise da avaliação docente, nomeadamente nas últimas três sobre a forma de relançar as negociações. Contudo...

É impossível não reconhecer que a Ministra da Educação fez um esforço para responder às dificuldades práticas reais envolvidas no modelo de avaliação - sem, obviamente, deixar cair o modelo. Vamos ver, de seguida, quem faz jus ao epíteto de arrogante.

De qualquer modo, as decisões do governo, esta tarde, já provocaram reacções, mais uma vez, esclarecedoras. Alguns disfarçaram durante algum tempo o que realmente queriam. Mas, de repente, deixam cair a máscara.

Lê-se no Público que o secretário-geral da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) considerou que as alterações anunciadas hoje pela ministra da Educação não representam "nenhuma mudança de paradigma", mantendo-se, no essencial, "um modelo de avaliação eminentemente punitivo, que serve apenas para impedir que a maioria dos professores possa progredir na carreira e chegar aos patamares mais elevados de remuneração". Portanto, voltamos à mesma cantiga: todos os soldados terão de ser, mais tarde ou mais cedo, generais.

A Fenprof, escreve também o Público, alertou que o modelo provoca competição entre os professores, o que vai contra a "cooperação e trabalho de equipa" necessária nas escolas. Sobre isso, repito o que aqui já escrevi anteriormente: «a confusão perniciosa entre relações profissionais e relações pessoais, misturada com uma concepção paternalista das relações de trabalho, alimenta o medo da avaliação rigorosa. Escrever que "a avaliação fomenta problemas interpessoais entre professores" (Daniel Sampaio, Pública, 16/11/08) é tentar infantilizar os professores, como se eles fossem incapazes de fazer da avaliação um exercício profissional (como fazem tantos outros profissionais altamente qualificados) e só pudessem cair na armadilha de fazer da avaliação profissional uma questão de conflito pessoal.» (excerto da Sexta das 10 teses)

Parece que a teoria de que "nós queremos a avaliação, só não queremos esta", é uma teoria em acelerada decomposição. É tempo de caírem as máscaras e separar as águas: quem está neste processo de boa-fé, quem está a esconder o jogo e a fazer batota.

A oposição partidária, essa, reclame-se de esquerda ou de direita, mantém-se na posição oportunista de tentar traduzir em ganhos eleitorais a batalha docente - o que não seria em si mesmo de espantar, não fosse o caso de ir ao extremo de não ligar nenhuma aos interesses profundos da escola pública.

É tempo de reconhecer quem quer dialogar e resolver os problemas e quem quer apenas ganhar uma guerra político-sindical. As aspirações de algum líder sindical a sucessor de Carvalho da Silva na coordenação da CGTP não deveriam sobrepor-se ao interesse do país.

a república

uma avaliação docente que os sindicatos aceitaram


«No ensino privado, pelo contrário, a avaliação é um assunto resolvido. A ponto de os sindicatos de professores terem estabelecido com a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) um contrato colectivo de trabalho do qual também consta uma grelha de avaliação adoptada pelos 533 colégios filiados naquela organização. A primeira versão do diploma obrigava os colégios a seguirem os mesmos parâmetros, mas, no ano passado, cada uma das escolas pôde adoptar "os indicadores que mais se identificam com o seu projecto educativo", segundo explica o dirigente Rodrigo Queiroz e Melo, para quem a "boa aceitação" da avaliação tem uma causa: "Nos colégios, os professores sempre estiveram habituados a ter chefias e a serem avaliados por elas. Enquanto, dentro das escolas públicas, não há chefes nem chefiados." A grelha da AEEP é, por exemplo, usada no Colégio São João de Brito, em Lisboa, que ocupa o 2º lugar no ranking nacional das escolas. Cada professor do S. João de Brito faz a sua auto-avaliação, o director de ciclo (...) preenche a sua ficha e, uma vez reunidos, chegam a uma versão final que, depois, ainda será confirmada pela direcção.»
in Visão, edição de hoje, pp. 42/44

Parece-me que há aqui matéria para reflexão, com vários destinatários.

[Ministério da Educação nega ilegalidade do registo de objectivos individuais online.]

já não é caso de polícia, é caso de política


Menezes lembra críticas que recebeu ao querer avançar com inquérito à supervisão bancária. Nessa altura, membros da Comissão Política do PSD demitiram-se.

O antigo líder social-democrata recordou também que, nessa altura, foi alvo de “criticas ameaçadoras”, algumas das quais de “alguns ex-ministros que não queriam que avançasse a fiscalização à supervisão bancária”.

As cautelas do PS relativas à separação entre o tratamento judicial e o tratamento político do caso BPN deixaram de fazer sentido a partir do momento em que altos responsáveis testemunham que a actividade política de topo terá sido contaminada por interesses privados envolvidos nesse banco. Para que não se consolide ainda mais a ideia de que "os políticos são todos iguais", é preciso que quem está limpo não dê guarida a qualquer tentativa de encobrir putativos comportamentos sujos. E, independentemente de tudo o resto, é preciso perceber se houve tentativa de manipular a posição de um grande partido para defender interesses privados. Isso, mesmo que não seja caso de polícia, seria caso de enorme gravidade política.

desobediência

09:13

O filósofo Aires Almeida, cujo trabalho, nomeadamente como professor, tanto quanto podemos saber, só pode merecer elogios, publicou há já alguns dias no Público um artigo de opinião sobre a actual "crise da avaliação", o qual contém alguns argumentos que devem ser tidos em conta. Em alguns casos esses argumentos mereceriam uma análise mais detalhada, até recorrendo a uma maneira de pensar em que Aires Almeida é muito mais sabedor do que eu (detectar falácias no raciocínio).

Mas queria, aqui e agora, apenas deixar um comentário ao uso de uma citação de John Rawls, em "Uma Teoria da Justiça", para encimar o artigo. É a seguinte a citação: «O facto de os cidadãos estarem em geral dispostos a recorrer à desobediência civil justificada é um elemento de estabilidade numa sociedade bem ordenada, ou seja, quase justa.» Trata-se, portanto, de trazer a possibilidade da desobediência civil (o ser ou não ser justificada é precisamente a questão) para o actual contexto político-sindical dos professores.

Como comentário, cito-me a mim próprio, na Primeira das 10 teses sobre a crise da avaliação docente:

«Os professores têm direito à contestação e à luta. Como todos os cidadãos. Isso não impede que, quanto à apreciação da legitimidade dos métodos, haja uma diferença entre defender direitos e liberdades fundamentais ou defender interesses especificamente profissionais. Certos métodos, mesmo extremos, podem justificar-se plenamente no primeiro caso: até a revolução é admissível. Mas os critérios serão outros para defender causas profissionais: o direito ao boicote, à desobediência, ao desrespeito pela lei, não encontra a mesma justificação neste caso. E essa desproporção de meios está a acontecer neste caso. O boicote orquestrado ao funcionamento normal das escolas, em desafio à legalidade e mesmo aos acordos firmados livremente, incluindo o clima de insulto generalizado, é desproporcionado como meio de reivindicação profissional em democracia.»

[Educação: Presidente da República diz ter "muita pena" que seu apelo à serenidade não tenha surtido efeito .]

ministra da educação: é isto que querem?

09:00




Fenprof abandonou reunião com a ministra da Educação.

Os ataques pessoais generalizados à Ministra da Educação não são um pormenor. São um dos bilhetes de identidade de um estilo muito em voga hoje em dia. Chamar mentirosa à ministra, mesmo quando recentemente o líder sindical mais em destaque foi apanhado por um camarada seu a fazer acusações falsas a estruturas do ME; chamar arrogante à Ministra, mesmo quando o líder sindical mais em destaque fala como se fosse o líder de um novo bloqueio de camionistas; e ir por aí fora no chorrilho de asneiras que se podem encontrar em qualquer canto da net onde há dezenas de "professores" a comentar - tudo isso parece "normal" a muita gente.
Mas, afinal, quem é a Ministra? Uma política de carreira, durona e matreira, que passou a vida a passear-se pelos corredores do poder, a fazer promessas e a semear ilusões, e que agora paga a factura dessa irresponsabilidade?
Não. A Ministra é uma pessoa normal, por vezes até com uma certa falta de jeito para a retórica barbuda da política profissional, uma cidadã que aceitou interromper a sua vida profissional para tentar fazer alguma coisa pelo seu país. Acertando por vezes. Errando outras vezes. Mas alguém que pode ser considerada o mais próximo possível de um modelo de cidadania, no sentido em que aceita fazer um enorme sacrifício pela causa pública.
Mas isso não merece respeito a um número significativo de "sindicalistas", que são de facto políticos, profissionais ou quase, há muitos anos. Mas isso não infunde respeito a muitos professores, que deviam estar a educar os seus alunos para admirarem exemplos de civismo como o de Maria de Lurdes Rodrigues.
E depois venham cá com discursos bonitos acerca da necessidade de renovar a classe política e de melhorar a participação cidadã e de trazer gente normal para a política.
Não. O que pede quem assim se comporta é outra coisa. Pede políticos-robot.
(Que me desculpem os robots.)

[Nota do Editor: O "selo do tempo" original deste post é 19-11-08 às 11:00]

19.11.08

posta mirandesa


CDS apresenta alternativa ao modelo de avaliação de professores até ao final do ano.


Acabadinho de chegar de Marte. Paulo Portas só agora se deu conta de que o país anda a tratar deste problema? As soluções que vai apresentar em Dezembro são, aliás, muito mais abrangentes: elas incluem, além de um modelo de avaliação dos professores, milagres também para os manuais escolares, os programas e os currículos. É uma grande tentação: inventamos agora aqui de repente qualquer coisa que amaine a tempestade, qualquer coisa tirada do chapéu à última da hora, "algo" que satisfaça o meu desejo, "Ambrósio" (como no Ferrero-Rocher). Mas, contudo, "algo" que não foi descoberto quando Portas era o número dois do governo da nação.
Portas diz que vai propor "algo" inspirado no modelo do ensino particular e cooperativo, que já foi aceite pelos sindicatos. Mas o ME já perguntou inúmeras vezes aos sindicatos por que razão negociaram um modelo para o ensino particular e cooperativo que incorpora vários princípios que agora contestam neste modelo. Será isso verdade? Será que os sindicatos não aceitam mesmo para a escola pública o que aceitam para a privada e cooperativa? Isso não seria muito difícil de compreender. Porquê? Pela mesma razão pela qual é tão fácil fazer greves no sector público e no sector privado é mais difícil.
Temo que isto seja fast-food. Mas até gostaria de estar enganado. Porque preferia uma posta mirandesa. Mas, de qualquer modo, sempre é mais imaginativo do que o PSD de MFL, que passa qualquer crise apenas a dizer tontices. Paulo Portas viu uma coisa que, se é verdade em economia, também o pode ser na política: comprar acções é na baixa. Ei-lo, a comprar as acções em baixa de Manuela.

só em portugal


Astronauta perde saco de ferramentas durante um passeio espacial.


Acrescenta o Público: «Durante um passeio no espaço de sete horas a 254 quilómetros de altitude, por vezes é difícil manter a concentração. Foi o que aconteceu à astronauta Heidemarie Stefanyshyn-Piper, que perdeu o seu saco de ferramentas, um dos maiores objectos já alguma vez perdidos no espaço durante este tipo de operações. (...) O saco perdeu-se enquanto Stefanyshyn-Piper tentava olear uma porca que já há mais de um ano impedia as asas solares de apontarem automaticamente para o Sol.»

Se fosse um astronauta português, ou se a estação espacial fosse portuguesa, ou de qualquer modo isto se ligasse directamente a Portugal, logo se diria com ar de sabedoria: "só em Portugal". Como canta Sérgio Godinho: "só em Portugal é que se diz só em Portugal".

brandos costumes

este post vai sem link


Os melhores títulos do jornal Público encontram-se sem qualquer dúvida na "versão impressa" que é disponibilizada diariamente no respectivo sítio na rede. Ainda na edição de hoje se encontra este espécime: "Título C para texto secundário que pode ter duas linhas". É das coisas menos sectárias e com menos gralhas que por lá se encontram. Parabéns ao jornal do famoso empresário do Norte.

INSTITUIÇÃO, Maurice Merleau-Ponty



A Instituição, Manuel Botelho, 1985,
carvão sobre papel, colecção Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
(clicar para aumentar)


A propósito do Colóquio Internacional de Filosofia e Ciências Humanas [CORPOS E SIGNOS], comemorando pela reflexão o centenário do nascimento de Claude Lévi-Strauss e de Maurice Merleau-Ponty, que vai decorrer entre amanhã 20 e 22 no Institut Franco-Portugais de Lisboa (Avenida Luis Bivar, 91; entrada livre; mais informações no sítio do IF-P) deixo aqui uma reflexão/relato sobre um texto de Merleau-Ponty que é um dos fundamentos filosóficos da investigação que actualmente desenvolvo em Robótica Institucionalista.

* * * * * * * * * *

Maurice Merleau-Ponty, em L’institution dans l’histoire personnelle et publique (1954), proporciona-nos um alargamento do horizonte filosófico de uma noção (“instituição”) que, se calhar, damos por adquirida (pensando em instituições sociais) e, desse modo, não consideramos com suficiente detença e proveito.

O que está em causa filosoficamente em (Merleau-Ponty 1954) é a consciência, ou, mais precisamente, na expressão que abre o texto: “a vida pessoal considerada como vida de uma consciência” (Merleau-Ponty 1954:33). E o que está no centro das propostas do filósofo face a essa questão é a recusa de uma consciência constituinte, recusa da ideia de que só descobriríamos no mundo aquilo que tivesse sido constituído pelas operações dessa mesma consciência.

O que se opõe a “constituição” é “instituição”, em várias dimensões: na relação do sujeito ao mundo, “há sujeito instituído e instituinte, mas inseparavelmente, e não sujeito constituinte”; na relação do sujeito ao outro, o outro não é a minha negação (não temos uma relação constituído/constituinte), mas eu projecto-me nele e ele em mim (uma relação instituído/instituinte); na relação do sujeito ao fazer, porque o fazer não é guiado pela eficiência pura, pelo dirigir-se directamente para certos fins, mas comporta o valor simbólico que tem para os outros; na relação do sujeito ao tempo: nem posso abarcar todo o passado, nem posso projectar todo o futuro, mas não estou fechado no meu instante e posso estabelecer pontes de ligação no tempo, participando no que foi instituído e participando nesse instituir (Merleau-Ponty 1954:34-36).

Propondo-se introduzir directamente a noção de instituição, Merleau-Ponty escreve: “instituição significa estabelecimento numa experiência (ou num aparelho construído) de dimensões (no sentido geral, cartesiano: sistema de referência) em relação às quais toda uma série de outras experiências terão sentido e formarão uma sequência, uma história” (Merleau-Ponty 1954:38). Pela instituição o sentido deixa de ser da minha interioridade: o sentido é depositado, não como resíduo mas como produtividade. É que, enquanto o constituído só tem sentido para mim e para o mim deste instante, o instituído tem sentido sem mim.

Em Merleau-Ponty, “instituição” tem um duplo sentido: acção de dar um começo, de fundar (o que não acontece num acto, num só golpe, mas se dá no alongamento do tempo); estado de coisas estabelecido (por exemplo, no campo social, político ou jurídico).

O que é interessante é a expansão aberta por este duplo sentido. Merleau-Ponty fala-nos da instituição na ordem do vivo, na medida em que o desenvolvimento do organismo não resulta apenas do desdobramento de uma estrutura inata, mas também de uma plasticidade que responde às circunstâncias que são dadas contingentemente no tempo e no lugar (essa plasticidade tem toda a margem entre os limites da espécie e da monstruosidade). Fala-nos da puberdade para defender que “a própria pessoa deve ser compreendida como instituição”, mas com o mesmo exemplo afirma que “a instituição não liquida absolutamente o que a precedia” (Merleau-Ponty 1954:47,60). Fala-nos da instituição de um sentimento através da sua própria história: um amor fica ligado aos acontecimentos contingentes onde se começa a formar, onde cresce, onde se transforma, onde morre. Fala-nos da instituição de uma obra, como no pintar ou no escrever: no princípio há um vazio; depois o projecto começa mas não está desde logo formado na cabeça do artista, vai sendo reconhecido nas realizações parciais; depois vai-se alimentando dos encontros com os outros, embora o sentido externo não exclua o sentido interno. Por exemplo, um livro “é uma série de instituições e manifesta que toda a instituição tende para a série”; o livro exemplifica como a instituição é instalação da diferença, desvio pessoal dentro da norma, fazer de uma nova norma em relação à qual novos desvios são possíveis (Merleau-Ponty 1954:41). Na obra de arte há um cruzamento da instituição pessoal e da instituição colectiva (Merleau-Ponty 1954:78). Fala-nos da instituição de um saber, contra a ideia do saber como apropriação progressiva de ideias eternas, intemporais, quando o saber é ele próprio histórico – e, a esse propósito, sublinha o duplo aspecto da instituição, como abertura e como restrição (Merleau-Ponty 1954:43).

Cabe sublinhar que o instituir não é um procedimento que obedeça a um cânone racionalizado. A propósito da instituição da obra de arte, escreve: “a pintura não é a lógica da pintura” (Merleau-Ponty 1954:82). Quer dizer: o pintor faz escolhas, mas não lhes faz a teoria; avança por meio de certos afastamentos expressivos em relação a uma certa norma, mas isso não é necessariamente logo uma nova norma ou uma tese. O instituir, a instituição, avança em ziguezagues, não é uma linha recta dirigida a um fim (Merleau-Ponty 1954:87).

Enriquecida por esta dimensão menos usada, a noção de instituição é então pensada naquele lado que nos parece mais familiar: os corpos do Estado, as leis orgânicas. Mas o que é afinal tudo isso? Desde logo, “a instituição não é apenas o que foi fixado por contrato, mas isso mais funcionamento” (Merleau-Ponty 1954:43). Depois, a instituição tem dois lados: é universalizante, porque torna possíveis séries de acontecimentos que têm uma certa unidade, torna possível uma historicidade; mas também é particularizante, porque estabelece diferenças, porque não vai a caminho de um horizonte único. Pela instituição, a história torna-se relação entre pessoas mediada por coisas (Merleau-Ponty 1954:47). A instituição instala-nos de uma certa maneira na história: nem estamos fechados no nosso presente (não estamos numa ilha na história, podemos penetrar no horizonte dos outros), nem podemos ver como síntese toda a existência humana (não nos elevamos nunca acima da história como espectador absoluto); não há criação pura e incondicionada (por isso está errado o relativismo cultural radical), mas as instituições também não são apenas limites, porque também possibilitam e abrem história (Merleau-Ponty 1954:105-107,118-119). Também para este sentido de “instituições” será pertinente dizer que “o homem é ao mesmo tempo mais ligado ao seu passado do que o animal e mais aberto ao seu futuro” (Merleau-Ponty 1954:57) – porque as instituições são a materialização dessa forma de ser histórico. E essa materialidade das instituições é importante, porque “o modo de existência da instituição (…) não é conteúdo de consciência” e as ideias dos humanos só existem nos aparelhos que as fixam e nenhum a fixa inteiramente (Merleau-Ponty 1954:58,98).

O texto de Merleau-Ponty, fazendo a ponte entre as “instituições” sociais e o “instituir” – de si próprio como pessoa, das suas obras, dos saberes, dos sentimentos – reforça uma articulação que se recusa a dar lugar de destaque a certas oposições: entre o interior e o exterior do indivíduo, entre o indivíduo e o colectivo, entre o corpo e a inteligência, entre o sujeito e o objecto, entre o presente e o imaginário, entre o natural e o cultural. A instituição – o instituir e o instituído – misturam tudo isso, desfazendo falsas polaridades, no tempo, já que “o tempo é o próprio modelo da instituição” (Merleau-Ponty 1954:36).


REFERÊNCIA

(Merleau-Ponty 1954) MERLEAU-PONTY, Maurice, “L’institution dans l’histoire personnelle et publique”, in MERLEAU-PONTY, Maurice, L’Institution. La Passivité. Notes de cours au Collège de France (1954-1955), s.l., Belin, 2003, pp. 31-154 (Fixação do texto por Dominique Darmaillacq e Claude Lefort)




18.11.08

Merleau-Ponty no Franco-Portugais



Entre 20 e 22 de Novembro próximos, portanto já a partir de quinta-feira, decorre o Colóquio Internacional de Filosofia e Ciências Humanas [CORPOS E SIGNOS], comemorando pela reflexão o centenário do nascimento de Claude Lévi-Strauss e de Maurice Merleau-Ponty. Vai decorrer no Institut Franco-Portugais de Lisboa (Avenida Luis Bivar, 91). A entrada é livre. Mais informações no sítio do IF-P.

Vamos associar-nos modestamente ao acontecimento, que nos foi assinalado por mão amiga (por "cabeça amiga", mais precisamente), publicando aqui amanhã uma anotação sobre um dos textos menos populares de Merleau-Ponty, L’institution dans l’histoire personnelle et publique (1954), texto esse que é um dos fundamentos filosóficos da nossa actual investigação em Robótica Institucionalista.
Fica prometido.

programa de governo MFL

cabecinhas negociadoras

(É favor clicar nesta foto...)

Imagem do filme Scanners, de David Cronenberg (1981)


Notícia: Oposição pede suspensão "imediata" da avaliação dos professores. Jornal Público acrescenta. "Mário Nogueira de acordo".


Há oposição que nunca esteve no governo. Naturalmente, como tem mostrado ao longo dos anos, essa oposição não se interessa nada por uma pequena coisa chamada governabilidade e que significa mais ou menos isto: como é que o país arranja maneira de ser viável e nós arranjamos maneira de deixar às gerações seguintes algo mais (e não menos) do que aquilo que herdámos.
Há outra oposição que já esteve no governo e que, como não fez o que era necessário para as coisas mudarem, também não quer que este governo faça. E, mesmo assim, quer ganhar alguma coisa com a confusão: se não pelas suas próprias propostas, pelas dificuldades que enfrentam as propostas dos outros. O PSD, por exemplo, recuou sempre que se tratava de fazer alguma reforma séria na administração. Porque só faz "reformas estruturais" se não tiverem de pagar por elas.
Essas duas classes de oposição juntam-se "para parar tudo". Sabedoras de que, se esta crise acabar no enterro desta tentativa, vai acabar no enterro por muitos anos de qualquer avaliação e de qualquer modelo. A oposição não sabe o que fazer para sair da crise. Espero que o ME não esteja de cabeça tão perdida como a oposição. Espero que o ME não cometa nenhum dos seguintes erros: parar tudo ou desvirtuar tudo, pensando que assim se salva (e não salva); fazer de conta que "no pasa nada"(porque passa).

o grande líder


Sindicatos rejeitam proposta de criação de comissão de sábios para a avaliação.


«Para Mário Nogueira, a negociação tem de ser feita sempre entre os sindicatos e o Ministério da Educação», continua o Público.
Também me pronunciei desconfiadamente da proposta de Vitorino. Por estas razões. Mas as razões de Mário Nogueira, pelos sindicatos, parecem-me outras: evitar que mais alguém possa entrar em campo pelo lado dos professores. Ora, seria importante, precisamente, se queremos um bom resultado para a educação, e não para a guerra político-sindical em curso, seria importante dar a volta à crise da representação que é parte importante da mais global "crise da avaliação".
«(...) é preciso encontrar alguma forma de fazer emergir representações das diversas posições que existem no seio da classe. A crise do modelo tradicional de sindicalismo caiu com força em cima desta negociação – e ela não terá sucesso sem atender a essa questão que só aparentemente é instrumental.» Como escrevi na Nona das 10 teses, nas quais insisto.

retrato de negociador

(É favor clicar nesta foto...)

Imagem do filme Scanners, de David Cronenberg (1981)



Conselho das Escolas pede à ministra que suspenda a avaliação.


A ideia de que a única coisa que o governo tem a fazer na crise da avaliação docente é resistir-resistir-resistir, defendida, por exemplo, por Vital Moreira, do Causa Nossa, aqui, é uma ideia peregrina. Porque talvez possa salvar o governo, mas dificilmente poderá salvar a educação.
Isto, por razões que explico nas 10 teses. Nomeadamente na oitava.

novas oportunidades seguras


Vitorino quer sábios e Seguro quer ouvir os professores.


António Vitorino, comentador, insiste na forma, mas o problema é o conteúdo. Insisto nas 10 teses, especialmente nas últimas três para quem não suporta textos longos.

Já o deputado António José Seguro quer ouvir os professores. Diz ele que "o primeiro passo para uma solução positiva é ouvir, saber ouvir os professores". Mas, onde andou até agora o deputado Seguro? O homem parece que é presidente da Comissão Parlamentar de Educação. Deveria, pois, ter começado a ouvir os professores há uma carrada de tempo. E só agora se lembra de que é importante propalar a mensagem aos quatro ventos?

Até já os ex-, futuros, sempre-em-pé candidatos a fazer pela vida dentro do PS em caso de desgraça de José Sócrates, até esses já estão a lamber os beiços em cima da crise da avaliação dos professores. Não são só os camaradas do Mário Nogueira. Acreditarão que os professores não sabem distinguir um oportunista à vista desarmada?

17.11.08

remendos


Ministra da Educação disposta a tornar avaliação menos burocrática.


Espero que não estejam a tentar convencer a Ministra de que tudo isto não passa de uma tempestade num copo de água. Não é o modelo de avaliação que se trata de remendar. É a confiança mútua de todos os agentes que está avariada e precisa ser remendada. E há muito quem trabalhe dia e noite para tentar evitar que isso aconteça.

Insisto nas 10 teses. E para os mais impacientes sublinho as últimas três, especificamente sobre o processo negocial.


estremunhada?

grandes portugueses

12:56

O ex-ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha, e ex-líder dos Verdes, Joschka Fischer, publicou na semana passada um artigo no jornal francês Le Figaro, intitulado "La crise, une chance pour l'Europe". O essencial do artigo explica, numa leitura que seria instrutiva para certa esquerda portuguesa, porque é que a União Europeia pode fazer em conjunto para enfrentar esta crise em particular, e a globalização em geral, aquilo que cada país não pode fazer por si só. Mas, claro, isso implica um juízo sobre as condições que certos agentes têm para contribuir para – ou atrapalhar – esse projecto.
E, assim, escreve a certa altura Fischer: «(…) é urgente desenvolver uma coordenação macroeconómica e fiscal dentro da UE. Esta proposta é ainda mais pertinente tendo a Comissão Europeia demonstrado recentemente a sua quase total incapacidade. O incompetente presidente da Comissão teve o seu mandato renovado por cinco anos, em reconhecimento da sua inocuidade. Assim é também, hélas, a Europa.»
Pois.

(Fischer dá como já tendo sido o que ainda está para ser: a renovação do mandato de Barroso. Mas isso não lhe tira razão no essencial.)

Artigo em linha (em francês) aqui.

Aditamento: Mas claro, Portugal sente-se na obrigação de dar assistência aos compatriotas exilados. E o nosso MNE, de passagem, diz disparates: então a função da Comissão Europeia é "acompanhar" a Presidência francesa (ou qualquer outra)? Antes achava-se que a Comissão devia ter iniciativa, ser o motor. Agora, a Comissão está lá é para "acompanhar". Acompanhar por acompanhar, também podia acompanhar pela televisão, ou até por telemóvel, sei lá.
Ainda estou para ver como Barroso vai "acompanhar" a próxima presidência, da República Checa, país que tem um presidente tão europeísta como Putin ou Medvedev.

avançar, dizia o caranguejo

remodelação

10 Teses sobre a crise da avaliação docente

09:00


Tenho dedicado algum tempo nos últimos dias a escrever sobre as mais recentes evoluções do processo da avaliação dos professores. A escrever na blogosfera, onde se reage de forma rápida e espontânea a notícias, a tomadas de posição, a provocações. Onde, necessariamente, somos polémicos, às vezes agressivos, onde nos irritamos com o que os outros dizem e irritamos os outros com o que dizemos. Onde cada comentário é fragmentário e às vezes parece o que não é. Onde somos sempre lidos como simplistas, e/ou tendenciosos, e/ou injustos. Assim sendo, e porque não prescindo da minha condição de cidadão, e de opinar sobre o que me parece importante para o país, mas não gosto que tomem o meu dedo mindinho pelo meu corpo todo, decidi tomar a responsabilidade de organizar as minhas ideias gerais sobre esta questão num único texto. Longo. Que agora aqui deixo.

Nas 10 (pomposamente chamadas) teses, que se seguem, começo por abordar algumas questões que dizem respeito à concepção da própria democracia que subjaz às minhas posições nesta matéria, opino sobre algumas questões de método que penso deveriam ser esclarecidas neste debate – e termino com algumas sugestões quanto ao futuro deste debate nacional. Os subtítulos têm carácter meramente editorial: as "teses" devem ser lidas como um todo.

Peço aos que o leiam que não o julguem uma opinião sobre "os professores" ou sobre qualquer grupo. Mas que também não pretendam que alguém esteja acima da crítica. É uma opinião sobre um problema. E só vale a pena falar de problemas sérios com frontalidade.


***


Democracia e participação

1. Os professores têm direito à contestação e à luta. Como todos os cidadãos. Isso não impede que, quanto à apreciação da legitimidade dos métodos, haja uma diferença entre defender direitos e liberdades fundamentais ou defender interesses especificamente profissionais. Certos métodos, mesmo extremos, podem justificar-se plenamente no primeiro caso: até a revolução é admissível. Mas os critérios serão outros para defender causas profissionais: o direito ao boicote, à desobediência, ao desrespeito pela lei, não encontra a mesma justificação neste caso. E essa desproporção de meios está a acontecer neste caso. O boicote orquestrado ao funcionamento normal das escolas, em desafio à legalidade e mesmo aos acordos firmados livremente, incluindo o clima de insulto generalizado, é desproporcionado como meio de reivindicação profissional em democracia.

2. Os interesses profissionais dos professores, como de qualquer outro grupo profissional, devem poder ser objecto de negociação séria. O governo deve entender que a formação de uma solução para um problema tem mais hipóteses de sucesso se for negociada com os interessados. E essa participação é, para os profissionais envolvidos, parte dos seus direitos de cidadania. E esse valor é de primeira importância. Por isso mesmo: primeiro, isso implica direitos e deveres para ambas as partes. A negociação de má-fé, por exemplo praticada como técnica de gestão de calendário, foi usada neste caso e isso é criticável. E, segundo, nem todas as negociações podem ser bem sucedidas; algumas não devem mesmo ser bem sucedidas. Porque os poderes públicos têm obrigação de não ceder naquilo que julgam ferir o interesse geral; o governo será julgado, democraticamente, pelos seus juízos nessa matéria. Mas está no seu papel ao assumir esses juízos e governar em conformidade. É ilegítimo contrapor ao exercício da autoridade democrática um outro exercício, o da concertação social, como se esta pudesse anular ou substituir aquela.

3. Num Estado democrático, tal como o concebo, as corporações não têm um papel político de primeiro plano. Chamo corporações a grupos, de base sectorial incluindo "capital" e "trabalho", ou de base profissional, que pretendem tomar o poder de definir as regras de funcionamento de uma parte da sociedade ou de uma parte do Estado em função dos seus próprios interesses, fazendo-os prevalecer sobre os interesses legítimos de outros grupos. Neste caso concreto, alguns entendem que cabe aos agentes educativos definir as políticas para a escola, falando como se o governo fosse um intruso na escola e como se a educação fosse dos professores. Numa sociedade democrática aberta, os grupos existem, e devem existir, e desempenham um papel no apuramento da opinião e das soluções, e podem ter variados níveis de autonomia na gestão dos assuntos que lhes concernem - mas, quando toca a questões de interesse geral, não podem definir "reservas territoriais" onde pretendam reinar com exclusão de todos os outros interesses e de onde queriam excluir a autoridade democrática representando o interesse geral segundo as leis da república. Em última instância, o interesse geral, avaliado pelos poderes públicos constituídos democraticamente, deve sobrepor-se ao interesse sectorial avaliado por grupos específicos.

4. A opinião democrática não é uma opinião técnica. Um mesmo problema de sociedade pode ser abordado a vários níveis e o nível técnico não pode legitimamente tentar eliminar o nível político. Assim, não é aceitável que alguns professores procurem desvalorizar as críticas à sua luta com argumentos do género: "vocês não sabem o suficiente do modelo para opinar". Isso equivale a uma tentativa de transformar um debate político num debate técnico - para depois monopolizar a opinião nesse debate ("ninguém sabe melhor do que os professores como as coisas se passam, logo nenhuma opinião pode contrariar a dos professores"). Para os termos do debate democrático, neste caso concreto, posso saber várias coisas sem entrar nos detalhes do modelo. Por exemplo. Nenhum modelo é perfeito, logo tentar eliminar um modelo por ele não ser perfeito equivale a tentar matar antecipadamente todos os modelos que venham a ser tentados. Mais: nenhum modelo pode ser aperfeiçoado apenas em teoria, pelo que é na prática que ele vai mostrar os ajustamentos necessários e, nunca passando à prática, nunca chegamos a apurar nenhum modelo. (“Faz-se caminho ao andar.”) Existindo estruturas de acompanhamento da implementação deste modelo, e não tendo os representantes dos professores investido em apresentar casos de dificuldade para os tentar resolver, faltaram a uma parte significativa das suas responsabilidades sociais e, quem assim age, indica que para si (não digo que seja para todos os professores) o problema não é "esta" avaliação, mas "a" avaliação - porque deixaram por mostrar o seu empenho num aperfeiçoamento progressivo e cauteloso. Estando acordado um calendário para, já em 2009, voltar a negociar sobre os resultados da primeira fase de implementação, os representantes dos professores, ao quebrar agora o diálogo, partindo agora para a recusa total, mostram que verdadeiramente acham que podem impor ao país a sua solução, só essa e mais nenhuma. Este debate é um debate democrático, não é um debate técnico: tentar fazer dele um debate técnico para afastar os discordantes é pouco democrático. Os professores devem ao país uma participação cidadã responsável nos mecanismos institucionais criados para aperfeiçoar o modelo de avaliação.


A avaliação docente na escola democrática

5. O que está essencialmente em causa é a própria existência de avaliação com consequências. Sublinho: com consequências. Afirmar que "sempre houve avaliação" é um mero jogo de palavras. (E processar o PM como "mentiroso" por causa disso é um sinal de "falta de rins" no debate político democrático.) A avaliação "à antiga" tendia a colocar a esmagadora maioria dos professores no mesmo patamar e tinha uma influência muitíssimo insuficiente em termos de progressão na carreira segundo o mérito e o desempenho. Ligar fortemente a avaliação à progressão diferenciada na carreira é essencial para que a avaliação tenha significado efectivo na vida das escolas. A pretensão de que todos os professores possam atingir o topo da carreira, aquilo que Ferreira Leite chama "não haver quotas administrativas", é um incentivo a voltar às piores práticas burocráticas da administração. E é uma exigência absurda comparada com qualquer outra classe: era como se todos os militares pudessem ser generais (ou marechais?) e todos os juízes pudessem ter um lugar no Supremo, ou todos os professores universitários pudessem ser catedráticos. Essa exigência é um absurdo, e essa exigência é um factor decisivo nas verdadeiras motivações para a contestação dos professores. Uma classe docente dinâmica terá de aceitar mais diferenciação, assente na avaliação do mérito e do esforço, ultrapassando o quadro mental que julga sempre preferível o igualitarismo burocrático.

6. A cultura de avaliação é um elemento fundamental da cultura profissional e da cultura de organização. A desvalorização deste tópico reflecte o atraso da cultura organizacional predominante no nosso país (tanto no sector privado como no público). A expressão tão ouvida nestes dias – “Deixem-nos ser professores” – quer dizer basicamente isto: o nosso trabalho é ensinar, não é avaliar os colegas, a avaliação é desperdiçar tempo que seria útil a ensinar por causa de coisas inúteis que são laterais à nossa função. Mas essa ideia está radicalmente errada: a escola é uma organização, os professores trabalham em equipas e, em qualquer organização e qualquer equipa deve haver cooperação e, para isso, parte das tarefas essenciais são precisamente organizativas. Como, vitalmente, é o caso da avaliação. É por causa de o exercício avaliativo ser intrinsecamente inerente ao exercício profissional qualificado que a avaliação interna pode eventualmente ser complementada, mas não substituída, por uma avaliação externa. Por outro lado, a confusão perniciosa entre relações profissionais e relações pessoais, misturada com uma concepção paternalista das relações de trabalho, alimenta o medo da avaliação rigorosa. Escrever que “a avaliação fomenta problemas interpessoais entre professores” (Daniel Sampaio, Pública, 16/11/08) é tentar infantilizar os professores, como se eles fossem incapazes de fazer da avaliação um exercício profissional (como fazem tantos outros profissionais altamente qualificados) e só pudessem cair na armadilha de fazer da avaliação profissional uma questão de conflito pessoal. Avaliar-se, avaliar as equipas em que participa, participar no exercício colectivo de avaliação, são componentes centrais do exercício profissional qualificado em organizações focadas em missões.

7. A desestabilização radical da escola pública, nos termos em que tem acontecido ultimamente, poderá tornar-se a breve prazo na justificação há muito esperada pelos que pretendem levar avante um forte movimento de privatização da escola pública. A percepção, por parte da opinião pública, de que a escola pública foi tomada por um grupo profissional que coloca os interesses gerais a reboque de interesses particulares, motivada pela preservação de condições profissionais de que mais ninguém goza, poderá ser uma poderosa alavanca para a promoção dos interesses privatizadores, que a prazo tenderiam a acentuar o papel da escola como mecanismo de reprodução das desigualdades sociais prevalecentes. E, na verdade, quando se chega a uma situação de bloqueio institucional, quando se esgotam as vias de modificação pacífica de um estado de coisas que não satisfaz, a tentação da “bomba atómica” pode prevalecer. Contudo, a reacção adequada não é reforçar o carácter centralista e uniformizador do sistema. É urgente colocar em novos moldes, decididamente, a questão da autonomia das escolas, centrando essa autonomia na missão educativa, na competição pela qualidade para todos (e não só para os afortunados), na inserção local – e definindo desse modo o conteúdo da responsabilização, da avaliação e dos prémios ao esforço.

Para uma negociação verdadeira

8. Uma negociação que aspire ao sucesso (acordo substancial e sustentável) tem de centrar-se nos verdadeiros problemas que preocupam as partes – e não restringir artificialmente o cardápio dos problemas ou das soluções, porque isso empurra as partes para posições de fachada, destinadas apenas a evitar adiar um prejuízo temido. Dotar as negociações de um cardápio de verdade pode implicar reabrir dossiers considerados fechados, por muito que isso desagrade ao ME. Por exemplo, a percepção de que o preenchimento dos lugares de professor titular deu lugar a injustiças, seja em muitos ou poucos casos, é um factor de envenenamento de todas as situações conexas. Questões ligadas à autoridade dos professores na escola, por exemplo, podem também ter de ser invocadas. Pode ser necessário alargar o âmbito da negociação actual, de forma a colocar em jogo todos os factores que realmente pesam nas posições de fundo das partes, condição indispensável para uma negociação em bases verdadeiras.

9. Uma negociação efectiva só é possível entre verdadeiros representantes das posições em presença. Na actual situação, a unidade dos professores é em larga medida uma unidade pela negativa: a unidade dos professores contra o ME esconde reais e profundas divergências, no seio da classe, acerca da avaliação propriamente dita e acerca do próprio modelo de escola que convém ao país. Continuar a conceder o exclusivo da negociação aos sindicatos, quando há sectores dos professores que não se reconhecem neles, é insusceptível de facilitar uma viragem positiva que interesse a todas as partes. O quadro convencional e legal não facilita a mudança imediata desta realidade, mas é preciso encontrar alguma forma de fazer emergir representações das diversas posições que existem no seio da classe. A crise do modelo tradicional de sindicalismo caiu com força em cima desta negociação – e ela não terá sucesso sem atender a essa questão que só aparentemente é instrumental.

10. Uma negociação efectiva só pode ocorrer entre propostas alternativas que representem as diferentes visões de forma suficientemente global para tirarem da sombra todos os pressupostos negociais. Uma negociação assimétrica, em que uma das partes assume todo o risco da proposição e as outras partes só têm de contrariar as propostas apresentadas, está condenada a ser uma negociação meramente táctica: uma guerra de trincheiras, concentrada apenas em minorar perdas, incapaz de colocar em cima da mesa o essencial – e, portanto, insusceptível de gerar um acordo genuíno, sólido, sustentável e duradouro. Uma negociação efectiva entre o ME e os professores tem de centrar-se em alternativas coerentes, articuladas, que representem diferentes visões globais, e que apareçam à luz do dia para serem escrutinadas – e só essa negociação poderá ser leal e produzir resultados.